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domingo, 25 de novembro de 2018

QUANDO AS MÁQUINAS PARAM



        Muito se escreve sobre o que é ou não é um clássico e eu não sou a pessoa mais indicada para entrar na seara dessa discussão, mas para mim uma obra é clássica simplesmente quando, tanto na forma como no conteúdo, ela não envelhece. Fica mais fácil isso acontecer quando essa obra trata de relacionamento humano sem entrar no mérito sociopolítico que poderia datar a mesma; na dramaturgia brasileira as 17 peças de Nelson Rodrigues são o melhor exemplo disso. Quem ousa dizer que a obra prima A Falecida vai deixar de ser atual daqui a cem anos?
        O caso de Plínio Marcos é diferente, pois suas peças que se tornaram clássicas (Dois Perdidos Numa Noite Suja, Barrela, Navalha na Carne, Abajur Lilás e Quando as Máquinas Param) têm o forte conteúdo sociopolítico mencionado acima, no entanto continuam dialogando com o tempo presente, talvez porque este nosso pobre país insiste em manter e até em aumentar as diferenças de classe.
        Quando as Máquinas Param é construída na tradição do teatro realista e a montagem de Augusto Zacchi segue essa premissa no cenário, na trilha sonora e na interpretação dos atores.  
        A peça é apresentada em novo espaço teatral da Aliança Francesa, uma sala no segundo andar do prédio da Rua General Jardim bastante apropriada para montagens intimistas como a que ora se apresenta. Espera-se que o local permaneça destinado às atividades teatrais.
        O texto, com diálogos curtos e fluentes, mostra o triste cotidiano do casal Nina e Zé e sua luta pela sobrevivência. Pobres; ele desempregado e descrente das coisas e ela costureira, temente a Deus e acreditando que um dia as coisas vão melhorar. Tudo caminha entre mais baixos que altos até que a revelação da gravidez de Nina dá novos rumos aos acontecimentos.  Plínio Marcos sabiamente insere nessa dramática trama alguns momentos de humor como a paixão de Nina pelas novelas e o fanatismo de Zé pelo Corinthians e a direção da peça soube tirar proveito dessas situações.
        Para um bom resultado, espetáculo desse tipo depende quase que exclusivamente da boa interpretação dos atores e Carol Cashie e Cesar Baccan preenchem totalmente os requisitos.
        Carol Cashie é uma atriz bastante jovem que já tem significativo currículo. Faz parte do que eu chamo de “púpilos do TAPA”, atrizes e atores que passaram pelo grupo de Eduardo Tolentino ( presente como espectador na mesma sessão a que assisti a peça) e que desenvolvem importantes trabalhos na cena paulistana. Sua composição de Nina é muito humana e delicada, tirando o máximo proveito das nuances exigidas pelo papel.
        Cesar Baccan inicia a peça com jeito de “machão chorão”, mas aos poucos assume as contradições da personagem e tem ótimo rendimento.
        Quando as Máquinas Param é teatro da melhor qualidade e merece uma visita ao Teatro Aliança Francesa. Em cartaz até 02/12 com sessões às sextas e aos sábados às 21h e aos domingos às 19h30.

        25/11/2018

terça-feira, 20 de novembro de 2018

ORDINÁRIOS



        É preciso muita arte para ter delicadeza, sutileza e ao mesmo tempo humor ácido e crítico para fazer palhaçaria como se deve e La Mínima talvez seja atualmente a companhia que melhor sabe fazer essa fusão de circo e teatro de forma tão harmoniosa e divertida. Depois de Mistero Buffo (2012) e Pagliacci (2017), surge Ordinários, este outro bijou a ser incorporado em seu consistente repertório e onde Álvaro Assad volta a dirigir o grupo.
        La Mínima era formada basicamente por Fernando Sampaio e Domingos Montagner (o palhaço Agenor). Em 2012, Fernando Paz, excelente ator que já atuou em muitas companhias paulistas, incorporou-se de forma definitiva ao grupo. Após o falecimento de Montagner, Alexandre Roit em Pagliacci e agora Filipe Bregantim em Ordinários, fazem as vezes do personagem metido a galã e valentão que era Agenor.
        Com um roteiro enxuto assinado por Newton Moreno, Álvaro Assad e pelo grupo, contam-se as desventuras de três soldados perdidos em uma guerra tão insana, como qualquer outra guerra. Por meio das dificuldades que eles enfrentam para resgatar um major prisioneiro do inimigo somos testemunhas dos absurdos que fazem parte do mundo contemporâneo. Momentos muito engraçados mesclam-se com outros poéticos e sublimes como a pequena joia que é Fernando Paz tocando O Cisne nos copos singelamente acompanhado pelos outros dois companheiros.
        Fernando Sampaio com sua irresistível máscara facial é responsável pelos momentos mais engraçados da peça; Fernando Paz faz com delicadeza o soldado mais sensível e intelectualizado da tropa e Filipe Bregantim se sai muito bem como o chefe atrapalhado do grupo.
         Ordinários, marchem... até a próxima mina terrestre!
        Voar é com os pássaros e palhaçaria é para quem sabe fazê-la, não tornando o grotesco simplesmente grosseiro, como acontece com muitos espetáculos que tentam se aproximar da linguagem dos palhaços.
        Ordinários é um espetáculo divertido e ao mesmo tempo muito sério com forte carga poética. Para se aplaudir de pé e para se sair do teatro com a alma lavada e alimentada.
        A curta temporada de Ordinários termina hoje (20/11) no Itaú Cultural, onde La Mínima realizou uma série de atividades, mas fique atento que brevemente deve voltar ao cartaz de algum teatro da cidade. IMPERDÍVEL.

