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quinta-feira, 14 de agosto de 2025

ORioLear

 

Desde que a querida Sandra Corveloni me contou sobre a peça que ela estava ensaiando de autoria e com direção de Newton Moreno fiquei curioso de como seria transportar a obra de Shakespeare para a devastação da Amazonia, mas sabendo da universalidade da obra do bardo e do talento de Moreno, antevi que algo muito especial estava a caminho.

Foi muito pesaroso saber que a temporada da peça aconteceria exatamente durante o período que eu estaria fora do país. Não foi possível assistir a um ensaio e o autor gentilmente me enviou o texto para que eu tomasse conhecimento de seu conteúdo.

Se por um lado ainda não pude assistir à peça, por outro tive o privilégio de ler o texto com os trechos cortados pelo autor e as inúmeras observações anotadas, talvez para os esclarecimentos do elenco e/ou para sugestões de encenação.

Essa transposição de Rei Lear para a realidade amazônica rebatizada de “Tragédia grotesco ambiental sobre o fim e o recomeço do mundo na Amazônia” fez bem à obra.

A peça é dividida em dois movimentos.

 O primeiro acontece na(s) casa (s) grande (s) narrando de maneira realista a intenção de Seu Lear dividir seu patrimônio e a maneira como ele o faz em função das palavras de suas três filhas Goneril, Regininha (Regan, no original) e Cordélia.

O segundo se passa na floresta, na (s) tribo (s) e aí Moreno dá vazão à sua veia poética e a seu delírio criativo dando voz aos indígenas, ao rio e a toda a natureza. Neste ato a peça adquire seu maior esplendor oferecendo um prato cheio para a imaginação e a reflexão do espectador sobre os males impingidos à floresta amazônica pelo poder do dinheiro. O cenário e as explosões da natureza neste movimento necessitariam de recursos cinematográficos para seu pleno resultado. Fica a curiosidade de como o encenador resolveu essa questão.

Posso imaginar Sandra Corveloni transpirando a perversidade de Goneril, Michele Boesche como a tresloucada Regininha e Simone Evaristo interpretando tanto Cordélia como o difícil papel de Tonta (o Bobo da corte, no original shakespeariano). Leopoldo Pacheco (Lear) é o destaque nos papeis masculinos que contam ainda com Jorge de Paula (Albano), Zé Roberto Jardim (Conrado) e Ronny Abreu (Indígena).

Essas são as minhas sensações ao ler esse texto de Newton Moreno que só se realiza plenamente quando traduzido cenicamente.

 A peça está em cartaz no Itaú Cultural de quinta a sábado às 20h e domingo às 19h até 17/08.

Torço para que estenda a temporada depois da minha volta no dia 28 e agosto. 

14/08/2025

sexta-feira, 8 de agosto de 2025

MOULIN ROUGE E OS 27 BRASILEIROS

 

Eu assisti a “Moulin Rouge” em Londres em 2022 e havia me entusiasmado com o visual feérico da encenação onde tudo funciona milimétricamente bem, harmonizando cenografia e figurinos luxuosos com iluminação precisa e um grande elenco de intérpretes, dançarinos e cantores. É a bem sucedida versão teatral do memorável filme de Baz Luhrmann.

O excelente Hippodrome em Bristol é um majestoso teatro com quase dois mil lugares divididos em plateia (stalls), balcão no 1º andar (grand circle) e balcão 2º andar (upper circle). Os ingressos variam de 120 a 40 libras, com direito de um desconto para idosos e crianças.

Ao saber que a versão para “tour” (idêntica à original, apenas com outro elenco) estava em cartaz no Hippodrome achei que seria uma oportunidade de rever e levar a Mariana e a Laura (contei o enredo para a Laura e ela gostou).

Com ingressos nas poltronas apertadas do upper circle onde se chega por uma longa escadaria assistimos ao fabuloso show e minhas meninas gostaram muito, o que me deixou muito feliz.


A montagem é monumental como a versão londrina e o ótimo elenco é encabeçado por Verity Thompson (Satine), Nate Landskroner (Christian) e Cameron Blakely (Harold Zindler, o mestre de cerimônias do Moulin Rouge).

