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quinta-feira, 25 de junho de 2015

VALÉRIA E OS PÁSSAROS


 
 

        A intenção do dramaturgo espanhol José Sanchis Sinisterra em Valéria e os Pássaros é política e não uma demonstração de convicções espíritas; a aparição dos mortos remete ao realismo fantástico que grassou na literatura latino americana na segunda metade do século XX e, em especial, ao mexicano Juan Rulfo (1917-1986) e seu Pedro Páramo onde os mortos praticamente conduzem a ação.
        Possuidora de mediunidade, a heroína Valéria invoca e recebe seus mortos, em especial aqueles que podem lhe dar alguma pista do paradeiro de seu grande amor da juventude Telmo Castán, preso político que foi assassinado pelas forças da repressão. Outra leitura poderia creditar essa situação à imaginação de Valéria.
        Originalmente a peça foi escrita como um monólogo onde Valéria dialoga com as vozes dos mortos. Sabiamente o encenador Kiko Marques deu corpo a essas vozes numa poética tradução cênica onde esses mortos aparecem sentados em cadeiras de rodas com uma luz diáfana sobre suas cabeças. O recurso dinamiza a ação que seria monótona e verborrágica se apresentada como monólogo.
        O tão esperado encontro com Telmo acontece na última cena quando o mesmo faz um pungente discurso de como foi torturado, morto e enterrado numa vala comum (aqui, a lembrança de Pedro Páramo tornou-se inevitável).
 
O diretor Kiko Marques
 

        Sem abrir mão da denúncia política das atrocidades das ditaduras, Kiko Marques a reveste de muita beleza e poesia, principalmente na intervenção dos mortos que circulam pelo espaço num macabro e belo balé e na visão que Valéria tem dos pássaros. Muitos efeitos sonoros são utilizados nas intervenções, quase sempre engraçadas, do espírito de Benito. A cuidada produção tem cenários e figurinos de Chris Aizner, um suave desenho de luz de Marisa Bentivegna e trilha sonora original de Carlos Careqa.
 
O balé dos espíritos

        Valéria é a protagonista e Alejandra Sampaio lhe dá vida com muita garra. Frágil, insegura, mas persistente e otimista ela lembra Gelsomina e Cabíria, inesquecíveis figuras fellinianas. Um belíssimo trabalho que se tornaria perfeito se Valéria na parte final se mostrasse mais madura pelo aprendizado que teve no decorrer da trama e mais sensual perante a possibilidade do contato físico com Telmo. 
 
Alejandra Sampaio e Patrícia Gordo

        O elenco de apoio é homogêneo e defende muito bem seus “mortos”, com destaque para Walter Portella, numa emocionada intervenção como Telmo e Valéria Arbex que compõe uma delicada e engraçada figura do menino morto que anda de triciclo e quer evoluir na hierarquia dos espíritos.
        O esperado encontro físico entre Valéria e Telmo com as mãos quase se tocando embalado pela canção de Carlos Careqa e com um suave apagar das luzes fecharia de forma emocionante este belo espetáculo da Velha Companhia.

        Valéria e os Pássaros está em cartaz na Oficina Cultural Oswald de Andrade às segundas e terças sempre às 20h até 27 de julho. Entrada gratuita a ser retirada a partir de uma hora antes da apresentação.

 

25/06/2015

       

segunda-feira, 22 de junho de 2015

OLEANNA


 


