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sábado, 21 de março de 2015

JOSEFINA CANTA



        Tudo é propositalmente excessivo nesta instigante Josefina Canta: texto, encenação, cenário e interpretação. Valendo-se de um conto de Franz Kafka (Josefina, a Cantora) o dramaturgo/encenador  Elzemann Neves cria uma vigorosa metáfora de como o poder cria mitos para manipular o povo. No caso, encontramos o mito Josefina em pura decadência. No passado, mesmo com sua voz chiada ela seduziu e dominou o povo (representado na peça pela sua criada Teresa), mas sua imagem desgastou-se e com a ajuda de um manipulador de opiniões (sim, alguém da mídia!) e da própria criada (hoje senhora da situação), procura recuperar a imagem perdida. O poder exercido por Josefina em outros tempos pode ser medido por uma das melhores falas da peça, dita pela criada, algo como “Tive que calar tantas vezes minha voz, que não a tenho mais. O que se ouve hoje é o eco do que eu quis dizer no passado”.

        Inês Aranha tem estilo e porte (apesar do tipo mignon) para interpretações viscerais, haja vista seu desempenho no recente A Noite Em Que Blanche Dubois Chorou Sobre Minha Pobre Alma, e aqui volta a fazer um trabalho excepcional. Com pleno domínio da voz e do corpo ela desloca-se pelo reduzido espaço cênico tal qual uma etérea Isadora Duncan com seus trajes esvoaçantes. Passa de dominadora a dominada de maneira sutil com pequenos gestos e alterações de voz. A performance da atriz é muito bem acompanhada pela imponência/fragilidade de Bia Toledo (também com uma voz poderosa) e a presença cínica de Germano Melo, como o profissional de mídia. O trio dá um show de interpretação e de presença cênica, usando e abusando do gestual e dos recursos vocais.

        Elzemann comanda os excessos com uma direção nervosa dando um toque de teatro do absurdo (bastante coerente com o universo kafkiano) a todo o espetáculo. O cenário/instalação de Chris Aizner composto de muitos quadros pelas paredes define bem o ambiente claustrofóbico em que vive Josefina.

        Pelas situações criadas, parte do público ri muito durante o espetáculo e na sinopse constante nos guias a peça é classificada como “comédia”, mas a situação não é para rir! Estamos vivendo situações parecidas neste pobre Brasil e sempre haverá alguém interessado em criar uma Josefina para nos enfiar goela abaixo e assim ficarmos quietinhos ouvindo e, o que é muito pior, admirando e acreditando numa voz defeituosa, aguda e estridente.

        Josefina Canta está em cartaz na sala experimental do Teatro Augusta só até o próximo fim de semana (29/03): sexta ás 21h30, sábado às 21h e domingo às 19h. VALE A PENA VER.

 

20/03/2015

3 comentários:

  1. A fala de Josefina "Eu mudo, eu assumo, eu perdôo." também é marcante.

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  2. A fala de Josefina "Eu mudo, eu assumo, eu perdôo." também é marcante.

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