Acredito que uma montagem brasileira faria muito sucesso em nossa terra. Fica aqui a sugestão.

 

Tudo ótimo por aqui curtindo muito a Mariana e a Laura, mas sempre tem o “day after”. Olhando os espetáculos em cartaz em São Paulo me surpreendeu o número de espetáculos que vou perder e aqueles a que pretendo assistir quando voltar no fim de agosto.

Tenho por lema dividir os espetáculos em cartaz na cidade em quatro quadrantes em função daquilo que me dá prazer (QUERO) e aquilo que preciso (PRECISO) assistir devido à minha atuação como jurado da Associação Paulista de Críticos de Arte (APCA): 

- 1 - NÃO PRECISO E NÃO QUERO>>>FUJO

- 2 - NÃO PRECISO, MAS QUERO>>>VOU COM MUITO PRAZER E SEM COMPROMISSO

- 3 - PRECISO, MAS NÃO QUERO>>>ENFRENTO (TENHO QUE IR)

- 4 - PRECISO E QUERO>>> VOU COM PRAZER E POR COMPROMISSO (É A SITUAÇÃO IDEAL)      

O gráfico (mal feito!!) ilustra perfeitamente isso.

Contabilizando os espetáculos inseridos nos grupos 2, 3 e 4 cheguei a 27 espetáculos que me esperam na volta da viagem. Por um mês teria que ir ao teatro todas as noites!!!

É surpreendente o número de espetáculos em cartaz em São Paulo, superando Londres, Paris e talvez Nova York.

De antemão já me deixa triste a perda da temporada do Grupo Corpo no Teatro Sérgio Cardoso com uma estreia (Piracema) e a reprise de um de seus melhores trabalhos (Parabelo).

Fico em compasso de esperança para que ORioLear do Newton Moreno faça uma extensão da temporada ora em cartaz no Itaú Cultural.

E VIVA O TEATRO!! 

08/08/2025

 

 

terça-feira, 5 de agosto de 2025

SETENTA ANOS SEM (ou COM?) CARMEN

 

Com a notícia que hoje faz 70 anos que CARMEN MIRANDA (1909-1955) partiu, me veio à lembrança outras grandes cantoras brasileiras que já se foram.

A música popular brasileira não pode se queixar da falta de grandes cantoras, mas todos têm suas preferências e eu não fujo disso com o meu quinteto de ouro.

CARMEN MIRANDA puxa o cordão com seu jeito todo especial de cantar fazendo divisões rítmicas que surpreendem até hoje; com seus turbantes e seu gingado/rebolado sempre relembrado por tanta gente famosa como Eliana nas deliciosas chanchadas da Atlântida dos anos 1950, Amanda Acosta, Marília Pêra, Mickey Rooney e até Jerry Lewis no filme “Morrendo de Medo” (Scared Stiff, 1953).

É delicioso ouvir suas primeiras gravações feitas no Brasil e apesar dos enredos medíocres é sempre um prazer assistir a suas participações nos coloridos filmes norte-americanos dos anos 1940/1950. Quem há de resistir à breguice de “The lady in the tutti frutti hat”, com coreografia de Busby Barkeley no filme “The Gang’s All Here” de 1943?

Deliciosa CARMEN MIRANDA que partiu tão cedo no dia 05 de agosto de 1955.

Fazendo parte do quinteto surge a divina DALVA DE OLIVEIRA (1917-1972) com sua potente voz de agudos maravilhosos tanto na “Ave Maria do Morro”, como nas sofridas “Fim de Comédia”, “Que Será” (ah, o abajur lilás!!) e no brejeiro “Kalu”. Uma das últimas apresentações de Dalva em São Paulo foi no extinto Teatro Veredas na Rua Frederico Steidel e até hoje eu não me perdoo por não ter ido vê-la.


ÂNGELA MARIA (1929-2018) é terceira componente que me deslumbrou desde quando ouvi “O Arlequim de Toledo “na rádio, depois veio “Babalu” e até o avental todo sujo de ovo de “Mamãe”.


