terça-feira, 25 de novembro de 2014

INDICADOS PARA O PRÊMIO APCA DE TEATRO 2014



A relação abaixo inclui os indicados do primeiro e do segundo semestre.

AUTOR / DRAMATURGO

Alexandre Dal Farra (Abnegação)
Jô Bilac (Conselho de Classe)       
Leonardo Cortez (Maldito Benefício)
Luís Alberto de Abreu e Calixto de Inhamuns (Karamázov)
Newton Moreno e Alessandro Toller (O Grande Circo Místico)


ATRIZ

Clara Carvalho (Preto no Branco)
Laila Garin (Elis, A Musical)
Marieta Severo (Incêndios) 
Nathalia Timberg (Tríptico Samuel Beckett)
Sandra Dani (Oh os Belos Dias)
 

ATOR

Cleto Baccic (O Homem de La Mancha)
Juca de Oliveira (Rei Lear)
Ricardo Blat e Thelmo Fernandes (A Arte da Comédia)
Ricardo Gelli (Propriedades Condenadas)
Roney Facchini (Ou Você Poderia Me Beijar)
Rubens Caribé (Assim É (Se Lhe Parece))


DIRETOR

Aderbal Freire-Filho (Incêndios)
André Guerreiro Lopes (Ilhada em Mim – Sylvia Plath)  
Bel Garcia e Susana Ribeiro (Conselho de Classe)
Marco Antônio Pâmio (Assim É (Se Lhe Parece))
Rubens Rusche (Oh os Belos Dias)
Zé Henrique de Paula (Antes de Mais Nada / Preto no Branco)
 

ESPETÁCULO

A Arte da Comédia
Assim É (Se Lhe Parece)
Conselho de Classe (Companhia dos Atores)
O Homem de La Mancha
Os Azeredo Mais os Benevides 
Pessoas Perfeitas (Cia Os Satyros)

 

 

domingo, 23 de novembro de 2014

HISTÓRIA DOS PORÕES


 

         Dentro do projeto Homens à Deriva que procura refletir sobre os acontecimentos ocorridos durante a ditadura militar brasileira, André Garolli encenou neste ano os espetáculos: As Moças de Isabel Câmara, Abajur Lilás de Plínio Marcos e este História dos Porões de Analy Alvarez que está mais diretamente relacionado com o tema do projeto e que para mim é o melhor sucedido dos três.
 
         O texto bastante engenhoso tem uma narrativa que intercala presente e passado aonde a relação entre as personagens vai se revelando pouco a pouco até o final impactante. A trama envolve um ex-militar que trabalhou nos órgãos de repressão e que é muito consciente dos atos que praticou para “salvar o Brasil das mãos dos comunistas”, sua filha que o tem como exemplo de pai, mas que descobre sobre suas atividades após a sua morte e uma presa política que foi torturada e estuprada nas dependências da prisão.  Garolli encena essa história com mãos de mestre, enfatizando e ampliando suas qualidades por meio de cenário conciso (uma escrivaninha que pode ser uma cela de prisão), iluminação primorosa (dele e de Rodrigo Alves) que revela os ambientes e os sentimentos das personagens, adereços cênicos perfeitos que estão dentro do baú que a filha vai abrir quando o pai morre, com destaque para o novelo de lã que é responsável pelo momento mais dramático e revelador do espetáculo. 
 
         Isadora Ferrite, filha do saudoso ator Zanoni Ferrite (1946-1978), demonstra ter herdado o talento do pai interpretando a filha servil indo com muito equilíbrio dos sentimentos de amor e saudade para aqueles de perplexidade e revolta. Luiza Braga, atriz paraense estreia em São Paulo com muita garra fazendo a mulher presa e torturada. O militante político falou mais alto do que a personagem no caso de Luiz Serra: o ator obviamente não acredita nas falas de sua personagem e para convencer como tal exagera na interpretação que poderia ser mais contida tornando mais clara a dualidade da personagem preconizada pela autora no programa da peça. 
 

         História dos Porões é espetáculo sério e comprometido que merecia uma temporada mais longa para permitir que o boca a boca o levasse para um público maior. Nunca é demais denunciar as atrocidades doa anos de chumbo da ditadura brasileira, principalmente quando assistimos perplexos alguns jovens em manifestações empunhando faixas solicitando a volta dos militares ao poder.

