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quinta-feira, 2 de novembro de 2017

O REI DA VELA- ANTES E DEPOIS


O REI DA VELA - ANTES


Capa do programa de 1967


        Dedico um capítulo de meu livro O Palco Paulistano de Golpe a Golpe (1964-2016) à montagem de O Rei da Vela de 1967. É uma das encenações mais significativas dentre as mais de 3500 a que assisti nesse mais de meio século como espectador.  Tenho na memória o delirante segundo ato, sobre o qual escrevi “No primeiro e no último atos, a peça extremamente atual de Oswald de Andrade colocava em questão aspectos importantes, como a usura, os malefícios do capitalismo, a importância da luta de classes e a dependência aos Estados Unidos, mas os fundamentos do que viria a ser o tropicalismo e o germe dos futuros espetáculos de José Celso estavam no segundo ato, onde um telão de Hélio Eichbauer, pintado nos moldes das antigas revistas musicais, mostrava uma Baía de Guanabara com cores fortes. Na parte superior, havia – de certo modo adotando proposição épica - a frase de Olavo Bilac “Criança... não verás país nenhum como este”, originalmente escrita em um contexto totalmente diverso e que ironizava a cena apresentada. Defronte a esse cenário, desfilavam as personagens da "família" brasileira: Dona Cesarina, Totó Fruta do Conde, Dona Poloquinha, Joana (João dos Divãs), Heloisa de Lesbos, Abelardo, entre outros. A cena escarnecia com muita ironia e humor dos costumes e valores da burguesia nacional. Ria-se muito. As frases de efeito, criadas pelo autor e tão bem articuladas pelo afiado elenco, eram muito boas, e algumas delas viraram jargão na roda de amigos que frequentavam teatro”

        Pois é, escrita em 1933 ela era atual nos obscuros anos da ditadura militar e, ao que aparece, contínua atualíssima no catastrófico Brasil de 2017.

        Não é sem certo temor que vou revê-la no próximo domingo. A lembrança da montagem de 1967 é muito forte. Não estarão lá Edgard Gurgel Aranha, Etty Fraser, Fernando Peixoto, Liana Duval, Ítala Nandi e tantos outros. Caberá ao Zé Celso e ao Renato Borghi manterem a chama do clima revolucionário que a peça ainda tem.
 
 

27/10/2017

 
O REI DA VELA - DEPOIS
 
 
        Fica difícil colocar em palavras as sensações que tive ao rever, 50 anos depois, a remontagem de O REI DA VELA dirigida por Zé Celso Martinez Corrêa.
 
        A primeira foi de espanto ao constatar a atualidade de uma peça escrita há 80 anos em plena ascensão do nazi-fascismo.
 
        A segunda foi a constatação de como eu era ingênuo aos 23 anos, quando assisti a peça pela primeira vez e como hoje, após ter sentido e ainda estar sentindo na pele os malefícios desse sistema capitalista selvagem consigo entender melhor o que Oswald de Andrade denunciava no texto em 1933 e o que Zé Celso tão bem traduziu cenicamente em 1967, ano que precedeu o famigerado AI-5.
 
        A terceira foi de temor, ao confirmar que o Brasil e o mundo de hoje não estão muito diferentes daqueles que precederam a segunda guerra mundial. O que está apresentação de 2017 está precedendo?
 
        A quarta foi a alegria de ver a energia que Renato Borghi extrai de sua própria fragilidade em função da idade e de um problema sério de coluna, recriando de forma magistral o Abelardo I de meio século atrás. Assistir ao embate dele com Zé Celso como Dona Poloquinha no segundo ato é daqueles raros momentos que só o teatro pode oferecer.
 
        A quinta foi a surpresa de ver recriados nos mínimos detalhes os cenários de Hélio Eichbauer.
 
         A sexta foi o prazer de ver como a tecnologia do século XXI (sonorização, sonoplastia, iluminação) conseguiu enriquecer a montagem de 1967, sem descaracterizá-la.
 
        A sétima foi a surpresa de, desta vez, ter gostado menos do segundo ato, que foi o meu favorito em 1967. Aqui senti falta do elenco original que dava maiores brilho e ritmo à divina “decadence” da família brasileira.
 
        A oitava foi o aperto no coração e a raiva ao ver baixar os painéis dos finais do segundo ato (“Criança, não verás jamais país como este”) e do ato final (“Respeitável público! Não vos pedimos palmas...”).
 
        E finalmente a nona e última: a vontade de ir à luta após a corajosa fala do sempre brilhante e lúcido Zé Celso após o final da peça conclamando o público ao desacovardamento. Suas palavras do que seria uma São Paulo cultural passando pelo Oficina, pelo terreno que pretendem construir torres, pela casa da Dona Yayá, pelo TBC, chegando até o Parque Augusta me levou a acreditar numa utopia atingível e na esperança de dias melhores para o planeta Terra fazendo brotar lágrimas nos olhos.
 
        VETA as TORRES!
 
        ABAIXO A CANALHADA!
 
        E parafraseando Oswald de Andrade: LUTEMOS POR ESSA ENJEITADA, A CULTURA BRASILEIRA!
 
        URGE que os jovens assistam a O REI DA VELA! Os ingressos estão quase esgotados até o fim da temporada, mas vale tentar. Sábados às 19h e domingos às 18h, só até 19/11 no Sesc Pinheiros.
 
        OBS 1: O programa da peça é um primor com reprodução dos cenários, textos esclarecedores e belas fotos das personagens vestindo os figurinos criados por Hélio Eichbauer (são citados todos atores que criaram as personagens ao longo dos anos).
        OBS.2 (a título de propaganda!!): Meu livro “ O Teatro Paulistano de Golpe a Golpe (1964-2016)” contém ampla matéria com fotos e ficha técnica completa da montagem de 1967.
 
        30/10/2017
 
       

 

 

 

Um comentário:

  1. Olá, tudo bem?
    Sou jornalista em Maringá PR. Fiz uma entrevista com o Zé Celso, que será publicada aqui. Posso usar a foto deste cartaz em preto e branco, do Rei da Vela na matéria? É de 1967, né?
    Agradeço a atenção. Donizete.

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