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domingo, 28 de maio de 2023

SONHEJUNTO.COM

 

 

Luccas Papp atinge a maturidade em peça juvenil. 

Durante um áspero dia invernal, apertam-se os        porcos espinhos de uma manada uns contra os outros para se proporcionarem mútuo calor. Mas ao fazê-lo, ferir-se-ão reciprocamente com seus espinhos, de modo que terão de separar-se. De novo obrigados a ajuntar-se, por causa do frio, tornarão a machucar-se e a distanciar-se. Essas alternativas de aproximação e afastamento durarão até que lhes seja dado encontrar uma distância média em que ambos os males ficam mitigados

(Arthur Schopenhauer)

Branco, hetero, jovem, bem apessoado, muito bem casado com a linda Giulia, vem de uma família que sempre incentivou o seu trabalho no teatro, nunca deve ter passado maiores necessidades, nem deve ter sofrido bullying na infância, pois aparenta saber se defender muito bem. Luccas Papp transparece ser um jovem feliz e bem resolvido.

Aquilo que conheço de sua obra dramatúrgica de alguma maneira reflete esse universo e isso ABSOLUTAMENTE não é nenhum demérito, pois há muito talento e muita criatividade em tudo o que faz, apesar de uma certa imaturidade, ou melhor escrevendo, uma jovialidade própria de sua idade, mas não há dúvida que o futuro reserva para Luccas um grande papel na dramaturgia brasileira.

Sinais dessa maturidade dramatúrgica já aparecem nesse delicioso Sonhejunto.com, infelizmente despedindo-se do cartaz do Teatro Shopping Morumbi neste final de semana.

Trata-se de espetáculo que atinge diretamente as/os jovens, com sua linguagem envolvendo realidade virtual, amores e anseios adolescentes, mas seu maior mérito é também envolver e agradar a plateia adulta.

Emma e Christian têm um encontro virtual em uma belíssima praia por meio de uma plataforma intitulada sonhejunto.com. Discorrem sobre os problemas e fraquezas de cada um e, como no famoso aforismo de Schopenhauer citado em epígrafe, encontram certa felicidade no ponto médio. Como em outras obras de Luccas há uma reviravolta no final que surpreende e impacta o público.

O dramaturgo encarrega-se também da direção do espetáculo auxiliado pelo cenário bonito de Kleber Montanheiro, a iluminação de Cesar Pivetti e a trilha sonora de Pedro Lemos.

Incansável, Luccas também é o intérprete de Christian e forma perfeito par com a ótima, sensível e bonita (me lembrou a Jane Fonda!) Thaís Falcão.

No meu modo de ver Sonhejunto.com é um salto positivo na trajetória desse jovem artista que, com certeza, ainda tem muito a nos oferecer, seja como dramaturgo, como encenador e como ator. 

Foto de Arnaldo D’Ávila

28/05/2023

 

sexta-feira, 26 de maio de 2023

AINDA SOBRE A CAMA

 

 

Ele no reino Popo e ela no reino Pipi, os jovens Leonce e Lena, são nobres entediados que estão prometidos em casamento sem se conhecerem. Rebelam-se e fogem de seus palácios, mas o acaso (ou o destino?) faz com que se encontrem e se apaixonem, realizando assim o casamento antes negociado por seus pais.

Essa história escrita por Georg Büchner (1813-1837) serviu de mote para Luiz Fernando Marques Lubi, Erica Montanheiro e os jovens do elenco criarem este verdadeiro manual das relações afetivas do início do século XXI que de alguma maneira reproduzem os padrões descritos pelo dramaturgo alemão no século XIX na “comédia” Leonce e Lena.

Neste Ainda Sobre a Cama, Lubi realiza uma de suas mais criativas direções inovando na abertura do espetáculo com o elenco montando o cenário na presença do público, na excelente narração em off feita por Erica Montanheiro e no desenvolvimento da trama com os diversos Leonces e as diversas Lenas entrando e saindo de cena com um dinamismo surpreendente.

Boa parte da ação se passa sobre a cama onde se discute perda de virgindade, dificuldade em atingir o orgasmo (tanto feminino como masculino), traição, dominação, tédio, relações hetero, relações homo e tantos outros assuntos que têm a ver com as relações afetivas. Para tanto são apresentadas várias cenas isoladas onde Leonces e Lenas mostram situações diversas envolvendo casais.