         A peça terminou a sua temporada no simpático TOP Teatro (ao lado do Teatro Sérgio Cardoso) neste domingo, dia 23 de novembro. Esperemos que ela retorne ao cartaz em 2015.

quarta-feira, 19 de novembro de 2014

INDIGNAÇÃO


 
 



                No dia 04 de julho de 2014 fui contatado por telefone pelo Sr. Marcelo Damian Zamora, Coordenador Artístico do Festival Internacional de Teatro de São José do Rio Preto 2014 convidando-me para escrever os textos do catálogo desse evento que se realizaria a partir de 21 de agosto. No mesmo dia o Sr. Marcelo oficializou o convite com o e-mail reproduzido abaixo:


On Sex 04/07/14 17:55 , Marcelo Zamora marcelodamianzamora@gmail.com sent:

Estimado José:
Conforme conversamos telefonicamente venho formalizar o convite para a elaboração dos textos (sinopses) dos espetáculos para o Catálogo do FIT 2014.
Anexo a realçado e grupos e, caso aceite, enviaremos as informações complementares.
Trata-se de 45 textos (um de cada espetáculo) com 2000 toques (incluindo espaços) cada um.
Pelo serviço pagaremos o valor de R$11.000,00
Grato por aceitar o desafio.
Marcelo Zamora
Coordenador Artístico
FIT - Festival Internacional de Teatro de São José do Rio Preto


                Respondi o e-mail aceitando a tarefa. Recebi o material para trabalhar. Pesquisei vídeos e sites dos grupos envolvidos, além de contatar alguns deles para completar o trabalho que me tomou praticamente todo o mês de julho. Enviei os 45 textos em lotes nos dias 17/07, 21/07, 25/07, 28/07 e 30/07, todos eles com confirmação de recebimento por parte do Sr. Marcelo. Meu trabalho estava terminado.
                Fui convidado para participar de todo o Festival, mas apesar da insistência, a coordenação não disponibilizou transporte para minha ida, inviabilizando a mesma.
                O Sr. Marcelo comentou comigo por telefone que o pagamento seria realizado em meados de agosto. A partir de 19/08 comecei a questionar sobre esse pagamento. Mandei e-mails em 28/08 e 03/09. Após várias tentativas, no dia 22/09 consegui falar ao telefone com o Sr. Marcelo que me respondeu o e-mail que reproduzo abaixo, agora envolvendo o Secretário da Cultura, Sr. Alexandre Costa, que também é o Coordenador Geral do Festival:

Em Seg 22/09/14 12:31, Marcelo Zamora marcelodamianzamora@gmail.com escreveu:José Cetra:
Conforme falei ao telefone, hoje a partir das 14 teremos uma reunião sobre pendências FIT, inclusive a sua, e assim que tivermos algum posicionamento eu responderei copiando o Secretário de Cultura (como agora), para ciência e acompanhamento.
Abraço
Ate mais tarde
Marcelo Zamora
                Mais uma vez não recebi resposta e no dia 26/09 voltei a cobrar pelos meus serviços, agora com cópia para o Sr. Alexandre Costa. Como resposta ao e-mail de 06/10, o Sr. Alexandre indicou que iria conversar com o Secretário de Comunicação (Sr. Deodoro Moreira) e depois retornava. Mas não retornou. Mais cobranças em e-mails de 09/10, 20/10, 30/10, 10/11 e 12/11, todos ou sem resposta ou com respostas evasivas. Além de todos os e-mails e telefonemas, no dia 17/10 foi enviada para os três envolvidos, uma carta do Presidente da Associação Paulista de Críticos de Arte (APCA) da qual sou associado solicitando um posicionamento sobre o pagamento do meu trabalho. A carta também não teve resposta.
                Até este momento mantive o caso em sigilo tentando resolver o mesmo somente entre os envolvidos, porém após três meses de espera e cobrança avisei esses senhores que o tornaria público a partir de 14/11.
                Lamento agir desse modo, mas lamento mais ainda o não cumprimento do compromisso por parte do Sr. Marcelo Damian Zamora (Coordenador Artístico do Festival) e do Secretário de Cultura, Sr. Alexandre Costa (Coordenador Geral do Festival).
                Some-se a tudo isso o fato de que o catálogo não chegou a ser publicado o que abortou a difusão dos textos que escrevi.
                Que esta carta sirva de alerta para futuros contatados que de boa fé aceitam realizar um trabalho sem ter em mãos um contrato assinado e/ou um sinal do pagamento.