O disco “Te Pego Pela Palavra” realizado a partir do show de mesmo nome de 1974 dirigido por Herminio Bello de Carvalho (1935-) foi o suficiente para eu elevar MARLENE (1922-2014) ao panteão das cinco maiores cantoras que este Brasil já teve. Guerreira e combativa, soube como poucos denunciar as mazelas da ditadura militar em seu repertório que incluía João Bosco, Aldir Blanco, Gonzaguinha e Taiguara. Não assistir a esse espetáculo no Teatro Oficina é outra lacuna irreparável no meu currículo de espectador. Para compensar ouço o CD frequentemente, algo que renova as minhas energias e a esperança em um mundo melhor. Grande MARLENE!


Finalmente, aquela que para mim será sempre a maior cantora deste Brasil: ELIS REGINA (1945-1982). Elis eu acompanhei desde seu primeiro sucesso defendendo a premiada “Arrastão” no Festival da TV Excelsior em 1965, depois no “Fino da Bossa” nos teatros Paramount e Record e toda sua trajetória posterior em discos e em shows (dos quais não perdi nenhum). Uma carreira brilhante encerrada bruscamente no dia 19 de fevereiro de 1982. Meu adeus a Elis se deu no dia 20 no velório realizado no antigo Teatro Bandeirantes no palco do qual ela havia brilhado de verdade no show “Falso Brilhante” (1975-1977). Uma lantejoula de sua roupa brilhou com um foco de luz no momento em que passei pelo caixão fazendo-me crer que Elis piscou para mim. E por que não?

Grandes mulheres, grandes cantoras todas presentes na festa para comemorar os setenta anos da chegada de Carmen ao universo musical onde elas reinam por toda a eternidade.

LENY ANDRADE, SARAH VAUGHN, ELLA FITZGERALD, NINA SIMONE e NANA CAYMMI também estiveram lá.

 

05/08/2025

terça-feira, 22 de julho de 2025

CHATÔ E OS DIÁRIOS ASSOCIADOS – 100 ANOS DE PAIXÃO

 

Chegou a vez de Assis Chateaubriand (1892-1968), o homem que revolucionou as comunicações no Brasil, ser lembrado por um musical brasileiro. O texto foi escrito por Fernando Morais (autor de sua biografia) e Eduardo Bakr e teve o toque de Tadeu Aguiar na tradução cênica.

Mostrar a evolução da trama por meio do sonho do protagonista foi recurso dramatúrgico muito usado nos filmes da Atlântida dos anos 1950; tal recurso permite que se fuja da verossimilhança e concede um passeio pelos tempos presente e passado. Esse foi o recurso usado pelos dramaturgos em “Chatô”. Ao ficar desacordado após ser assaltado, a personagem Fabiano sonha com a estátua de Chatô ganhando vida e iniciando uma conversa com ele; a partir daí percorre-se a trajetória do biografado a partir dos anos 1930 até a sua morte em 1968.

O primeiro ato é um desfile de números musicais com canções da chamada época de ouro da rádio (anos 1930 a 1950) permeados por rápidas cenas sobre a evolução da Rádio Tupi e a criação do MASP. É simpática a participação de Sylvia Massari como a secretária Janete e muito louvável a homenagem que Tadeu Aguiar lhe faz com a inclusão de dois números musicais (Hino ao Amor e Cantoras do Rádio) onde ela mostra sua bela voz.

No segundo ato a dramaturgia se mostra mais consistente ao mostrar o advento da televisão (início dos anos 1950) e o terror provocado pela ditadura civil militar (a partir de 1964). A pouca emoção provocada no espectador no primeiro ato floresce poderosa no segundo ato.

Claudio Lins interpreta Fabiano com muita segurança e canta várias canções mostrando que herdou boas coisas de Ivan e Lucinha Lins. Patrícia França faz dupla com Claudio como a secretaria / futura namorada/esposa. Stepan Nercessian mostra garra e energia na interpretação de Chatô.

