Triste tempo presente
Em
que falar de amor e flor
É
esquecer que tanta gente
Tá
sofrendo tanta dor
(Augusto Boal e G. Guarnieri em Arena Conta Zumbi,
a partir do poema Aos Que Vão Nascer de B. Brecht)
Importa
escrever sobre encenação, dramaturgia, interpretação, cenografia e iluminação
diante da tragédia ocorrida em Mariana em novembro de 2015? Tragédia esta
anunciada e decorrente do descaso de empresas e autoridades (in) competentes
cujos únicos objetivos são a ganância e o lucro.
Citando
mais uma vez Boal/Guarnieri/Brecht: “A
voz da minha gente se levantou e a minha voz junto com a dela” Como cidadãos
(elenco e público), damos nosso grito de indignação com os fatos apresentados
na peça, pois sabemos que “nossas vozes
não podem muito, mas gritar nós bem gritamos; temos certeza que os donos da Samarca
e as autoridades ficariam mais contentes se não ouvissem a nossa voz”.
Só
pelo tema tratado a peça causaria emoção e indignação mesmo que não fosse boa,
mas se trata de uma das melhores montagens desta temporada de 2017 e como
pessoa de teatro me restrinjo ao fato teatral, deixando o assunto em si para a
mídia, sociólogos, antropólogos e historiadores. Fica a ressalva que isso não
pode cair no esquecimento (como parece ser o caso da mídia) porque lembrar é
resistir e vai aí talvez o maior mérito desta encenação idealizada por Munir
Pedrosa.
Seis
dias após o acontecimento Pedrosa viajou para o local da tragédia e recolheu relatos
de pessoas de Bento Rodrigues e Paracatu, dois locais afetados pelo tsunami de
lama e rejeitos sólidos.
De posse desse material foi organizando
junto ao diretor Herbert Bianchi e ao elenco a dramaturgia do que viria a ser Hotel Mariana. A encenação usa a técnica
Verbatim que já havia sido empregada
por Zé Henrique de Paula em 2015 no espetáculo Ao Pé do Ouvido, no qual Bianchi participou como ator e dramaturgo.
Segundo o programa da peça “Verbatim é um
tipo de teatro documentário que reproduz no palco as palavras exatas de
depoimentos reais sobre um determinado tema ou evento”. A técnica se encaixa
como uma luva na proposta de Hotel
Mariana. Munidos de fones de ouvido onde escutam o relato original os
atores reproduzem não só as falas, mas a emoção do entrevistado.
A
organização cênica (cenário e disposição dos atores) de Herbert Bianchi é
exemplar e muito bela, tendo um grande aliado no desenho de luz criado por
Rodrigo Caetano.
A
atuação do elenco é pungente e vai ser muito difícil esquecer a expressão de
dor estampada na face de Angela Barros, a canção entoada pelo velhinho
representado por Rodrigo Caetano (que só fui reconhecer quando interpretou o
prefeito da cidade) e a figura cômica e comovente do “herói” Arnaldo
interpretado por Munir Pedrosa. Não disponho da relação ator/personagem do restante
do elenco, mas todos sem exceção estão perfeitos em suas interpretações.
Hotel
Mariana é espetáculo impactante que merece retorno ao cartaz (a última
apresentação foi em 10/07/2017 na Estação Satyros) por ser belíssimo e mais que
isso, NECESSÁRIO E URGENTE!
11/07/2017
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