                OBS: tenho cópia de todos os e-mails enviados e recebidos durante este longo e estressante processo.

 

José Cetra Filho, 19 de novembro de 2014

 

sábado, 15 de novembro de 2014

PROPRIEDADES CONDENADAS ou COMO É BOM OUVIR UMA BOA HISTÓRIA


 
                Disseminou-se entre os coletivos que a dramaturgia pré-existente não dava conta de suas realidades e de seus problemas com o mundo contemporâneo. Para contornar esse fato nos anos 1970 surgem as criações coletivas que tempos depois caíram em desuso. Nos anos 1990 principalmente com o Teatro da Vertigem surge o denominado processo colaborativo que consiste em um processo que se inicia com improvisações do grupo, as quais geram escritos e situações que serão filtrados, alinhavados e trabalhados por um dramaturgo que assinará o texto final com o aval do encenador. Esse processo que gerou obras primas como O Livro de Jó, se tornou moda e somado a outra moda que são os cânones do teatro pós-moderno foi se deteriorando dando origem a espetáculos cujo conteúdo permanece apenas na cabeça de seus criadores. Nada contra a modernização dos meios dramatúrgicos, mas não se despreza séculos e séculos de bons textos. Shakespeare que o diga! E venha de onde vier a melhor sensação quando se sai do teatro é “Como é bom ouvir uma boa história que me surpreenda e me transforme emocional e/ou racionalmente!”

                Essa reflexão/desabafo surgiu após eu ter assistido na última quinta feira a Propriedades Condenadas, junção de duas peças curtas (Esta Propriedade Está Condenada e Por Que Você Fuma Tanto, Lily?) de Tennessee Williams (1911-1983) em cartaz no Sesc Consolação. Depois da mais que bem sucedida montagem de Assim É (Se Lhe Parece), Marco Antônio Pâmio firma-se como encenador nesta intimista encenação interpretada com muita sensibilidade e talento por Ricardo Gelli (em cartaz também com o ótimo Karamázov) e Camila dos Anjos.
                A encenação tem início com um narrador (que seria o próprio dramaturgo) sentado numa poltrona. Ao centro, na penumbra, um espaço cênico vazio com paredes negras. A partir daí há um verdadeiro achado cenográfico que já pode fazer parte de uma antologia teatral: o ator/narrador dirige-se a esse espaço e vai desenhando o cenário nas paredes e no chão com um giz: surge primeiro a estrada de ferro em perspectiva, depois a casa amarela, as árvores, os postes de luz e, finalmente, a menina com sua boneca; nesse momento entra em cena a atriz como a menina Willie andando em cima dos trilhos e brincando com sua boneca e o narrador transforma-s e no rapaz Tom , a segunda personagem dessa peça que é uma obra prima de poesia e concisão. Momentos mágicos e poéticos como esse é que fazem do teatro uma arte única e incomparável. Acredito que essa brilhante e original ideia deva ser creditada ao cenógrafo Cesar Rezende e ao próprio encenador.
 
Ricardo Gelli e Camila dos Anjos - Foto de Bob Sousa
 
                A passagem da primeira para a segunda peça é feita em cena com o ator apagando e redesenhando o cenário, enquanto a atriz de costas para o público se paramenta para se transformar da pequena Willie de 13 anos na Senhora Wilke com cerca de 60 anos. Outro grande momento. Nesta história mais sombria, Ricardo Gelli interpreta com dignidade e sem afetação a filha Lily, a tal que se autodestrói fumando.
                Embriões das personagens das futuras e famosas peças de Tennessee Williams estão presentes nessas duas ótimas peças curtas.
                Tudo funciona nesta delicada encenação inclusive a belíssima trilha sonora escolhida por Pâmio. O encenador seguiu a risca a máxima do dramaturgo “Eu ofereço a verdade e um divertido disfarce de ilusão”
                Aplausos para o encenador, o elenco e toda a equipe técnica deste belo trabalho. A ovação do público ao final se traduzida em palavras seria: “Como é bom ouvir uma boa história... bem contada”.

