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segunda-feira, 26 de março de 2018

OPUS XV



RAPSODOS CANTAM ANTROPOFÁGICA

            É gratificante para quem acompanha a cena paulistana ver o amadurecimento e a evolução de um grupo teatral. Não faz muito tempo que acompanho os espetáculos da Companhia Antropofágica; assisti à Trilogia Terror e Miséria no Novo Mundo, me surpreendi com o excelente Desterrados e agora mais uma vez me surpreendo com o novo espetáculo do grupo Opus XV.
        Trata-se quase de uma retrospectiva dos trabalhos do grupo, onde “antropofagizam” (não sei se existe o verbo) várias obras (O Rei da Vela de Oswald de Andrade, A Classe Morta de Tadeusz Kantor, Veridiana de Luis Buñuel, 2001, Uma Odisseia no Espaço de Stanley Kubrick e até um trecho belíssimo de Solo de Clarineta de Érico Veríssimo) e a eles mesmos, porque várias desses atos antropofágicos já foram feitos em outros espetáculos.


        O espetáculo dirigido por Thiago Reis Vasconcelos não esquece em nenhum momento de denunciar as mazelas deste Brasil corrupto, nem do caos da contemporaneidade, mas o faz de maneira multiface, deixando para o espectador a decisão de que lado ficar. A encenação é visualmente bonita auxiliada pela criativa iluminação de Rafael Frederico e Renata Adrianna e pela nova disposição do espaço agora com poltronas mais confortáveis doadas pela nova gestão da SATED.
        O prólogo é realizado na sala de espera do teatro e consta de uma significativa cena do primeiro ato de O Rei da Vela, onde o cliente Pitanga (Marta Guijarro, sempre ótima) vai solicitar uma redução no capital que deve ao agiota Abelardo; segue-se uma cena de conjunto onde Fabi Ribeiro interpreta o texto de Veríssimo que, a meu ver, serve como um manifesto do grupo; texto tão importante que o reproduzo abaixo:

        “Desde que, adulto, comecei a escrever romances, tem-me animado até hoje a ideia de que o menos que um escritor pode fazer, numa época de atrocidades e injustiças como a nossa, é acender a sua lâmpada, trazer luz sobre a realidade de seu mundo, evitando que sobre ele caia a escuridão, propícia aos ladrões, aos assassinos e aos tiranos. Sim, segurar a lâmpada, a despeito da náusea e do horror. Se não tivermos uma lâmpada elétrica, acendamos nosso toco de vela ou, em último caso, risquemos fósforos repetidamente, como um sinal de que não desertamos nosso posto”.

        Uma vez deslocado para o espaço cênico o espectador se depara com o elenco desnudo dando uma pequena biografia e o tempo em que está na companhia. Segue-se um caleidoscópio visual e sonoro que inclui cenas de canto coral numa formação de orquestra cuja composição cênica remete à estética de Kantor (que exerce grande influência no grupo), muita música sob a ótima direção musical de Lucas Vasconcelos, pantomimas, bonecos e até um número de dança em um espetáculo formado de quadros/fragmentos que lembra o formato do teatro de revistas e aqui batizado (apropriadamente, diga-se de passagem) de rapsódia.
        O numeroso elenco é coeso cantando muito bem (preparados por Bruno Mota e pela sempre bem vinda Iraci Tomiato do Engenho Teatral) e interpretando melhor ainda os diversos personagens/tipos que lhe cabe.
        Sabiamente a peça se encerra com o mesmo texto de Érico Veríssimo que abre o espetáculo.
        OPUS XV dura quase duas horas que passam voando. É espetáculo obrigatório para quem ama e acompanha o teatro de grupo realizado em São Paulo. Quem assistir vai testemunhar a maturidade da Companhia Antropofágica que ainda vai continuar nos surpreendendo com seu novo projeto D.E.T.O.X. (Devising Experimental de Toxicologia do Objeto X). OBS: Não entendo por que o título em inglês.

        OPUS XV está em cartaz no Espaço Pyndorama (Rua Turiassú, 481) até 22 de abril, às sextas e aos sábados às 21h e aos domingos às 19h. Entrada gratuita. Mais informações: 3871-0373/contato@antropofagica.com

26/03/2018
       

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