        O brilhante texto de David Mamet foi montado sem maior repercussão em 1996 por Antonio Fagundes com direção de Ulysses Cruz e agora recebe esta bem sucedida tradução cênica de Gustavo Paso que o valoriza e privilegia a cumplicidade do público, pois são apenas 40 pessoas (20 de cada lado do espaço cênico) que testemunham a um palmo do nariz o terrível embate entre as duas personagens.
        Um dos e, talvez, o maior mérito do texto de Mamet é o verdadeiro pingue pongue que ele faz com o raciocínio do espectador que ora se vê do lado da aluna e ora está dando razão à professora. A peça termina sem a definição de um lado certo, pois não há lado certo no mundo em que vivemos.
        A trama é bastante simples: uma aluna dirige-se à sala de sua professora para pedir que esta revise sua nota de reprovação. Num jogo de palavras aonde vêm à tona os problemas de cada uma delas a relação entre as duas vai se tornando tensa transformando-se em uma verdadeira batalha de gato e rato, onde cada uma tem a sua vez de ser este ou aquele; as posições vão se alternando para mostrar a crueldade que se apodera de quem está com o poder. A peça mostra uma situação limite, mas tal fato pode ocorrer em maior ou menor escala (e não por isso menos terrível) em qualquer relação: aluno/professor, subordinado/chefe (muito bem mostrada na peça Contrações de Mike Bartlett, ainda em cartaz na cidade), filho/pais, companheiro/companheira, torturado/torturador e até entre amigos.        
        A peça depende essencialmente do trabalho das atrizes, fato levado em consideração pelo encenador que foca sua montagem na atuação das mesmas. Cenário simples e funcional, assim como, figurinos e iluminação não fazem o espectador desviar os olhos do poderoso jogo interpretativo. Miwa (pronuncia-se Miuá, segundo informação da própria atriz) Yanagizawa desincumbe-se com muita garra do papel de professora reforçando o talento já demonstrado em Trágica.3 e Luciana Fávero vai com muita desenvoltura da insegura e frágil aluna do início à perversa manipuladora do final. Trabalhos intensos que devem ser lembrados nas listas dos melhores do ano.
 
 
        Além desta há outra versão da peça onde o professor é interpretado por Marcos Breda. A conotação homossexual dá lugar a um assédio hetero, mas o jogo do poder e o estupro moral (temas principais da peça) devem permanecer os mesmos. Como curiosidade cabe lembrar que na última semana de apresentação a personagem do professor será vivida simultaneamente por Miwa e Breda.

        OLEANNA é um espetáculo intimista de forte carga emocional que precisa ser visto pela atualidade do tema tratado (a manipulação pelo poder). Em cartaz no Sesc Pompeia até 05 de julho, sextas e sábados às 21h e domingos às 19h.

        Paralelamente à peça o Sesc Pompeia está apresentado filmes que envolvem o nome de David Mamet como também debates sobre a sua obra. Nesse verdadeiro Festival Mamet cabe lembrar que está em cartaz no Teatro Vivo a peça de sua autoria O Sucesso a Qualquer Preço, que também trata dos malefícios do poder.

 

Fotos de Monica Vilela.

 

22/06/2015

segunda-feira, 8 de junho de 2015

UM BONDE CHAMADO DESEJO


 
         Tenho vários bondes na minha vida pregressa de espectador. O filme de 1951 dirigido por Elia Kazan e chamado de Uma Rua Chamada Pecado no Brasil foi lançado no mesmo ano por aqui. Uma propaganda publicada na revista Cinelândia mostrava a foto abaixo.
 
         Devo ter visto essa foto quando tinha cerca de dez anos e ela provocou a libido daquele menino, ainda mais que trazia as palavras “desejo” e “pecado” em seu bojo. Mais tarde soube que se tratava da cena em que Stanley (Marlon Brando) se reconcilia com Stella (Kim Hunter) após um dos seus acessos de fúria. Devo ter assistido ao filme por volta dos meus dezoito anos e foi esse o meu primeiro contato com a obra prima de Tennessee Williams (1911-1983).
         À peça de teatro só fui assistir em 1974, dirigida por Kiko Jaess com Eva Wilma, Nuno Leal Maia e Pepita Rodrigues no trio central, seguida da montagem carioca dirigida por Maurice Vaneau em 1986 com Tereza Rachel, Paulo Ramos e Angela Valério. Não tenho grandes recordações dessas duas montagens e só fui me entusiasmar em 2002 com a exuberante encenação de Cibele Forjaz com Leona Cavalli, Milhem Cortaz e Isabel Teixeira. (Só para constar cito duas montagens anteriores às quais não assisti com Henriette Morineau e depois com Maria Fernanda.)
 
