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terça-feira, 12 de maio de 2015

MANUAL DE AUTODEFESA INTELECTUAL


 
        Há uma cena hilária em Manual de Autodefesa Intelectual que me fez mais uma vez refletir sobre o poder de transformação do teatro: o papa polonês sofreu um atentado e atribuiu a Nossa Senhora de Fátima o fato de ter se salvado, pois a bala passou por ele de raspão. Tudo é apresentado de forma bastante cômica e irônica, questionando o valor da fé nos santos e na religião. O público presente riu muito em função de se identificar com os valores da Kiwi e portanto não necessitar dessa cena para repensar seus valores. Qual a função da cena (e do teatro)? Questionar e denunciar a hipocrisia das religiões. A quem se destina? A um fanático religioso é claro. E como essa pessoa teria reagido a esta cena? Mudaria sua forma de pensar, refletiria sobre o fato ou reagiria violentamente contra aquilo que está vendo? Perguntas que sempre me fazem pensar. Amo o teatro, mas tenho grandes dúvidas sobre o seu alcance político e social.
 
 
        Essa introdução provocativa absolutamente não tira o mérito do delicioso espetáculo que é didático desde o seu título. Fernando Kinas, encenador e autor do roteiro, coloca em cena de forma paródica e lúdica questões como a manipulação feita por religiões, por políticos, por grandes empresas e pela mídia em geral. Crenças em astrologia, telecinesia, milagres, mágicas, homeopatia, amuletos, santos? Tudo balela preconiza o simpático, alegre e debochado grupo formado por Fernanda Azevedo, Maíra Chasseraux (marcante presença em cena), Maria Carolina Dressler, Vicente Latorre e os músicos Eduardo Contrera e Elaine Giacomelli.   
        O grande mérito deste novo espetáculo da Kiwi Companhia de Teatro é utilizar o humor, a música e a dança como elementos de estranhamento épico-brechtiano para fazer as denúncias sobre mistificações e crendices contemporâneas.
        O grupo esmerou-se na produção do espetáculo que tem um belo e até imponente cenário de Júlio Dojscar, iluminação de Heloísa Passos e deliciosas coreografias de Luiz Fernando Bongiovanni. Chama a atenção os elegantes e eficazes modelos dos vestidos das atrizes concebidos por Madalena Machado.
        Com um bem vindo teor politicamente incorreto, Manual de Autodefesa Intelectual denuncia, faz refletir e diverte; trinômio sempre procurado, mas nem sempre encontrado por quem faz teatro engajado.

        A peça saiu de cartaz do Sesc Belenzinho no último fim de semana, mas volta em breve no Galpão do Folias. Fique atento para este retorno e não perca... Mesmo que você seja devoto de Nossa Senhora de Fátima!

 

11/05/2015

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