Um elenco de vinte atores dá vida a Dalva de Oliveira, Eliseth Cardoso, Ademilde Fonseca, Paulo Gracindo, Hebe Camargo e até Lolita Rodrigues cantando o Hino da Televisão na primeira transmissão da televisão brasileira, além disso cantam e dançam a bela coreografia criada por Carlinhos de Jesus.

A versátil cenografia de Natália Lana é iluminada por Paulo Cesar Medeiros e os figurinos variados e coloridos são assinados por Dani Vidal e Ney Madeira.

O grande mérito da encenação é que ela se desliga do modelo norte americano de realizar musicais, criando estética original e bem brasileira. Grande mérito de Tadeu Aguiar.

Na alegria dos aplausos no final fomos surpreendidos com a triste notícia da morte de Preta Gil.

CHATÔ está em cartaz no Teatro Liberdade até 17 de agosto.

Sextas (20h) / Sábados (16h e 20h30) / Domingos (18h)

 

22/07/2025



segunda-feira, 21 de julho de 2025

CONFISSÕES (E PREOCUPAÇÔES) DE UM ESPECTADOR APAIXONADO

 

Eu nunca me autodenominei crítico; afirmava e ainda afirmo que sou um espectador apaixonado que assiste teatro desde 1964 com muita paixão, perfazendo um total de 4.930 espetáculos teatrais completados na noite de ontem com “Chatô” no Teatro Liberdade. A peça de número 5000 deverá ocorrer no segundo semestre e será alvo de comemoração.

Sempre escrevi sobra minhas impressões sobre os espetáculos a que assistia e depois do mestrado em artes cênicas e a criação de um blog comecei a publicar aqueles escritos sobre os espetáculos que me diziam algo, calando sobre aqueles que em minha opinião não estavam bem realizados. Essa posição, que defendo até hoje, leva em conta que a maioria daqueles que não me agradaram são resultado de sangue, suor e lágrimas de grupos esforçados.

Quando me criticam que eu só falo bem dos espetáculos que escrevo, as pessoas não entendem que eu só escrevo sobre os espetáculos que me fazem bem, que me dizem algo, me deslumbram e me tiram do chão.

Outra crítica que recebo é que minhas matérias são curtas e superficiais não fazendo críticas sobre este ou outro ponto que poderiam contribuir para a melhora do espetáculo. Não tenho essa pretensão nem me considero um teórico do calibre de Décio de Almeida Prado e Sábato Magaldi, dois grandes críticos nunca igualados.

Minhas matérias/impressões são um exercício de amor pelo bom teatro e têm a modesta pretensão de colaborar para uma vida mais longa para uma arte que se extingue quando as luzes se apagam após a última apresentação do espetáculo, colaborando assim para a preservação da tão desprezada memória do teatro brasileiro.

Ao tomar contato com as denúncias de Marcelo Marcus Fonseca e Kil Abreu sobre a conduta indevida de certos críticos e também ao ler aquilo que o demolidor Chico Carvalho escreveu no Facebook: “Eu acho sensacional que se pague "críticos-blogueiros" para assistir aos espetáculos de teatro e tecer críticas”, enfatizando o pejorativo ao colocar críticos blogueiros entre aspas.

Depois disso tudo chego a pensar: 

- O que estou fazendo aqui?

- Qual o meu papel e qual a importância da minha escrita para o engrandecimento do teatro?

- No que estou contribuindo para a preservação da memória do teatro?

- Como a classe teatral enxerga o meu trabalho? E o público espectador?

- Vale a pena esse esforço de assistir de quatro a cinco espetáculos por semana e depois escrever sobre eles? 

Se a maioria dessas questões tem resposta negativa, o melhor a fazer é aquilo que Décio de Almeida Prado fez após os artistas devolverem o prêmio Saci para O Estado de S. Paulo.

21/07/2025

  

 

domingo, 20 de julho de 2025

SEMANA TEATRAL INTENSA (16 a 20 de julho 2025)



O teatro começou na quarta-feira com MACUCO o bonito “Amarcord” de Victor Nóvoa dirigido pelo Lubi com interpretações marcantes de Edgar Castro e Vitor Britto.