O excelente elenco composto por três jovens egressos da Escola de Arte Dramática (EAD) - Camila Cohen, Duda Machado e Luiz Felipe Bianchini – desdobra-se com muita desenvoltura e muita energia na apresentação dos muitos Leonces e das muitas Lenas.

Na sua aparente simplicidade, Ainda Sobre a Cama é espetáculo bastante complexo, assim como são complexas as relações humanas.

Poucas vezes temos visto em teatro tamanha coesão e espírito de grupo como neste espetáculo: Lubi, Erica, Camila, Duda e Luiz Felipe formam um todo para falar das relações afetivas nos dias de hoje, abençoados pela bela luz de Wagner Antônio que ilumina não só o elenco, mas também a pomposa cama que não deixa de ser também uma protagonista da trama, afinal é ela a maior testemunha de tudo o que se passa entre os Leonces e as Lenas.

AINDA SOBRE A CAMA está em cartaz na Oficina Cultural Oswald de Andrade até sábado, 27/05, mas é possível que tenha uma extensão de duas semanas na temporada. Sessões às quintas e sextas às 20h e aos sábados às 18h.

IMPERDÍVEL! CORRA!! 

26/05/2023

domingo, 21 de maio de 2023

AMADEO

 

Fazendo uma rápida visita ao Google constatei que existem 55 filmes com personagens paraplégicos ou tetraplégicos, alguns deles tocando no assunto polêmico da eutanásia, sendo Mar Adentro (2004) com Javier Barden talvez o mais famoso entre eles.

Dois bons exemplos de montagens teatrais sobre o assunto são Feliz Ano Velho baseado no livro de Marcelo Rubens Paiva e A Valsa de Lili na interpretação memorável de Débora Duboc. Um exemplo clássico e muito bem resolvido cenicamente é uma das cenas de Os Sete Afluentes do Rio Ota dirigida por Monique Gardenberg, onde o personagem em estado terminal por conta da Aids, realiza suicídio assistido, resultando em um dos momentos mais comoventes já vistos em palco paulistano, sem esquecer também de Cuando Pases Sobre Mi Tumba do uruguaio Sergio Blanco onde o assunto é tratado de forma bastante interessante.

Amadeo seria apenas outra obra tratando do assunto, não fosse a maneira original como é tratado e como a ótima estrutura narrativa criada pelo jovem dramaturgo francês Côme de Bellescize (1980-) envolve o público de maneira equilibrada entre a densidade do drama apresentado e a maneira poética e até bem humorada como o assunto é tratado.

Após uma rápida cena inicial onde Amadeo diverte-se entre correr com seu carro veloz e tentar convencer a namorada Julia a transar com ele, o rapaz sofre o acidente onde fica tetraplégico e a partir daí são cenas tensas nos hospitais, cenas na tentativa das pessoas se comunicarem com ele até a dramática parte final onde ele pede insistentemente para que deem um fim à sua vida. Em interessante recurso dramatúrgico o autor introduz o personagem de Clóvis, talvez uma imaginação do Amadeo imóvel ou seu alter ego e essa figura provoca o rapaz para que ele reaja e procure recuperar os movimentos, fazendo isso de maneira bastante dinâmica e dando toques de humor à tragédia apresentada. Com esse recurso a personagem de Amadeo pode se movimentar nessas cenas oníricas, evitando assim a total imobilidade do ator até o fim da peça.

Com quase um “não cenário” circular de Marisa Bentivegna, belamente iluminado por Wagner Freire e adornado no chão com a incrível direção de imagem e videoclipping de André Grynwak e Pri Argoud, Nelson Baskerville realiza uma encenação potente sobre assunto muito delicado e urgente. Contribuem muitíssimo para o clima da montagem a belíssima trilha sonora de Marcelo Pellegrini e os figurinos de Marichilene Artisevskis.

Se a apresentação não fosse se alongar demais, seria muito interessante que na cena em que os personagens estão em programa de televisão discutindo os prós e os contras da eutanásia, a discussão se abrisse para a plateia para ouvir a opinião de meia dúzia de pessoas.

