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sexta-feira, 26 de julho de 2013

DOZE HORAS NO CAIS!


Capa do programa e meus quatro ingressos 

     Em 2012 fiz parte da Comissão de Prêmio da Cooperativa Paulista de Teatro. No final de dezembro nos reunimos e fizemos as indicações para o segundo semestre e até então ninguém da comissão havia assistido ao espetáculo Cais. A peça estreou com pouca divulgação no Instituto Capobianco no final de outubro e ficou em cartaz até dezembro. No dia 23 de janeiro de 2013 assisti ao espetáculo e fiquei absolutamente fascinado com o texto e a encenação (direção, interpretação, cenário, figurino e trilha sonora). Lamentei profundamente a não inclusão do espetáculo nas indicações do Prêmio; comentei o fato com os colegas da comissão, mas nada podia ser feito, pois as nossas indicações já haviam sido publicadas.

Elenco da peça´- Foto de Lenise Pinheiro
     A partir daí revisitei Cais mais três vezes levando filha, genro, irmã e muitos amigos. Todos, sem exceção, adoraram a peça. Fato incrível é que não deixei de me emocionar em nenhuma das quatro vezes em que assisti ao espetáculo com a suavidade da Magnólia de Virginia Buckowski (na última vez, substituída por Tatiana De Marca), com a garra de Maurício de Barros (merecidamente indicado para o Prêmio Shell) no papel de Bonifácio, única personagem que está presente nas três gerações mostradas na peça; com a energia de Alejandra Sampaio como Berenice (a personagem mais complexa da trama); com a versatilidade de Marcelo Diaz e Maristela Chelala que brilham em diversos pequenos papéis; com o charme e o talento de Marcelo Laham como Walcimar, com Kiko Marques que, além de autor e diretor, tem um ótimo desempenho como Waldeci e com a graça de Rose de Oliveira, que faz uma poita que dá vontade de levar para casa. Deixei por último a emoção maior: Walter Portella como o barco Sargento Evilázio; como não se emocionar com a sua troca de paletós (o velho  surrado e o novo, simbolizando o estado da embarcação), com as canções que ele entoa (É doce morrer no mar...) e com a narração da história. Ao escalar Portella para a peça Kiko Marques presta uma grande homenagem não só ao veterano  ator, mas também ao teatro brasileiro.



Walter Portella - Foto de Lenise Pinheiro

     Beirando a excelência, o espetáculo ainda conta com o belo e eficaz cenário de Chris Aizner  e a trilha sonora de Umanto, econômica e extremamente eficaz, comentando a ação, mas nunca a suplantando (qualidade fundamental de uma trilha sonora).
Umanto e Milena Gasparetti - Foto de Lenise Pinheiro
Maurício de Barros - Indicado ao Prêmio Shell de melhor ator. Foto de Lenise Pinheiro
     Na fria e chuvosa noite da última terça feira, dia 23 de julho, Cais fez a última apresentação da atual temporada no Instituto Capobianco. Às emoções da cena, somaram-se aquelas ocorridas após o espetáculo: a estreia da pequena Anita (filhinha de Virginia e Kiko) nos palcos paulistanos, a homenagem que Kiko Marques prestou a Walter Portella, o congraçamento do simpático elenco com o público e a alegria de todos com as seis indicações que a montagem recebeu para o Prêmio Shell (autoria, direção, ator, cenário, figurino e trilha sonora). No meu modo de ver um prêmio coletivo para o elenco também seria muito merecido.
Parte do cenário de Chris Aizner - Foto de Lenise Pinheiro
     Do meu currículo de espectador fazem parte mais de 3500 espetáculos (assisto teatro desde 1963) e considero Cais ou Da indiferença das Embarcações uma das coisas mais belas e mais importantes a que já assisti. Posso afirmar que nos últimos cinco anos apenas os dois trabalhos de Théâtre du Soleil trazidos a São Paulo e a peça Incêndios  (cuja cenografia é bastante semelhante à de Cais)encenada pelo grupo mexicano Compañia Tapioca Inn no Mirada de 2012 me causaram tamanho impacto e a grande alegria de voltar a acreditar cada vez mais na força do teatro.



Elenco - Foto de Lenise Pinheiro
     O espetáculo precisa retornar ao cartaz, pois tem muita gente que não o assistiu e seria muito bem vindo que ele voltasse com uma disponibilidade maior de horários. Aguardemos a nova temporada...Rumo às quinze horas no Cais!
     Mais uma vez, parabéns à Velha Companhia.

domingo, 21 de julho de 2013

O HOTEL FUCK PASSOU POR SÃO PAULO



         Com um título estranho e de gosto duvidoso (Hotel Fuck: Num Dia Quente a Maionese Pode Te Matar), passou como uma ventania pela cidade (apenas três dias na Galeria Olido) um dos melhores e mais interessantes espetáculos apresentados em São Paulo neste ano teatral.

         A Santa Estação Cia. de Teatro de Porto Alegre está se apresentando com esse trabalho dirigido por Jezebel De Carli em algumas cidades do país por meio do Prêmio Myrian Muniz de Circulação e é lastimável que o mesmo tenha sido tão pouco divulgado. O boca a boca com certeza traria casas superlotadas ao grupo caso se apresentassem por mais alguns dias na cidade.

