Há
uma cena hilária em Manual de Autodefesa
Intelectual que me fez mais uma vez refletir sobre o poder de transformação
do teatro: o papa polonês sofreu um atentado e atribuiu a Nossa Senhora de
Fátima o fato de ter se salvado, pois a bala passou por ele de raspão. Tudo é
apresentado de forma bastante cômica e irônica, questionando o valor da fé nos
santos e na religião. O público presente riu muito em função de se identificar
com os valores da Kiwi e portanto não necessitar dessa cena para repensar seus
valores. Qual a função da cena (e do teatro)? Questionar e denunciar a
hipocrisia das religiões. A quem se destina? A um fanático religioso é claro. E
como essa pessoa teria reagido a esta cena? Mudaria sua forma de pensar,
refletiria sobre o fato ou reagiria violentamente contra aquilo que está vendo?
Perguntas que sempre me fazem pensar. Amo o teatro, mas tenho grandes dúvidas
sobre o seu alcance político e social.
Essa
introdução provocativa absolutamente não tira o mérito do delicioso espetáculo
que é didático desde o seu título. Fernando Kinas, encenador e autor do
roteiro, coloca em cena de forma paródica e lúdica questões como a manipulação
feita por religiões, por políticos, por grandes empresas e pela mídia em geral.
Crenças em astrologia, telecinesia, milagres, mágicas, homeopatia, amuletos,
santos? Tudo balela preconiza o simpático, alegre e debochado grupo formado por
Fernanda Azevedo, Maíra Chasseraux (marcante presença em cena), Maria Carolina
Dressler, Vicente Latorre e os músicos Eduardo Contrera e Elaine Giacomelli.
O
grande mérito deste novo espetáculo da Kiwi Companhia de Teatro é utilizar o
humor, a música e a dança como elementos de estranhamento épico-brechtiano para
fazer as denúncias sobre mistificações e crendices contemporâneas. O grupo esmerou-se na produção do espetáculo que tem um belo e até imponente cenário de Júlio Dojscar, iluminação de Heloísa Passos e deliciosas coreografias de Luiz Fernando Bongiovanni. Chama a atenção os elegantes e eficazes modelos dos vestidos das atrizes concebidos por Madalena Machado.
Com um bem vindo teor politicamente incorreto, Manual de Autodefesa Intelectual denuncia, faz refletir e diverte; trinômio sempre procurado, mas nem sempre encontrado por quem faz teatro engajado.
A
peça saiu de cartaz do Sesc Belenzinho no último fim de semana, mas volta em
breve no Galpão do Folias. Fique atento para este retorno e não perca... Mesmo
que você seja devoto de Nossa Senhora de Fátima!
11/05/2015
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