                Propriedades Condenadas está em cartaz no Sesc Consolação às quintas e sextas às 20h, até 19 de dezembro. ATENÇÃO PESSOAS SENSÍVEIS: NÃO PERCAM!!

 


quarta-feira, 12 de novembro de 2014

MANUAL DA DESTRUIÇÃO


 
        Hoje abro uma exceção no blog para escrever sobre um livro e não sobre um espetáculo de teatro. O assunto está, de alguma maneira, relacionado, pois quem o escreve é Alexandre Dal Farra, dramaturgo e autor das peças Mateus, 10 e Abnegação.
 
 
        Trata-se do romance MANUAL DA DESTRUIÇÃO que é lido numa tacada só e é dono de poder de visualização impressionante.
        Para tecer meu comentário vou tentar usar o mesmo estilo do autor:
 
        O anti-herói escroto filha da puta é um revoltado com tudo e com todos que estão em sua volta. xinga e maldiz a todos. nenhuma das personagens que passa por ele durante sua jornada escrota aos infernos tem nome. todos e todas são putas escrotas, velhos filhos da puta,  vacas ressentidas, flautista filho de uma puta escrota e velha, mendigo de bosta estropiado pra caralho e assim por diante. nem os animais nem a avó filha da puta escapam das malhas do anti-herói do caralho. em 188 páginas escritas deve haver cerca de 3000 palavrões e o que poderia parecer excesso é perfeitamente cabível em função do universo de bosta desse anti herói heterossexual revoltado. os únicos nomes próprios que aparecem no livro são os de tancredo neves, cameron diaz, chico buarque e fernanda montenegro, assim mesmo, grafados em letras minúsculas; o autor obstinado pra caralho não teclou uma vez sequer as maiúsculas para escrever o seu romance  dividido em duas partes: na primeira o recalcado da porra circula pela cidade escrota em que vive, maldizendo a tudo e a todos e culmina sofrendo um puta acidente do caralho com a merda do seu ford ka. a segunda parte se passa no saguão do aeroporto onde o filho da puta vai tomar um avião do caralho para belém do pará. ali ele comenta sobre os filhos da puta que passam e dá asas à sua imaginação relembrando fatos de sua vida de merda. ao final é surrado por seu vizinho de poltrona e no epílogo é acordado pela aeromoça: “foi tudo um sonho, acordei?”, “cheguei em belém do pará?” puta livro bom do caralho! sai da porra do seu berço esplêndido de merda e corre na porra da livraria para comprar a porra do livro bom pra cacete. você não vai se arrepender.

segunda-feira, 10 de novembro de 2014

KARAMÁZOV- ESPETÁCULO OBRIGATÓRIO


Dostoiévski
 
         O espetáculo Karamázov dirigido por Ruy Cortez em cartaz na SP Escola de Teatro é formado por três partes independentes, mas complementares que podem ser assistidas em sequência ou em dias alternados. Escolhi a primeira opção e julgo que desse modo há uma melhor fruição do todo. Trata-se da adaptação de um conto e do romance Os Irmãos Karamázov de Dostoiévski (1821-1881) realizada a quatro mãos por Luís Alberto de Abreu e Calixto de Inhamuns.

         A primeira parte, Uma Anedota Suja, baseia-se no conto Uma História Lamentável de 1862 onde o autor satiriza os pseudo-humanistas por meio de um general que se diz liberal e que com o intuito de ser simpático invade a festa de casamento de um subordinado, homem do povo simples. Os ótimos atores/músicos Jean Pierre Kaletrianos e Rafael Steinhauser narram e interpretam as personagens da trama.
 

         Os Irmãos. Nesta segunda parte está a trama central do romance de Dostoiévski: a conturbada relação do pai (Fiódor) com os quatro filhos (Dmitri, Ivan, Aliócha e o bastardo Smierdiakóv). O romance é o último escrito (1880) pelo grande autor russo e tem cerca de 1000 páginas. O desafio dos adaptadores foi sintetizar esse monumento literário num espetáculo de três horas composto pelas segunda e terceira partes de Karamázov, para tanto fizeram uso intenso da narração em relação à dramatização. Por outro lado, quiseram manter (e entende-se porque, pois são belíssimos) alguns trechos que não compõem a trama central como as histórias contadas por Ivan ao irmão Aliócha sobre o grande inquisidor e sobre o garoto que é estraçalhado por cães a mando de um general e também o longo sonho místico de Aliócha; tudo isso  em detrimento de partes importantes como o julgamento de Dmitri e as relações com Cátia e Grúchenka).                                                                                                                                    Os quatro atores (Antonio Salvador, Eduardo Osorio, Marcos de Andrade e Ricardo Gelli) desdobram-se na narração da história e na interpretação das personagens masculinas. Vestidos com significativos ternos de duas cores (belo trabalho de Anne Cerutti) e fazendo uso de chapéus coco de cores diversas dão vida aos quatro irmãos e ao pai. Todos excelentes, suas interpretações são merecedoras de um prêmio coletivo.
 