         O espetáculo - de clara e explícita inspiração em Roman Photo do grupo chileno Compañia Gran Reyneta que fez grande sucesso nos festivais de teatro de Porto Alegre e Rio Preto em 2005 (que por sua vez era uma recriação do trabalho do grupo francês Royal de Luxe) - foca-se na produção de um filme (em Roman Photo tratava-se de uma fotonovela melodramática) sobre Nick Newman, um esquartejador de mulheres que após uma “revelação mística” decide parar de matar; à sua volta circulam várias outras personagens, todas elas bastante bizarras. A filmagem, com suas interrupções, dificuldades materiais de produção, demonstração de ego dos atores, repetição de cenas e a trajetória do herói (enredo do filme) recheiam as quase quatro horas que dura o espetáculo, tempo esse que passa imperceptível pela qualidade do trabalho e os estímulos que ele oferece ao espectador. Como se trata de uma história de paixões, crimes e muito sangue, é natural a inspiração em filmes de Quentin Tarantino, Pedro Almodóvar, David Lynch e aqueles filmes noir dos anos 1950. O programa da peça dá uma lista das “referências, influências e inspirações)” do trabalho. Num claro processo antropofágico o grupo bebeu nessas fontes, mas nos devolve um espetáculo único e absolutamente original.

         A dramaturgia é do jovem Diones Camargo que amarra muito bem a trama contada no filme com o processo de filmagem em si.

         O talentoso elenco interpreta com muita energia (física e emocional) e vibração mostrando uma disposição em estar ali no palco que ultimamente não tem sido muito comum nos palcos brasileiros. A interpretação é bastante homogênea, mas é preciso destacar o trabalho do ator (vide foto abaixo) que interpreta Nick (infelizmente o programa não diz quem é quem na peça).

         Se você é de uma das próximas cidades a serem visitadas pelo grupo corra para assistir a Hotel Fuck. Para nós paulistanos resta a esperança de um dia a Santa Estação voltar a nos visitar por um tempo mais prolongado e dar chance de um público maior conhecê-la.

          No centro da foto a diretora Jezebel De Carli e o autor Diones Camargo

sábado, 13 de julho de 2013

TRATADO SOBRE A SOLIDÃO



      Quantas vezes nos pegamos falando com o bichinho de estimação, trocando ideias com uma pessoa imaginária ou até preparando a mesa do jantar com velas e vários lugares quando sabemos que iremos comer sozinhos.  Vontade de compartilhar uma alegria ou uma tristeza, mas uma ausência muito presente nos traz de volta à realidade. A peça Ausência da dupla André Curti e Artur Ribeiro da Cia. Dos à Deux nos mostra um caso desses numa situação limite que se passa num futuro (2036) mais tenebroso que o nosso presente onde a falta de amigos é acompanhada da escassez de água e de alimentos e só os ratos marcam uma presença constante. A carente personagem só pode externar sua afetividade para com um peixinho, o qual no final da ação será sacrificado para que a água do seu aquário sacie a sede do pobre protagonista. As entranhas da solidão são mostradas por meio desse homem triste e solitário cujo único contato com a vida é esse peixinho que vai morrer para que ele sobreviva por mais algum tempo.

     A encenação é primorosa desde o sugestivo cenário de Fernando Mello da Costa constituído de tubulações e de sucata de objetos metálicos cada um deles com funções bem definidas dentro da ação, passando pela iluminação perfeita com claro-escuros e luzes tênues e focadas em pequenos espaços de autoria de PH e Artur Ribeiro. A trilha sonora composta especialmente para o espetáculo por Fernando Mota completa o clima claustrofóbico e solitário proposto pela encenação.



     Por último, mas tão importante quanto, a interpretação despojada de Luís Melo que entrega todo seu talento à proposta dos encenadores vivendo visceralmente e  com gestos precisos uma personagem que não tem sequer uma fala.

     O peixinho morre, os ratos continuam a chegar, mas sentado à janela talvez o solitário ainda vislumbre alguma esperança. Espetáculo pungente e desde já presente na lista dos melhores do ano.

     “A arte tem de ter algo que me tira do chão e deslumbra”, a frase de Ferreira Gullar cabe perfeitamente neste triste, mas necessário espetáculo. IMPERDÍVEL!

     Ausência está em cartaz no Sesc Ipiranga aos sábados às 21h e aos domingos às 18h até o dia 28 de julho.

quinta-feira, 4 de julho de 2013

MOSTRA BILLY WILDER NO CINESESC


QUE PENA, ESTÁ ACABANDO!!
                Hoje (04/07/2013) é o último dia da “Mostra Billy Wilder” no CineSesc, que apresentará na última sessão do evento (às 16h30), o primeiro filme dirigido por Wilder em 1934 na França (“Sementes do Mal”). A Mostra foi um verdadeiro presente para os cinéfilos paulistanos que fizeram a festa no aconchegante espaço do CineSesc, gerenciado pelos simpáticos Gilson Packer e Simone Yunes e com uma equipe de atendentes (na bilheteria, no café, na segurança) sempre sorridentes e atenciosos. O CineSesc é um verdadeiro oásis no cenário paulistano, tanto no quesito programação como no acolhimento.
                Quanto à Mostra foi um verdadeiro prazer descobrir o filme “Fedora” numa cópia estalando de nova, infelizmente assistido por muito poucos privilegiados (pouca gente apostou nesse quase desconhecido filme de Wilder, em função de certa fama negativa criada pelas críticas da época do lançamento do filme – 1978-). Essa revisita do diretor ao universo de “Crepúsculo dos Deuses” com William Holden ainda em forma merece uma revisão por maior parte do público e seria interessante que o CineSesc tentasse colocá-lo em sua programação regular.
                Foi uma delícia rever “Irma La Douce”, “Quanto Mais Quente Melhor” (quando vou parar de me divertir tanto com esse filme?), “Testemunha de Acusação” (Charles Laughton imbatível), “O Pecado Mora ao Lado” (Marilyn deliciosa!) e tantos outros que seria cansativo continuar a listar.
                Talvez por indisponibilidade não foi programado o ótimo documentário “Conversas com Billy Wilder” (2003) de Volker Schlondörff e Gisela Grishow que seria um complemento para a Mostra, mas aí já é pedir demais!