Tudo
é propositalmente excessivo nesta instigante Josefina Canta: texto, encenação, cenário e interpretação.
Valendo-se de um conto de Franz Kafka (Josefina,
a Cantora) o dramaturgo/encenador Elzemann Neves cria uma vigorosa metáfora de
como o poder cria mitos para manipular o povo. No caso, encontramos o mito
Josefina em pura decadência. No passado, mesmo com sua voz chiada ela seduziu e
dominou o povo (representado na peça pela sua criada Teresa), mas sua imagem
desgastou-se e com a ajuda de um manipulador de opiniões (sim, alguém da
mídia!) e da própria criada (hoje senhora da situação), procura recuperar a
imagem perdida. O poder exercido por Josefina em outros tempos pode ser medido
por uma das melhores falas da peça, dita pela criada, algo como “Tive que calar
tantas vezes minha voz, que não a tenho mais. O que se ouve hoje é o eco do que
eu quis dizer no passado”.
Inês
Aranha tem estilo e porte (apesar do tipo mignon)
para interpretações viscerais, haja vista seu desempenho no recente A Noite Em Que Blanche Dubois Chorou Sobre
Minha Pobre Alma, e aqui volta a
fazer um trabalho excepcional. Com pleno domínio da voz e do corpo ela
desloca-se pelo reduzido espaço cênico tal qual uma etérea Isadora Duncan com
seus trajes esvoaçantes. Passa de dominadora a dominada de maneira sutil com
pequenos gestos e alterações de voz. A performance
da atriz é muito bem acompanhada pela imponência/fragilidade de Bia Toledo
(também com uma voz poderosa) e a presença cínica de Germano Melo, como o
profissional de mídia. O trio dá um show de interpretação e de presença cênica,
usando e abusando do gestual e dos recursos vocais.
Elzemann
comanda os excessos com uma direção nervosa dando um toque de teatro do absurdo
(bastante coerente com o universo kafkiano) a todo o espetáculo. O cenário/instalação
de Chris Aizner composto de muitos quadros pelas paredes define bem o ambiente
claustrofóbico em que vive Josefina.
Pelas
situações criadas, parte do público ri muito durante o espetáculo e na sinopse
constante nos guias a peça é classificada como “comédia”, mas a situação não é
para rir! Estamos vivendo situações parecidas neste pobre Brasil e sempre
haverá alguém interessado em criar uma Josefina para nos enfiar goela abaixo e
assim ficarmos quietinhos ouvindo e, o que é muito pior, admirando e acreditando numa voz
defeituosa, aguda e estridente.
Josefina
Canta está em cartaz na sala experimental do Teatro Augusta só até o próximo
fim de semana (29/03): sexta ás 21h30, sábado às 21h e domingo às 19h. VALE A
PENA VER.
20/03/2015
A fala de Josefina "Eu mudo, eu assumo, eu perdôo." também é marcante.
ResponderExcluirA fala de Josefina "Eu mudo, eu assumo, eu perdôo." também é marcante.
ResponderExcluirfiquei curiosa. beijos, pedrita
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