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segunda-feira, 19 de março de 2018

BOCA A BOCA – UM SOLO PARA GREGÓRIO



        Sempre me intrigaram, ao mesmo tempo em que gostava muito, daqueles versos que abrem a canção Triste Bahia que Caetano Veloso lançou no LP Transa de 1972:

        Triste Bahia, oh quão dessemelhante estás
         E estou do nosso antigo estado...”


        Foram precisos 46 anos para eu realizar que aqueles versos foram escritos no século XVII por um poeta baiano que por sua irreverência e seu agressivo e delicioso tom politicamente incorreto foi banido para Angola e ao voltar teve que se radicar em Pernambuco não podendo mais voltar à sua terra natal. Pois é: Triste Bahia! Triste Brasil! Trata-se do mais que atual Gregório de Matos (1636-1996) e é a ele dedicado o ótimo Boca a Boca – Um Solo Para Gregório roteirizado e dirigido por João Sanches e com uma não menos que excepcional interpretação de Ricardo Bittencourt.


        A palavra do poeta, infelizmente extremamente atual, não deixa pedra sobre pedra ao falar dos políticos, das autoridades e da sociedade de sua época, além de criticar maliciosamente os usos e costumes. Simples e direto no conteúdo, mas extremamente sofisticado e complexo no uso de palavras e na construção das frases, o poema de Matos é um desafio para os ouvidos do século XXI e para sua compreensão tem um grande aliado no intérprete Ricardo Bittencourt que usa seus atributos gestuais para explicitar/elucidar este ou aquele dizer mais obscuro, tornando o espetáculo agradável e palatável para qualquer público. Esse tom pop é reforçado pela enxuta direção de João Sanches que se utiliza de poucos elementos cênicos além de criativa iluminação de sua autoria e do acompanhamento musical com a guitarra de Leonardo Bittencourt.
        Além dos poemas de Matos divididos em temas, o roteiro contempla dados da vida do poeta que mostram como este Brasil era, e continua sendo, hipócrita.
        Boca a Boca – Um Solo Para Gregório é espetáculo obrigatório para se conhecer de maneira bastante lúdica um pouco da vida e obra desse quase desconhecido poeta brasileiro, além de testemunhar uma das grandes interpretações do ano.
        Cartaz do SESC Pinheiros somente até o final desta semana (24/03) de quinta a sábado às 20h30.

        19/03/2018

       


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