 Seguiu na quinta-feira com VERMES RADIANTES, o instigante humor negro de Philip Ridley, infelizmente prejudicado por uma versão histérica e barulhenta em excesso, dirigida pelo Alexandre Dal Farra.


Na sexta-feira foi a vez de CLOSER, nervoso texto de Patrick Marber dirigido por Kiko Rieser, que ao contrário, recebe interpretação morna do elenco.


No sábado um pouco de divertimento inconsequente (e por que não?) com WICKED que conta com a presença poderosa de Myra Ruiz e o humor de Fabi Bang,


Fechando o sábado, O SONHO VOOU, o recital de Celso Fratescchi interpretando textos de Tchekhov, Brecht, Dostoievski e Heiner Muller, acompanhado ao vivo por Alexandre Rosa que comenta musicalmente os textos apresentados, uma joia rara a ser admirada no Ágora Teatro.


Para completar a semana hoje à noite tem CHATÔ. Depois eu conto como foi!

Seis espetáculos em uma semana para compensar a ausência dos meus queridos palcos paulistanos devido a uma viagem.

ATÉ A VOLTA!!

 

20/07/2025

sexta-feira, 18 de julho de 2025

MACUCO

 

Victor Nóvoa é um dramaturgo com produção bastante profícua. Desde 2012 quando foi montado “Quase Memória”, o autor vem escrevendo e encenando novos textos a cada dois anos o que resulta em uma produção de quase uma dezena títulos, entre os quais vale salientar a força da denúncia em “Condomínio Nova Era” (2014), a originalidade de “Entre Vãos” (2016) que tinha seu desfecho na Estação Sé do metrô, a novidade de “Estilhaços da Janela Fervem no Céu da Minha Boca” (2019) que incluía transporte do público por aplicativo até o condomínio de luxo onde se passava a ação e a humanidade de “Mãos Trêmulas” (2023), um sensível retrato do amor na velhice. Como se pode notar trata-se de obra bastante original tanto nos temas tratados como nas concepções cênicas, sem jamais negligenciar a denúncia das mazelas impostas pelo capitalismo perverso em que vivemos.

Na esteira de um trabalho mais intimista iniciado com "Mãos Trêmulas" Nóvoa cria agora “Macuco”, uma espécie de “Amarcord” pelo litoral paulista inspirado nas lembranças que ele tem de seu avô.

Macuco é um texto bastante poético com narrativa fragmentada envolvendo Sebastião, um senhor que é entregador na cidade grande e que retorna à ilha onde nasceu e revive histórias com sua mãe e com o velho companheiro Bernardo. Revoadas de macucos, pássaros em extinção, também fazem parte de sua jornada.

O que poderia ser apenas diálogos entre as partes, o diretor Luiz Fernando Marques (Lubi) traduziu cenicamente com bela cenografia que consiste de uma espécie de mastro giratório pelo qual os atores aparecem e desaparecem em um passe de mágica. Nesse mastro são projetadas imagens do mar e da mãe de Sebastião com a figura sempre iluminada de Cleide Queiroz em vídeo.

A movimentação dos atores deve ser precisa no entra e sai do campo de visão do espectador e Edgar Castro e Vitor Britto o fazem de maneira perfeita.

Vitor, reforça o talento que já havia mostrado em “O Avesso da Pele”, mostrando sua versatilidade como Bernardo, como a mãe e como um macuco coberto de penas.

A fragilidade e a nostalgia de Sebastião encontram em Edgar o intérprete ideal onde ele mostra mais uma vez seu enorme talento.

MACUCO está em cartaz no SESC Pinheiros de quinta a sábado às 20h até 30 de agosto. 

18/07/2025

 

sábado, 12 de julho de 2025

GERTRUDE, ALICE E PICASSO

 

Passaram-se vinte e nove anos e tenho uma vaga lembrança da montagem dessa peça a que assisti no Centro Cultural São Paulo com Nicette Bruno, Clarisse Abujamra e Francarlos Reis com direção de Antônio Abujamra e Marcio Aurelio. Talvez por acontecer em palco italiano no teatro maior do CCSP (sala Jardel Filho) senti a montagem fria e distante, apesar de me entusiasmar com a performance de Nicette como Gertrudes.