Tudo isso seria pouco sem um elenco superlativo: o jovem Thalles Cabral desincumbe-se do personagem título com muita dignidade tanto quando está em movimento como quando está imóvel; Thomas Huszar compõe muito bem o personagem do amigo de Amadeo e os personagens mais velhos para os quais não tem físico apropriado; apesar de gritar um pouco demais em várias cenas César Mello se sai bem como o chefe dos bombeiros.

No meu modo de ver o grande trunfo do espetáculo está nas intérpretes femininas: a Julia de Janaína Suaudeau brilha na sua graça e juventude; Cláudia Missura empresta suas técnicas de clown para criar Clóvis, o alter ego de Amadeo e Chris Couto, em mais um momento de sua brilhante carreira, interpreta a mãe com toda a intensidade exigida pela personagem.

Amadeo não é um espetáculo fácil, chega até a ser incômodo em alguns momentos, mas a vida não é formada só de flores e é muito importante que assuntos desagradáveis também sejam tratados e discutidos pelo teatro.

 

AMADEO termina sua temporada no Tucarena no próximo domingo, dia 28, com sessões sexta e sábado às 20h30 e domingo às 18h,

ÚLTIMAS CHANCES. NÃO PERCA!

 

21/05/2023

sexta-feira, 19 de maio de 2023

REVENDO A CERIMÔNIA DO ADEUS

 


Na noite de ontem revi esse excelente espetáculo em cartaz no Teatro Anchieta, ao qual eu havia assistido na noite de estreia em 08 de abril e escrito a matéria que pode ser lida no link abaixo:

https://palcopaulistano.blogspot.com/2023/04/a-cerimonia-do-adeus.html

Escrevo novamente sobre esse trabalho para ressaltar dois pontos:

1.   O espetáculo na estreia teve início tumultuado por ter começado antes de boa parte do público tomar seus lugares e assim durante os primeiros dez minutos foi difícil se concentrar e acompanhar a cena enquanto  as pessoas procuravam seus lugares.

2.   A poltrona que me foi oferecida era na terceira fila da plateia e bastante lateral, o que dificultou a visão do fundo do palco onde importantes imagens eram projetadas e de onde o casal Simone de Beauvoir e Jean-Paul Sartre entra e sai de cena; além disso algumas cenas que acontecem na extrema esquerda do palco também eram vistas parcialmente como também não pude captar todas as nuances da incrível iluminação assinada por Nicolas Caratori.

Na revisão da peça, sentado em uma poltrona central na generosa fila F do Teatro Anchieta, pude assistir ao espetáculo em sua plenitude, apreciando de um bom ângulo não só o criativo cenário assinado pelo diretor Ulysses Cruz, mas principalmente a belíssima parte audiovisual e as projeções criadas por Lara Lazzaretti, Alexandre Miyahara, Laura Fragoso e Laercio Lopo que colaboram grandemente para o clima da peça e que passaram quase desapercebidas quando assisti a estreia, tanto que nem os citei na elogiosa matéria citada acima.

O curioso é que eu voltava para casa com esse pensamento quando li uma mensagem do Kil Abreu no Facebook comentando o péssimo lugar que lhe foi oferecido para assistir a um certo trabalho, do qual ele desistiu por entender que não conseguiria ter uma boa percepção para poder escrever sobre o mesmo; com a educação que lhe é peculiar Kil se retirou em silêncio. Comigo isso já aconteceu algumas vezes e confesso que explodi, sem ofender ninguém, mas mostrando claramente a minha indignação.

Esses lugares com visão comprometida não deveriam ser disponibilizados para o público ou, no mínimo, deveria haver um aviso sobre as condições dos mesmos.

Para alguém que assiste ao espetáculo para depois externar publicamente seu ponto de vista sobre o mesmo isso é fundamental!

Muita emoção nos agradecimentos quando o elenco saúda um sorridente Mauro Rasi em foto projetada no fundo do palco. Essa emoção me foi negada na noite de estreia.

19/05/2023

segunda-feira, 15 de maio de 2023

BONNIE & CLYDE

 

Personagens muito bem construídas e desenvolvidas, numa trama dramatúrgica consistente e repleta de toques sociais (até citações de Brecht foram inseridas nos diálogos) resultaram em Bonnie & Clyde, um musical de fibra com uma história de fôlego que mantém o público atento durante as suas três horas de duração, mesmo que este já conheça o desfecho.