 

         A direção de Ruy Cortez é objetiva e concentra-se na interpretação dos atores.
         O cenário de André Cortez inspirado na obra do pintor abstracionista russo Malevich (1879-1935) além da não funcional (os atores esbarram várias vezes nos fios e têm que se agachar para ajustar as partes) é, ao meu modo de ver, feio e ainda dificulta a visão do público quando uma incômoda parede separa as duas plateias. Espetáculo tão bem sucedido podia prescindir dessa parede, apesar de que o encenador deve ter suas razões filosóficas, psicológicas e cênicas para mantê-la.

 
         Os Meninos. A última e talvez a melhor realizada parte do espetáculo. Por se basear numa subtrama do livro a dificuldade dos adaptadores foi menor e pode contrabalancear melhor as partes narradas com as dramatizadas. Os quatro atores, antes com ternos de cores sombrias, agora usam ternos de duas cores claras, para contar as aventuras dos meninos Kólia e Iliúcha, este último, filho de um homem pobre chamado Snieguirióv que foi humilhado publicamente por Dmitri. Aliócha aproxima-se da família para tentar reparar o erro do irmão. Iliúcha fica doente e morre; a cena do seu enterro é uma das mais belas do espetáculo. Os atores interpretam várias personagens e só Antonio Salvador ainda aparece como Aliócha sendo responsável pelo comovente monólogo do final do espetáculo. O uso da parede nesta terceira parte é mais equilibrado, não prejudicando tanto a visibilidade do público.


         Pelo texto de Dostoiévski admiravelmente adaptado por Luís Alberto de Abreu e Calixto de Inhamuns, pela direção segura de Ruy Cortez e pelo magnífico trabalho dos atores, Karamázov é espetáculo imperdível que já ocupa seu lugar entre os melhores deste ano.
 
          Karamázov fica em cartaz às segundas, sextas, sábados e domingos na SP Escola de Teatro até 15 de dezembro.
 
           Fotos de Bob Sousa

sábado, 8 de novembro de 2014

PETER EM FÚRIA


 
         O entusiasmo com que o diretor William Costa Lima fala do coletivo O Pequeno Teatro de Torneado é contagiante. A maneira como ele recebe o público e convida a todos para compartilharem o espetáculo que vai ser apresentado é um grande exemplo de acolhimento que deveria ser seguido por todos aqueles que fazem teatro. Quando fui jurado do prêmio da Cooperativa Paulista de Teatro em 2012 dei uma sugestão (que não foi aceita) para se criar uma categoria de prêmio de acolhimento. Se existisse tal prêmio, William seria um forte candidato a ele.
         Neste ano tive a oportunidade de assistir a dois espetáculos de O Pequeno Teatro de Torneado: o intimista O Girador e agora o épico Peter em Fúria; dois trabalhos bastante distintos, mas ambos de muita qualidade.
         Em um documentário sobre Peter em Fúria, William Costa Lima comenta que em muitos lugares da periferia muitas crianças não crescem porque morrem antes. Não têm a opção de Peter Pan de não querer crescer, elas simplesmente não podem crescer porque morrem subnutridas ou assassinadas antes de atingir a idade adulta. Esse é o mote principal da peça inspirada em Peter e Wendy escrita em 1904 pelo inglês J. M. Barrie (1860-1937). A ação foi transposta para uma favela num bairro periférico da cidade de São Paulo e o que era conto de fadas virou a crua realidade: logo no início Peter mata a tiros um colega da comunidade sob a vista de outros companheiros que parecem curtir o fato.
         A peça apresenta vários núcleos e personagens que em dado momento tornam a situação confusa. Ao meu modo de ver seria interessante dar uma “enxugada” no texto, para torná-lo mais claro para o público a que se destina.
         O elenco composto por quase trinta jovens oriundos de todos os cantos da cidade respondem ao entusiasmo de seu diretor em igual intensidade. Atuam com as emoções à flor da pele como se aquele fosse o último dia de suas vidas. Cá ou lá se pode notar alguma deficiência interpretativa, mas nada que comprometa o resultado final. Pelo destaque de suas personagens, cabe salientar as presenças de Pablo Juan (Peter), Aguida Aguiar (Sininho), Higor Moura (João) e de Júlia Calderoni que desempenha a mãe do rapaz que Peter matou e que é responsável pelo pungente monólogo quase ao final da peça quando lança uma maldição sobre Peter.
         Ponto alto do espetáculo é a trilha composta por William e Bruno Lourenço, este último também responsável pela direção musical. As canções são interpretadas ao vivo pelo afinadíssimo elenco.
         Peter Pan é trabalho digno feito por jovens comprometidos com a realidade em que vivemos e merece ser prestigiado por quem acredita num teatro além do mero entretenimento.