Esta nova montagem acontece em um espaço intimista e a sensação é que se está na sala de estar de Gertrude em Paris convivendo com essas três figuras emblemáticas. Essa aproximação oferece um grande ganho em relação à anterior: ali estão os móveis de Gertrude, a paleta de Picasso e os chapéus de Alice. Os três estão ali respirando o mesmo ar que nós, os espectadores.

As inserções contemporâneas colocadas por Alcides Nogueira no original foram atualizadas para esta montagem.

Vanessa Goulart faz sua primeira incursão na direção e se sai muito bem realizando uma montagem enxuta focada nos três intérpretes e com a colaboração da iluminação de Cesar Pivetti, da caracterização de Beto França e da trilha sonora de Ricardo Severo a partir da música originalmente composta por André Abujamra. É palpável o carinho e a emoção de Vanessa ao lembrar da avó Nicette e ao dirigir a mãe Bárbara.


A química entre o elenco é extraordinária. Patrícia Vilela tem grande presença cênica e realiza uma Alice apaixonada e elegante; Joca Andreazza está à vontade interpretando o extrovertido Picasso com muita garra e Bárbara Bruno entrega todo seu talento para compor a irascível Gertrude em um dos seus melhores trabalhos no teatro, perpetuando a tradição de grandes intérpretes da família Bruno Goulart.

Como se vê, tudo é paixão e entrega nessa excelente montagem do texto de Alcides Nogueira.

E por falar em emoção, Bárbara fez uma bela fala ao final louvando o milagre do teatro que se renova a cada apresentação. O teatro é a única arte capaz desse fenômeno.

Viva o teatro!

 

GERTRUDE, ALICE e PICASSO está em cartaz no aconchegante Ágora Teatro às quartas, quintas e sextas às 20h.

IMPERDÍVEL PARA QUEM AMA O TEATRO.

 

12/07/2025

sexta-feira, 11 de julho de 2025

A BOCA QUE TUDO COME TEM FOME (DO CÁRCERE ÀS RUAS)

 

Em boa hora o SESC 14 Bis abre as portas de seu belo Teatro Raul Cortez para acolher um espetáculo da Companhia de Teatro Heliópolis que neste ano completa 25 anos.

Continuando seus espetáculos sobre encarceramento, desta vez o foco é como sobrevivem esses seres que depois de anos encarcerados voltam para as ruas sem preparo nenhum para a liberdade, como bem diz uma das personagens “ Quando abrem aquele último portão, eu não tenho para onde ir / Penso em voltar, mas a cadeia é morte / E eu não vim na vida para morrer / Eu vim na vida para viver” E nessa sobrevivência essas pessoas enfrentam preconceito, dificuldade de arrumar emprego e tantas outras barreiras.

A dramaturgia de Dione Carlos é composta de cenas onde várias personagens desfilam seus dramas e seus problemas de readaptação em um mundo hostil.

Miguel Rocha e Dione Carlos

Miguel Rocha costura essas cenas com momentos coreográficos muito bem realizados, aliás a peça inicia com uma longa cena de rara beleza sem palavras, onde Miguel, além de diretor, revela-se excelente coreógrafo, sempre com a colaboração da provocadora corporal Erika Moura. A música de Alisson Amador, executada ao vivo por ele e mais três músicos, tem papel importante tanto nesta cena como em todo o espetáculo.

O cenário de Telumi Hellen contém um espelho d’água que perde um pouco de sua beleza estando em palco italiano, sem poder ser visto de cima. Essa beleza poderá ser contemplada quando o espetáculo se transferir para a sua sede, após a temporada no Raul Cortez.

A água, símbolo de purificação, também pode ser interpretada como um dos elementos das religiões afro. Enquanto Xangô era o orixá que acompanhava a narrativa de “(In)justiça” e Iansã acompanhava “Cárcere”, desta vez é Exu que está presente.

