Este talvez seja um dos trabalhos menos
conhecidos da dramaturga niteroiense Anamaria Nunes (1950-). Premiada em 1988 com
o Prêmio Shell por Geração Trianon
Anamaria tem seu nome mais ligado às telenovelas que escreveu. A peça é
injustamente desconhecida, pois se trata de um engenhoso texto sobre uma época
sombria da história do Brasil.
A peça se passa na memória de Eliane,
uma jovem que está internada em um sanatório ensimesmada em função do
desaparecimento do irmão Pedro morto pelas mãos dos órgãos repressores da
ditadura e da relação de paixão (incestuosa) e ódio que tem por seu pai que se
revelou fazer parte da equipe de torturadores do governo. Num permanente estado
de perplexidade a jovem revê sua infância, a adolescência, os bailinhos, a chegada
da menstruação, a relação com seus pais extremamente conservadores e os traumas
advindos do regime de terror instaurado no país a partir de abril de 1964.
A encenação foi realizada a partir de
trabalho de conclusão de curso de um grupo da Escola de Atores Wolf Maya e
também de uma oficina realizada pelo diretor André Garolli no Viga Espaço
Cênico com o mesmo grupo agora acrescido de alguns elementos e o resultado é
surpreendente.
Garolli optou por dividir a personagem
de Eliane entre cinco atrizes sendo que uma delas é o eixo da ação e as outras,
com máscaras no rosto, representam várias facetas de sua personalidade e também
funcionam como coro do espetáculo. Outro bom achado da direção é o Cristo na
cruz pendurado na sala de visitas da família que é representado por um ator e
vai reagindo em função do que acontece à sua volta. Cenário e iluminação simples,
mas eficientes e uma excelente trilha sonora com músicas da época (Secos e
Molhados, Beatles, Mutantes), completam os elementos usados pelo encenador na
montagem, sem falar na preparação do elenco, é claro! Garolli os preparou não
só para a peça, mas para o mundo encorajando-os a pesquisar romances, filmes e
documentos sobre essa época obscura do Brasil. Esses jovens, com idade média pouco
superior a 20 anos têm consciência daquilo que estão falando e esse talvez seja
um dos maiores méritos do espetáculo. É encorajador ver um grupo egresso de uma
escola tida como elitista representar com tanta verdade um texto forte e
claramente contra os desmandos que os militares imprimiram a este país por mais
de 20 anos. Todos se saem muito bem desempenhando com muita espontaneidade
personagens que têm idades próximas das suas e um destaque deve ser dado aos também
jovens atores que fazem os pais conservadores com verossimilhança e sem gestos caricaturais.
O TAMBOR E O ANJO é importante
espetáculo que merece ser prestigiado. A peça ainda terá uma derradeira
apresentação no Viga Espaço Cênico no dia 21 de dezembro às 20h, mas seria
muito interessante que prosseguisse em cartaz com apresentações em escolas e
mesmo em teatros. Fica a sugestão de fazerem apresentações nas escolas ocupadas
pelos estudantes secundários que estão dando exemplo de cidadania que há muito
não se via em nossas plagas. A posição autoritária e truculenta do governo do Estado
não difere das ações realizadas pelos militares naquela época. A história pode
se repetir e cabe a nós cidadãos tentar revertê-la. E por isso VIVA O TEATRO!
01/12/2015
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