1974
1986
2002
         Treze anos depois o jovem diretor Rafael Gomes revisita o bonde trazendo Maria Luisa Mendonça como Blanche, Eduardo Moscovis como Stanley e Virginia Buckowski como Stella. Com traços bastante contemporâneos a partir do criativo cenário modular de André Cortez, a bem cuidada encenação mantém-se fiel à trama original valendo-se da iluminação de Wagner Antônio e dos belos figurinos criados por Fause Haten. A imensa arena do Tucarena dificulta em certos momentos a compreensão das falas, principalmente do elenco feminino, como também provoca a sensação de se estar perdendo expressões e gestos importantes quando o intérprete está de costas (a encenação privilegia a plateia situada do mesmo lado das portas de entrada do teatro).
 
 
         Muito loira e de cabelos bastante longos Maria Luisa Mendonça protagoniza uma Blanche intensa e talvez bonita demais. Sua passagem para a demência poderia ser mais nuançada, mas ao atingi-la a atriz tem seus melhores momentos. Eduardo Moscovis ameniza o lado selvagem de Stanley sendo mais irônico do que brutal. Virginia Buckowski empresta sua natural delicadeza para a compreensiva e muito humana Stella. Destaque também para Donizeti Mazonas como o vizinho Mitch. Fabrício Licursi, Fernanda Castello Branco e Matheus Martins saem-se bem nos papéis secundários. Há um momento digno de nota no espetáculo quando Blanche relata a Mitch a sua frustrada experiência matrimonial com um jovem homossexual (as figuras de Mitch e de Allan - o marido - se mesclam numa interessante solução cênica). A cena do filme que tanto mexeu comigo na juventude é reproduzida quase identicamente por Moscovis e Virginia nesta madura encenação que consolida Rafael Gomes como diretor teatral.
         UM BONDE CHAMADO DESEJO está em cartaz no Tucarena às sextas (21h30), sábados (21h) e domingos (18h) até 02/08. VALE A PENA VIAJAR NESTE BONDE!
 
08/06/2015

terça-feira, 2 de junho de 2015

SÁBADO BRECHTIANO



        Verdadeiro banho do grande Bertolt Brecht (1898-1956) no último sábado (30/05/2015). Quer coisa melhor?
 
 
        Às 12h30 fui para o Cinemark Santa Cruz para assistir à transmissão da montagem de ASCENÇÃO E QUEDA DA CIDADE DE MAHAGONNY realizada pela Royal Opera House londrina. O contundente texto anticapitalista de Brecht e a música de Kurt Weill tratados de forma convincente pelo encenador John Fulljames.


        À noite fui ao TUCA assistir à montagem de GALILEU GALILEI de Cibele Forjaz. O texto é belíssimo e de lucidez ímpar. Cibele soube tratá-lo com respeito e com humor, realizando um espetáculo solar que, sem deixar de ser didático, diverte como bem queria o Seu Bertolt! Elenco afinadíssimo com destaque para Denise Fraga que compõe um perfeito Galileu, apesar de absolutamente não ter o tipo físico para a personagem. A inspirada música de Lincoln Antônio e Théo Werneck contribui para provocar o distanciamento requerido pelo espetáculo. Parafraseando a frase de Brecht/Galileu: EU SUSTENTO QUE A ÙNICA FINALIDADE DO TEATRO ESTÀ EM ALIVIAR A CANSEIRA DA EXISTÊNCIA HUMANA.

        E vem por aí a nova incursão de Cibele na obra de Brecht: NA SELVA DAS CIDADES.

        VIVA BRECHT! VIVA O TEATRO!