Bonnie Parker (01/01/1910-23/05/1934) e Clyde Barrow (24/03/1909-23/05/1934) realmente existiram e atuaram roubando, assaltando e matando durante os duros anos da depressão norte-americana, época onde valia tudo para poder sobreviver e onde a frase de Brecht citada na peça cai como uma luva: “Primeiro a barriga, depois a moral”.

 Foram metralhados pela polícia dentro do carro numa emboscada quando ainda não tinham 30 anos (cena que abre o espetáculo).

O musical baseado na saga do casal tem texto de Ivan Mitchell, letras de Don Black e música de Frank Wildhorn, foi traduzido e teve a versão das letras das músicas por Rafael Oliveira e recebeu criativa transposição cênica de João Fonseca apresentada no 033 Rooftop.

 Enriquecem a equipe criativa do espetáculo: Thiago Gimenes na excelente direção musical, Keila Bueno na direção de movimento e na coreografia, além de Tocko Michelazzo (design de som), Paulo César Medeiros (design de Luz), Cesar Costa (cenografia), João Pimenta (figurinos) e Marcos Padilha (visagismo).

Tudo funciona neste musical adulto que tem seu ponto alto no elenco e na banda de músicos.

O quarteto principal da história é formado por Bonnie, Clyde, Buck, irmão de Clyde e sua esposa Blanche. Claudio Lins despe-se de seu charme de galã para interpretar o abobalhado Buck de forma comovente; Adriana Del Claro empresta sua ótima dicção e a bela voz para compor Blanche. Eline Porto e Beto Sargentelli são igualmente notáveis como Bonnie e Clyde, emprestando humanidade e verossimilhança às duas controversas personagens. Todos atuam e cantam muito bem.

Não há como não destacar as participações de Gui Giannetto (belíssima voz) como o Pastor e Mariana Gallindo como Emma, a mãe de Bonnie.

Bonnie & Clyde adquire especial destaque entre os musicais da Broadway que se apresentam nos palcos paulistanos, a maioria sendo cópia fiel dos originais, tendo seu ponto alto na tecnologia avançada usada, com altos custos de produção, elencos numerosos e dramaturgias açucaradas dignas das sessões da tarde da TV Globo.

Ao contrário, Bonnie & Clyde tem personalidade, boa música e conta uma história verídica que, além de entreter, faz refletir sobre como aqueles tempos sombrios contribuíram para que aquele jovem casal praticasse as ações criminosas. 

Infelizmente o espetáculo saiu de cartaz no último domingo e não há previsão de seu retorno ao cartaz. 

15/05/2023

 

sexta-feira, 12 de maio de 2023

SOBREVIVENTE

 

O alinhamento de astros é um fenômeno natural conhecido como conjunção planetária que não ocorre com muita frequência, no teatro pode acontecer algo similar quando astros terrenos (dramaturgo, encenador, elenco) se alinham às sensações e expectativas dos espectadores provocando aquele raro milagre teatral sempre citado por Peter Brook em seus escritos.

Vários desses memoráveis momentos podem ser observados no espetáculo Sobrevivente quando palco e plateia se unem para vivenciar as experiências da excelente atriz Nena Inoue em busca de sua ancestralidade.

Na sua incansável busca, Nena descobriu que além de sua conhecida origem asiática, possui também sangue indígena correndo em suas veias. Mas esses indígenas americanos de onde vieram??

Com o objetivo de apresentar o trabalho na forma de teatro documental, a atriz se uniu ao dramaturgo/encenador potiguar Henrique Fontes que possui vasta experiência nesse tipo de encenação com seu Grupo Carmin, haja vista as memoráveis Jacy e A Invenção do Nordeste, apresentadas nos palcos paulistanos em 2017.

Nena aparece para o público no fundo do teatro cantando Manuelita, la Tortuga uma canção infantil da compositora argentina Maria Elena Walsh que habitou a sua infância.

Após simpática interação com a plateia, Nena sobe ao palco para narrar fatos de sua vida desde a infância na cidade de Cordoba até a incansável procura por sua origem por meio de pesquisas e viagens, nem sempre bem sucedidas, em função do apagamento, intencional ou não, de fatos e documentos que não interessavam à história oficial.

 Para tanto Nena contou com a excelente direção de Henrique Fontes que utiliza vídeos e fotos de pessoas e documentos que são manipulados por Pedro Inoue, filho da atriz, que também participa como ator em algumas cenas.

