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quinta-feira, 19 de junho de 2014

SYLVIA PRADO - MOMENTO SUBLIME DE UMA GRANDE ATRIZ



     O musical Walmor y Cacilda 64 – Robogolpe atualmente em cartaz no Teatro Oficina é a quinta incursão do grupo tendo como base a vida e a obra da grande atriz Cacilda Becker e segue o padrão dos espetáculos de José Celso Martinez Corrêa: momentos ritualísticos em cenas de conjunto com direito à participação dos fãs incondicionais do grupo; alguns – poucos desta vez – nus; perfeita sincronia de som, luz e vídeo; cenas de peças em que Cacilda e Walmor atuaram (neste caso, ênfase em A Noite de Iguana); e ao final um momento solo de Zé Celso, agora incorporando falas da personagem Próspero da peça A Tempestade de Shakespeare. Desta vez sem a parceria de Marcelo Drummond (coautor da série Cacilda!), Zé Celso escreveu a peça em duas semanas inspirado pelo trabalho que o grupo Satyros realizou sobre os 50 anos do golpe militar.

     Trata-se de espetáculo político, energizante e dinâmico como sói acontecer com aqueles do Oficina, mas quero destacar um momento em especial do mesmo:  aquele em que Cacilda e Maria Della Costa vão a uma delegacia do DOPS para tratar da prisão de Cleyde Yáconis e da reabertura dos teatros fechados pela censura. As duas decidem ir ao local vestidas em trajes de noite para parecerem grandes damas da sociedade e fazem um verdadeiro espetáculo teatral  repetindo trechos de peças e recitando poemas perante um atônito e tacanha delegado. A cena é ao mesmo tempo cômica e angustiante, pois aquele senhor não está ali para brincar. Misturando fatos reais com ficção (como por exemplo, fazer o delegado e seus comparsas interpretar uma cena de Hamlet), a cena sintetiza o sufoco daqueles anos sombrios. Maria Della Costa é interpretada por Juliane Elting e Cacilda por Sylvia Prado que está excepcional na demonstração da ironia e perplexidade da personagem. Tive a sorte de estar sentado muito próximo à realização da cena e de assisti-la de ângulo privilegiado, vendo todas as nuances faciais das duas atrizes de perfil. Uma lástima não ter uma câmera para eternizar aquele momento sublime. Sylvia Prado tem realizado um excelente trabalho na pele de Cacilda Becker nos últimos espetáculos da série e para mim atinge a perfeição nos breves 15 minutos de duração desta, desde já, antológica cena.
 
Sylvia Prado - Duas cenas de Cacilda !!!
 
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Sylvia Prado - Duas cenas de Cacilda !!!!
 
 
     Walmor y Cacilda 64 – Robogolpe está em cartaz no Teatro Oficina aos sábados às 21h e aos domingos às 19h até 29/06.
 

sábado, 14 de junho de 2014

MARLENE – A BRAVA GUERREIRA



     A paulista Victória Bonaiutti de Martino adotou o nome de Marlene quando iniciou sua carreira de cantora na década de 1940. É sempre lembrada como a artista popular do auditório da rádio Nacional do Rio de Janeiro e que era rival de Emilinha Borba com quem todos os anos disputava o título de Rainha do Rádio. O auge desse sucesso foi a década de 1950 e com o advento da bossa nova e da televisão a cantora viu sua carreira eclipsada nos anos 1960.
 
     Como fênix renascida das cinzas, na década de 1970, Marlene ressurge poderosa agora também como ótima atriz teatral. Em 1973, beirando os 50 anos interpreta a viúva dona do bar na peça Botequim de Gianfrancesco Guarnieri. Na ocasião Sábato Magaldi criticou negativamente a peça, mas ressaltou: “É com prazer que se encontra a garra de Marlene, dando uma grande força interpretativa às canções”. Em 1980 ele substitui Maria Alice Vergueiro na versão paulista de A Ópera do Malandro de Chico Buarque de Holanda.
 
     Quero comentar aqui sobre um show ao qual infelizmente não assisti que estreou no Rio de Janeiro em 1974 e que foi apresentado no ano seguinte em São Paulo primeiro no Teatro Oficina e depois no Tuca. Trata-se de Te Pego Pela Palavra, idealizado e dirigido por Herminio Bello de Carvalho. Tomei conhecimento do mesmo por meio do LP que foi lançado na época e que, apesar de ser editado, consegue transmitir a energia do espetáculo. Marlene assume a indignação com os tempos sombrios que o Brasil vivia na época da ditadura e com muito vigor interpreta as canções de revolta de Taiguara, João Bosco/Aldir Blanc e Gonzaguinha. Era tanta a energia despendida pela artista durante o espetáculo que Gonzaguinha comentou: “Qualquer dia, acabado o espetáculo, a cantora sumiu. Foi encontrada apenas uma mancha de suor”. Além disso, Marlene dosa com muito humor o sombrio dessas músicas com interpretações memoráveis de canções de Moreira da Silva e de Manezinho Araújo.
 