Destaque para os vários figurinos criados por Samara Costa.

O elenco, composto por três atrizes (Dalma Régia, Jucimara Canteiro e Klavy Costa) e três atores (Cristiano Belarmino, Davi Guimarães e Walmir Bess) reveza-se na criação das diversas personagens e nas performances coreográficas.

Em termos dramatúrgicos, algumas cenas são melhor resolvidas do que as outras, mas todas elas seduzem pela poética de Dione Carlos e o elenco sabe tirar proveito disso.

Trata-se de elenco homogêneo e talentoso, mas vale destacar Walmir na cena do Lobo; Cristiano, excelente como Exu; Jucimara e Klavy brilhantes como Inocência e Generosa e por último as “estrelas” da Heliópolis Davi e Dalma em vários momentos e, em especial, no último relato, onde falam o emocionante texto em conjunto.

Dalma Régia e Davi Guimarães

 Miguel Rocha se aprimora e se lapida a cada encenação e “A Boca Que Tudo Come Tem Fome” é talvez a sua obra mais madura e ,  com certeza, a mais bela. Passou no teste do grande palco do Teatro Raul Cortez e há de crescer ainda mais quando estiver no local onde foi concebida, a Casa de Teatro Maria José Carvalho, sede da companhia, no Ipiranga.

Mais um espetáculo para a lista dos melhores do ano. 

A BOCA QUE TUDO COME TEM FOME está em cartaz no SESC 14 Bis até 03 de agosto com sessões de quinta a sábado às 20h e domingo às 18h.

NÃO DEIXE DE VER.


11/07/2025

 

sexta-feira, 4 de julho de 2025

O AUTOR BRASILEIRO NOS PALCOS PAULISTANOS BALANÇO 1990-2024

 

 

Tenho pesquisado a presença do autor brasileiro nos palcos paulistanos desde 1990, ano em que 118 espetáculos eram de autores nacionais, o aumento gradativo tem uma elevação notável a partir da Lei do Fomento ao Teatro instituída em 2002 e teve seu auge na década de 2010, atingido o máximo de 633 títulos em 2017. A queda brusca em 2020 e 2021 é explicada pala pandemia e a reação sente-se a partir de 2022, estando na atualidade na casa de 400 títulos brasileiros presentes no ano, bem longe dos níveis década de 2010. 

Nesses 35 anos alguns pontos permanecem inalterados:

- A cada ano surgem novos autores com apenas um título e que somem no ano seguinte, em geral eles acumulam as funções de diretores, produtores e até de atores e apresentam suas peças em teatros alternativos ou em teatros de espetáculos mais populares (Ruth Escobar, Maria Della Costa, Bibi Ferreira, UOL e Gazeta.

Os autores nacionais mais encenados continuam sendo Nelson Rodrigues, Plínio Marcos, Ariano Suassuna, Luiz Alberto de Abreu, Mário Bortolotto e continuam lamentavelmente esquecidos Jorge Andrade e Carlos Alberto Soffredini. Machado de Assis tem comparecido com ótimas adaptações de seus contos e romances.  Bons autores surgiram no período: Newton Moreno, Samir Yazbek, Silvia Gomez, Bosco Brasil, Marcos Damaceno, Kiko Marques, Daniela Peteira de Carvalho, Jô Bilac, Nanna de Castro, Vinicius Calderoni.

- A proporção de 1 título de autor estrangeiro para 3 nacionais tem se mantido ao longo dos anos.

- Não entram neste estudo espetáculos infantis e os chamados “stand up comedy” 

A partir de 2011 tenho publicado um relato anual sobre dramaturgia brasileira em nossos palcos tendo por base guias de teatro, dos quais só restou o OFF, releases recebidos de assessorias de imprensa e anotações pessoais recolhidas na mídia. Esses relatos mais detalhados podem ser acessados no blog www.palcopaulistano.blogspot.com , indicando na janela pesquisa “dramaturgia brasileira”.

A evolução anual do número de espetáculos de autores brasileiros aparece no quadro anexo.

 

03/07/2025