A ficha técnica inclui a talentosíssima Babaya na direção de texto, Lilian Nakahodo assinando as músicas, cenografia e figurinos de Carla Matzenbacher e iluminação de Marina Arthuzzi.

Todos esses talentos alinham-se aos espectadores criando aquele milagre teatral comentado no início desta matéria. Vá comprová-lo! 

SOBREVIVENTE está em cartaz no Auditório do 3º andar do SESC Pinheiro até 03/06 de quinta a sábado às 20h. 

12/05/2023

 

domingo, 7 de maio de 2023

PASSEIO PELAS TERRAS DE URURAY

     

Ensaio fotográfico a partir do espetáculo itinerante RESET BRASIL do COLETIVO ESTOPÔ BALAIO com dramaturgia de Juão Nyn e direção de Ana Carolina Marinho

No trem, a cominho de Ururay (São Miguel Paulista)


Boas-vindas em Ururay

Transcendência indígena



Talvez o momento mais tocante do itinerário

Relatos sobreviventes

Certo jogo de xadrez

Espectando..


Cortejo

Sem comentários

Momentos finais na Praça do Forró

E a lua cheia compareceu por estas terras de Ururay

     RESET  BRASIL - Apresentações aos sábados e domingos às 15h
     Informações: coletivoestopobalaio.com.br 
     

































sábado, 6 de maio de 2023

AGROPEÇA

 

Coloquei um CD de Cascatinha e Inhana para me inspirar na escrita desta matéria.

Um espetáculo do Teatro da Vertigem é sempre um acontecimento, principalmente depois de vários anos de silêncio: o último trabalho de maior monta do grupo liderado por Antonio Araújo aconteceu há mais de dez anos, em 2012 (Bom Retiro 958 metros).

Para o novo espetáculo Araújo escolheu um tema espinhoso e perigoso: o agronegócio com todo o conservadorismo e reacionarismo a ele inerentes. O encenador opta pela estética da paródia e do deboche para criticar o assunto, mas há sempre o perigo do público se identificar e se divertir com a situação, ao invés de refletir criticamente sobre ela.

Há uma grande distância entre a abertura do processo de montagem (na época com o título de Rodeio) apresentada no Mirada 2022 e o espetáculo agora apresentado no SESC Pompeia.

A principal mudança foi introduzir as personagens do Sítio do Pica Pau Amarelo na trama. Boa ideia que nem sempre se realiza a contento cenicamente, apesar da eficiência em mostrar Dona Benta como uma exemplar figura do conservadorismo bolsonarista e Emília e Tia Anastacia como as defensoras da liberdade e denunciantes dos preconceitos raciais e de gênero que vicejam naquele ambiente. O texto da peça é de autoria de Marcelino Freire escrito em processo colaborativo com o grupo.

Não é à toa que os melhores momentos interpretativos da montagem estão com as ótimas Andreas Mendes (Dona Benta), Mawusi Tulani (Anastacia) e Tenca Silva (poderosa e absolutamente excepcional como Emília).

 Apesar desses destaques é importante lembrar que todo o elenco é impecável: Lucienne Guedes tem uma excelente cena montada no boi mecânico dizendo um texto apenas com palavras iniciadas com a letra p e o ótimo Vinicius Meloni encarrega-se do personagem de Pedrinho que com certeza vai ganhar maior ritmo ao longo da temporada, principalmente no monólogo inicial com o insuportável tom de voz do Faustão (proposital). André D’Lucca é o Saci, James Turpin é o Visconde de Sabugosa e Paulo Arcuri encarrega-se do asqueroso Coronel Teodorico. Os músicos em cena são Lisi Andrade e Ricardo Saldanha.

O espaço cênico concebido por Antonio Araújo reproduz uma arena de rodeio com direito a muita terra, feno, cercas e até o já citado boi mecânico.

Trilha sonora totalmente articulada com o ambiente da peça assinada por Dan Maia.

AGROPEÇA fica em cartaz No SESC Pompeia até 04/06 com sessões de quarta a sábado às 20h e aos domingos às 17h. No dia 30/05 (terça) haverá sessão às 20h.

 

05/05/2023

sexta-feira, 5 de maio de 2023

CINCO POEMAS PARA A SENHORA R

 

Competência, criatividade, disciplina, sensibilidade e olhar humanista são qualidades inerentes a toda a obra de Kiko Marques, seja como dramaturgo, seja como encenador, como no caso desta montagem a partir da vida de Rita Braun (1930-), uma sobrevivente do holocausto, residente no Brasil.

