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terça-feira, 1 de dezembro de 2015

O TAMBOR E O ANJO


         Este talvez seja um dos trabalhos menos conhecidos da dramaturga niteroiense Anamaria Nunes (1950-). Premiada em 1988 com o Prêmio Shell por Geração Trianon Anamaria tem seu nome mais ligado às telenovelas que escreveu. A peça é injustamente desconhecida, pois se trata de um engenhoso texto sobre uma época sombria da história do Brasil.
         A peça se passa na memória de Eliane, uma jovem que está internada em um sanatório ensimesmada em função do desaparecimento do irmão Pedro morto pelas mãos dos órgãos repressores da ditadura e da relação de paixão (incestuosa) e ódio que tem por seu pai que se revelou fazer parte da equipe de torturadores do governo. Num permanente estado de perplexidade a jovem revê sua infância, a adolescência, os bailinhos, a chegada da menstruação, a relação com seus pais extremamente conservadores e os traumas advindos do regime de terror instaurado no país a partir de abril de 1964.
         A encenação foi realizada a partir de trabalho de conclusão de curso de um grupo da Escola de Atores Wolf Maya e também de uma oficina realizada pelo diretor André Garolli no Viga Espaço Cênico com o mesmo grupo agora acrescido de alguns elementos e o resultado é surpreendente.
         Garolli optou por dividir a personagem de Eliane entre cinco atrizes sendo que uma delas é o eixo da ação e as outras, com máscaras no rosto, representam várias facetas de sua personalidade e também funcionam como coro do espetáculo. Outro bom achado da direção é o Cristo na cruz pendurado na sala de visitas da família que é representado por um ator e vai reagindo em função do que acontece à sua volta. Cenário e iluminação simples, mas eficientes e uma excelente trilha sonora com músicas da época (Secos e Molhados, Beatles, Mutantes), completam os elementos usados pelo encenador na montagem, sem falar na preparação do elenco, é claro! Garolli os preparou não só para a peça, mas para o mundo encorajando-os a pesquisar romances, filmes e documentos sobre essa época obscura do Brasil. Esses jovens, com idade média pouco superior a 20 anos têm consciência daquilo que estão falando e esse talvez seja um dos maiores méritos do espetáculo. É encorajador ver um grupo egresso de uma escola tida como elitista representar com tanta verdade um texto forte e claramente contra os desmandos que os militares imprimiram a este país por mais de 20 anos. Todos se saem muito bem desempenhando com muita espontaneidade personagens que têm idades próximas das suas e um destaque deve ser dado aos também jovens atores que fazem os pais conservadores com verossimilhança e sem gestos caricaturais.
         O TAMBOR E O ANJO é importante espetáculo que merece ser prestigiado. A peça ainda terá uma derradeira apresentação no Viga Espaço Cênico no dia 21 de dezembro às 20h, mas seria muito interessante que prosseguisse em cartaz com apresentações em escolas e mesmo em teatros. Fica a sugestão de fazerem apresentações nas escolas ocupadas pelos estudantes secundários que estão dando exemplo de cidadania que há muito não se via em nossas plagas. A posição autoritária e truculenta do governo do Estado não difere das ações realizadas pelos militares naquela época. A história pode se repetir e cabe a nós cidadãos tentar revertê-la. E por isso VIVA O TEATRO!

01/12/2015
          

         

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