         ÚLTIMAS APRESENTAÇÕES no Espaço Redimunho: 16/11 e 22/11 às 17h e 25/11 às 20h (apresentação fechada para convidados e imprensa).

sexta-feira, 7 de novembro de 2014

PRETO NO BRANCO



 
         As recentes manifestações de ódio em relação aos nordestinos que têm infestado as redes sociais escancaram o preconceito que a sociedade brasileira insiste em alardear que não existe. Preconceitos, quer sejam de raça, de sexo ou de classe sempre temperados com ódio e intolerância, são expostos diariamente e sempre nos perguntamos quem são os monstros que estão por detrás dessas manifestações. Serão asquerosos ao olhar? Tipos mal encarados?
         Seria fácil evitá-los se assim fosse. O perigo é que eles têm a cara de Jane Jones, uma das personagens mais odiosas já surgidas em nossos palcos, que na aparência se assemelha àquela senhorinha simpática que mora ao lado de sua casa.
 
 
         Jane Jones e seu hipócrita, abestalhado e também preconceituoso marido James Jones formam um casal burguês e são os pais de John Jones e Jenny Jones. Os Jones moram “numa das maiores cidades do nosso país” e se auto proclamam muito liberais. Papai Jones nada mais é que um vendedor de armas que se aproveita de países em guerra e assassinos para desovar seus produtos. Tudo vai bem até que a caçula Jones traz para casa seu novo namorado: um negro muçulmano chamado Kwesi. Esse é o início da trama de Preto no Branco (Mirror Teeth, no original), peça do jovem (34 anos) dramaturgo britânico Nick Gill, dirigida por Zé Henrique de Paula, em cartaz no Sesc Bom Retiro.


         Ri-se muito no início do espetáculo. Os passinhos de entrada em cena de Marco Antônio Pâmio ao voltar do trabalho são antológicos e divertidíssimos. Seu diálogo com Mamãe Jones é digno do melhor Ionesco e Clara Carvalho está impagável como a detestável Jane. À medida que a peça avança o riso do público vai se tornando mais fraco e mais nervoso, uma vez que vamos colocando em cheque nossos próprios valores e preconceitos. A segunda parte da peça, quando eles se mudam para “uma das maiores cidades do Oriente Médio” é insuportavelmente divertida. Preto no Branco é um mais que necessário soco no estômago.
         Zé Henrique de Paula ambienta essa história num cenário asséptico, “embrulhado para presente, com papel colorido e um laço de fita”, para usar as palavras de Clara Carvalho contidas no programa e cercado de seu grupo do Núcleo Experimental, realiza um dos espetáculos mais urgentes da atual temporada teatral.
         Muito já se falou do talento do par central, mas nunca é demais comentar que Clara Cavalho realiza uma de suas melhores composições e Pâmio está não menos que brilhante, ambos vivendo personagens muito mais velhas do que eles. Eles são muito bem secundados pelos jovens atores que fazem os filhos e o namorado.
 