Para montar a dramaturgia do espetáculo Kiko se valeu de entrevistas com a Senhora R; da biografia da mesma com o título Fragmentos de Uma Vida e de relatos do elenco, todo ele de origem judaica.

Esse material resultou em cinco poemas cênicos, sem ligação entre si, mas tendo em comum o tema da perseguição nazista aos judeus e às minorias durante a segunda guerra mundial.

Os melhores momentos do espetáculo acontecem quando há um conflito entre os personagens (caso de O Professor de História, onde o professor do título nega o holocausto publicamente na presença da convidada Rita) ou quando há uma grande dramaticidade (caso de Memórias, que se passa em um cemitério, onde Rita conta a uma jovem judia como ela e sua mãe escaparam de serem fuziladas “unidas em um só corpo”).

O elenco impecável desdobra-se em várias personagens ao longo dos cinco poemas: Denise Weinberg com seu habitual talento; Mauro Schames emprestando sua bela voz e expressão corporal e a grande surpresa, Paula Ravache, com interpretação no mesmo nível de seus veteranos companheiros de cena. Bruno Menegatti acompanha as cenas comentando-as musicalmente.

O cenário clean de Daniel Infantini e a luz criada por Adriana Dham dão suporte  às intenções do encenador.

Cinco Poemas Para a Senhora R não vai mudar os rumos da história do teatro, mas é espetáculo digno cujo tema, apesar de já ter sido tratado inúmeras vezes na literatura, no cinema e no teatro, precisa sempre voltar à tona porque LEMBRAR É RESISTIR e as sombras do nazifascismo estão sempre na espreita ofuscando a paisagem da liberdade.

 

CINCO POEMAS PARA A SENHORA R está em cartaz na Oficina Cultural Oswald de Andrade até 20/05 de quarta a sexta às 20h e aos sábados às 15h e às 18h.

 

05/05/2023

 

terça-feira, 2 de maio de 2023

FÃ Nº1

 

A trilha soturna nos créditos iniciais de Fã Nº1 já antecipa o clima de suspense e mistério que permeará toda a narrativa que tem como personagens os cunhados João e Lucas.

- Por que Lucas chama o cunhado às três da manhã?

- O que ele quer vir buscar?

- Quem foi que ele encontrou?

- Quem é Ofélia a quem João pede ajuda?

- João era padre? Por que abandonou a batina?

- O que aconteceu com Nataly, irmã de João e esposa de Lucas?

- Qual era sua profissão?

- Qual a razão de um homem ter assassinado Nataly?

- Por que Lucas reclama que João não lhe deu assistência quando mais precisava?

Todas essas perguntas surgem durante o transcorrer da ação e o excelente roteiro de Leonardo Granado sabiamente só as responde algum tempo depois, fato que cria bem-vinda sensação de mistério no espectador.

Referências a Nelson Rodrigues e a Shakespeare surgem durante a conversa entre os dois cunhados e a tragédia de Hamlet leva a uma discussão sobre justiça, vingança e perdão que conduz ao desfecho da trama e a elucida.

Elder Fraga dirige o filme com mão firme, privilegiando o trabalho dos atores Rogério Brito (João) e Ricardo Gelli (Lucas). A predominância de closes faz com que as interpretações se concentrem nas expressões faciais.

Enquanto Rogério Brito tem uma pungente interpretação contida, sentida principalmente pelo seu mais que significativo olhar, Ricardo Gelli extravasa a fúria e a revolta do seu personagem no tom de voz e nas expressões do rosto.

O filme tem ainda uma pequena participação de Niz Souza e Adriano Merlini no flash back que mostra o que aconteceu com Nataly.

A direção de fotografia assinada por Tomires Ribeiro mantém bom equilíbrio entre a penumbra exigida pela ação e a necessária boa visibilidade do espectador e não há como não destacar novamente a excelente trilha sonora de Willians Alves, colaboradora essencial para o clima exigido pela trama.

FÃ Nº1 é um curta metragem de 20 minutos que cumpre um objetivo que todo filme deveria ter: contar uma boa história que faça com que o público reflita sobre os fatos apresentados. 

02/05/2023