Ao
sair de um espetáculo que lhe emociona e tira do chão a vontade é compartilhar
suas sensações e recomendar o mesmo para o maior número de pessoas. É
frustrante quando isso ocorre no último dia de apresentação e isso aconteceu
neste fim de semana quando assisti às derradeiras apresentações de Fim de Partida (no sábado) e O Avesso do Claustro (no domingo).
Rubens Caribé e Eric Lenate
FIM DE PARTIDA talvez seja a mais
sombria e pessimista peça da sombria e pessimista obra de Samuel Beckett, sem
abrir mão daquele humor sutil e clownesco também característico do dramaturgo
irlandês. Eric Lenate soube captar de maneira exemplar esse universo
claustrofóbico e sem perspectivas em que vivem Hamm, Clov, Negg e Nell criando
um espetáculo denso e sufocante. Todos os elementos de cena (cenografia,
iluminação, figurinos e adereços) são o mínimo necessário para refletir aquele
mundo imaginado por Beckett. Interpretações poderosas de Rubens Caribé (Clov,
criado de Hamm) e de Eric Lenate com uma prótese nos olhos simulando a cegueira
de Hamm. A aparição de Miriam Rinaldi (Nell, a mãe de Hamm) é mágica e suas
patéticas expressões remetem àquelas do hilário e, ao mesmo tempo triste, Harpo
Marx. Ao sair incomodado daquela partida angustiante sem vencedores e sem fim
(Clov fala o tempo inteiro que vai deixar Hamm, mas no último momento volta a
colocar os guizos que o aprisionam ao seu amo) temos um gosto amargo na boca
que nos faz refletir sobre o absurdo mundo em que vivemos.
Karen Menatti/Dinho Lima Flor/Rodrigo Mercadante/Lilian de Lima
O AVESSO DO CLAUSTRO é uma celebração
em torno de Dom Helder Câmara (1909-1999) realizada pela Cia. do Tijolo. Dom
Helder foi grande defensor dos direitos humanos e denunciou com muita veemência
a tortura que se praticava no Brasil durante os anos de chumbo da ditadura
militar. O espetáculo dirigido por Dinho Lima Flor e Rodrigo Mercadante que se
define como “missa profana, espiritual e profana” é muito bonito cenicamente e
vem embalado pela Missa Luba (missa africana) e por belas
canções criadas por Caíque Botkay e Jonathan Silva. Sopa e vinho, símbolos de
congraçamento, são compartilhados com o público. Fica clara na montagem a
posição do grupo contra os dogmas de qualquer religião. Cinco músicos fazem
parte do espetáculo e quatro atores dão conta das interpretações (os diretores
e as excelentes Lilian de Lima e Karen Menatti); Flávio Barollo circula
incansavelmente pelo espaço exibindo imagens nos lugares mais surpreendentes. A
apoteótica cena final traz um boneco gigante de Dom Helder, muito bem
acompanhado por Paulo Freire, Garcia Lorca e Patativa do Assaré, personalidades
que fizeram parte de montagens anteriores da Cia. do Tijolo. Espetáculo solar,
apesar do tema tratado.
E
assim o fim de semana assistiu ao desencanto do universo sombrio beckettiano
temperado com a esperança solar de Dom Helder Câmara. VIVA O TEATRO!
04/07/2016
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