 
         Preto no Branco é versão amarga, cruel e politicamente incorreta de uma antiga comédia romântica norte americana intitulada Adivinhe Quem Vem Para Jantar; nesta havia happy end, Preto no Branco não  deixa pedra sobre pedra e saímos do teatro com aquele sorriso amarelo que denuncia a questão: “O que é que eu tenho a ver com isso?”.

         Preto no Branco cumpre temporada no Sesc Bom Retiro às sextas (20h), sábados (19h) e domingos (18h) até 30 de novembro, transferindo-se depois para o Teatro do Núcleo Experimental. NÂO DEIXE DE VER.
 
        Fotos de Ronaldo Gutierrez

 

segunda-feira, 3 de novembro de 2014

FazDeConta



Foto de Pedro Vicente

                O britânico Alan Ayckbourn (1939-) é um dos autores vivos mais encenados em todo o mundo. A primeira encenação de uma de suas peças em São Paulo foi em 1975 (Absurdas Pessoas, dirigida por Renato Borghi), depois, por cerca de 30 anos, os encenadores paulistas ignoraram a obra do dramaturgo. A partir da segunda década do século 21, talvez por influência das bem sucedidas adaptações de suas peças para o cinema por Alain Resnais e também por iniciativa dos ayckbourneanos Eduardo Muniz e Alexandre Tenório, ele voltou à cena paulistana com a montagem de vários de seus títulos. Fato muito bem vindo haja vista tratar-se de dramaturgia atualíssima tanto na forma como no conteúdo, como bem disse o diretor Sir Peter Hall (1930-): “Se, daqui a cem anos, alguém quiser saber como foi viver na segunda metade do século 20 – e eu acrescentaria, nas primeiras décadas do século 21-, tenho certeza que irão atrás das peças de Alan Ayckbourn, antes de consultarem livros de história e sociologia”.

                Traduzida por Alexandre Tenório e levada à cena por Kiko Marques está em cartaz no Instituto Capobianco a peça FazDeConta (RolePlay, no original), escrita em 2001, sendo a última da trilogia chamada Donzelas em Perigo (Damsels in Distress), que inclui GamePlan e Flatspin.

                A partir de um fato corriqueiro (um jovem casal burguês prepara um jantar para seus pais para anunciar que vão se casar) o autor faz uma crítica feroz à sociedade inglesa (que também pode ser a nossa) e a seus valores cheios de preconceitos e ideias conservadoras. Ri-se muito durante o espetáculo, mas leva-se para casa a reflexão sobre fatos ocorridos atualmente nos cenários brasileiro e do mundo.

                A jovem Vil Companhia formada por egressos do curso de teatro do Indac cercou-se de profissionais muito competentes para produzir seu espetáculo como o diretor Kiko Marques, o cenógrafo Chris Aisner (cenário realista idealizado nos mínimos detalhes), Raul Teixeira (criou uma deliciosa trilha sonora baseada em hits da música popular norte americana das décadas de 1950 a 1970) e do ator/diretor Fernando Neves que faz uma participação para lá de especial. Junte-se a isso o talento desses jovens atores que realizam um trabalho impecável de interpretação: Márcio Macedo que faz o jovem noivo lembra Kiko Marques na atuação, Ricardo Blat na aparência e Woody Allen na personagem atrapalhada que interpreta, fatos que destaco como um elogio a esse jovem e promissor ator; Letícia Soares, apesar de bastante jovem para a personagem Arabella, compõe uma deliciosa senhora alcoólatra e transgressora para o meio em que vive; Érica Kou faz a personagem mais difícil da peça (uma dançarina de strip tease rebelde); Fernando Neves cria com muita verve uma figura ridícula metida a engraçadinha; nos outros papeis conta-se com a boa presença de Elienay da Anunciação, Paulo Mendonça e Lu Severi. Desejo longa vida a esse grupo que começa com o pé direito sua profissionalização no teatro.

                Não há como não comentar a contribuição para o espetáculo de Fernanda Capobianco, batalhadora administradora do Instituto Capobianco que com sua perseverança tem viabilizado  a realização de espetáculos importantíssimos como Cais ou Da Indiferença das Embarcações e Gotas D’Água Sobre Pedras Escaldantes. Ir ao Instituto Capobianco é a certeza de se ter  bom acolhimento e de se assistir a um espetáculo de nível.
 
                FazDeConta está em cartaz no Instituto Capobianco às segundas, sábados e domingos às 20h até 08 de dezembro.