     A experiência de ouvir esse disco (já existe uma versão em CD do mesmo) é inigualável. Aos 51 anos Marlene estava em plena forma e nos faz rir, chorar e refletir sobre aquela época de triste memória.
 
     Hoje, dia 14 de junho de 2014, ao comprar o jornal tive notícia da morte de Marlene quase aos 90 anos (completaria em novembro). Ao chegar em casa coloquei o disco para ouvir e mais uma vez me emocionei quando ao final ela canta Roupa Prateada do também saudoso Zé Rodrix:
     O que eu preciso dizer a vocês/Vai acabar ficando só entre nós/Vocês só vão entender quando chegar em casa/Muito tempo depois/E vocês vão voltar/E vão escutar outra vez/Mas por enquanto eu só quero por a roupa prateada/E cantar pra vocês.
     Muita gente não entendeu até hoje, Marlene. Não faz mal, ponha a roupa prateada e continue a arrebatar com sua garra... Seja lá onde for!

segunda-feira, 9 de junho de 2014

PENDENTE DE VOTO – Exercício de cidadania


 
     Sinta-se totalmente livre para decidir que rumo tomar em relação a um determinado problema. Se este rumo está de acordo com a maioria você poderá decidir sobre novos rumos junto com um companheiro que tem ideias similares às suas. Mais uma vez, se esses novos rumos estiverem de acordo com a maioria você vai fazer parte de um partido onde poderá discutir sua visão sobre determinado assunto, mas deverá haver um consenso do grupo, que não necessariamente coincide com o seu ponto de vista e o voto final do partido é dado pelo representante do mesmo. Exercício de democracia? Houve manipulações de poder dentro do processo? Qual a sua posição em relação à decisão final? E se esse processo é de repente interrompido por um golpe de estado que impõe um único elemento para decidir por todos? E todos estão nas mãos desse, que pode ser um liberal ou um famigerado ditador.
 
 
Foto do painel com as "ordens do dia"
 
     Esse é o instigante jogo proposto pelo encenador catalão Roger Bernat em Pendente de Voto que esteve em cartaz apenas por três dias no último fim de semana no Sesc Pompeia. O espetáculo não tem atores; é a plateia formada por “espect’atores” (termo criado por Cristina Marino em uma crítica no jornal francês Le Monde) que o protagoniza: ao entrar no espaço cênico cada elemento recebe um controle remoto com um número que corresponde àquele de sua poltrona. Num telão são formuladas perguntas que possibilitam três respostas: A, B e Abstenção. Dependendo da pergunta, as opções A e B são na maioria das vezes SIM e NÂO. Numa pergunta do tipo “Que grupo musical você prefere Beatles ou Rolling Stones?”, obviamente A e B serão o nome desses grupos. O teor das perguntas varia desde assuntos triviais como polêmicos sobre política e sociedade. As respostas são tabuladas e de imediato aparece um painel no telão com o resultado, assim como um comentário sobre o mesmo. Há momentos lúdicos e divertidos como aqueles em que se pergunta “Você gostaria que nevasse no teatro?” e havendo uma maioria de SIM nas respostas, abre-se uma comporta no teto do teatro despejando pedacinhos de papel branco que simulam a neve caindo. Após um intervalo de dez minutos as pessoas são realocadas em duplas que tiveram maior afinidade nas respostas anteriores. Agora só uma pessoa aciona o controle, após possível consenso dos dois sobre a resposta. Novo intervalo e agora as pessoas são realocadas para partidos formados por grupos maiores. Só o representante do partido tem direito a voto, após discussão e consenso do grupo. Descontentes haverá e sempre!! E é aí que começam as dissidências e as manipulações tão características do jogo do poder comentado no primeiro item desta matéria. Durante as duas últimas fases são escolhidos representantes como presidente e secretário de segurança. O poder de cada um deles foi determinado por votação. Há lugar também para realização de debates sobre as questões formuladas, após os quais as mesmas são votadas.
 
 
     Pautado num aparato tecnológico relativamente sofisticado comandado numa mesa pelo grupo espanhol, o espetáculo flui durante duas horas e meia com total e natural interatividade entre os participantes cumprindo sua função de nos fazer exercer os direitos de cidadãos e refletir sobre os perigos da perda quase indolor desses direitos.
     Experiência para ser reproduzida nas escolas!