        20/11/2108


       

sábado, 17 de novembro de 2018

O ETERNO RETORNO


  
        O novo texto de Samir Yazbek, que está comemorando 30 anos de profissão dramaturgo, traz uma série de referências devidamente creditadas pelo próprio autor no programa da peça: o título é igual ao da memorável montagem do Mestre Antunes Filho de 1981 que abrigava quatro peças de Nelson Rodrigues e este é outra referência do autor, que se utiliza do recurso dramatúrgico-cênico dos três planos (realidade, memória, imaginação) de Vestido de Noiva para demonstrar os conflitos do protagonista (um ator em crise existencial e profissional) com a mãe (memória), o primeiro diretor (imaginação) e a namorada e o amigo produtor (realidade).
        Utilizando-se desses elementos e da linguagem do metateatro o dramaturgo cria trama cheia de significados que extrapola o universo teatral e faz refletir sobre os dias conturbados que estamos vivendo
        A encenação de Sérgio Ferrara faz límpida tradução cênica do texto de Yazbek e é amparada pela belíssima iluminação de Aline Santini. A meu ver trilha menos grandiloquente do que Richard Wagner na cena final surtiria melhor efeito para ilustrar os dramas do protagonista.

Patrícia Gasppar, Helô Cintra Castilho, Luciano Gatti, Carlos Palma e Gustavo Haddad

        Outro grande trunfo do espetáculo é o elenco harmonioso: desde o pequeno papel do amigo produtor muito bem defendido por Gustavo Haddad, passando pelas boas interpretações de Helô Cintra Castilho como a namorada (ótima na cena da ruptura), de Carlos Palma (como o diretor, lembrando Antunes Filho, do qual autor e diretor foram discípulos), de Patrícia Gasppar (grande presença cênica como a mãe) e culminando com Luciano Gatti como o protagonista, em significativo momento de sua carreira que nos últimos anos já nos ofereceu Ato a Quatro, Solilóquios e Se Existe Eu Ainda Não Encontrei, sempre com muito talento e comprovando que ele é um dos melhores atores dessa geração que hoje circula pela faixa dos 40 anos de idade.
        A encenação de O Eterno Retorno é acompanhada pela leitura dramática de cinco peças inéditas do dramaturgo, além de bate-papo sobre dramaturgia contemporânea brasileira e oficina sobre dramaturgia ministrada por Yazbek. (vide datas e horários na programação do SESC 24 de Maio)
        O ETERNO RETORNO está em cartaz no SESC 24 de Maio até 02 de dezembro às sextas (18h e 21h), sábados (21h) e domingos (18h).

        17/11/2108


       


terça-feira, 13 de novembro de 2018

HOTEL TENNESSEE



        A experiência de assistir ao interativo, imersivo e itinerante Hotel Tennessee não chega a ser nova, mas é bela e excitante.



         A sensação inicia quando se chega à Casa Don’Anna, um majestoso casarão construído em 1912 que faz parte do “Conjunto de Imóveis do Campos Elísios” tombado pelo Estado em 2013. A mansão está em perfeito estado de conservação, possui belíssimo jardim com muitas árvores, orquídeas e outras plantas. O jardim abriga restaurante peruano e cafeteria com mesas onde o público pode se acomodar até ser chamado para fazer o check in no hotel. E aí é que realmente começa a aventura.


        O público, ou melhor, os hóspedes são recepcionados por uma jovem e enérgica hostess (desempenho da atriz Ana Lys, que, entre outras qualidades, tem dicção perfeita) que dá as informações necessárias sobre o funcionamento do hotel e as regras da casa.
        Adentra-se o lobby que contém o front desk, tenda de bebidas e petiscos e loja de souvenir, aí acontecem as primeiras ações com a participação do dono do hotel, dos funcionários, do próprio Tennessee Williams e até de alguns hóspedes famosos como a atriz Rita Hayworth. A veracidade das cenas é notável, fazendo com que nos sintamos como verdadeiros hóspedes testemunhas oculares do que ali se passa.
        Após o check in somos confrontados com os conflitos dos funcionários para em seguida rumar para o Bar Peacock onde assistimos à cena selecionada para aquela sessão (12 peças de Tennessee Williams são a base do projeto e em cada sessão são apresentados trechos de algumas delas).
        Uma imponente escada de mármore adornada por colorido vitrô nos leva aos quartos onde será apresentada a última cena da noite. Nossa hospedagem chega ao fim e só resta nos dirigirmos à recepção para fazer o check out.
        Elenco jovem e afinadíssimo dirigido por Brian Penido Ross e Ana Lys compõe tanto os funcionários do hotel, como os personagens das peças representadas. É estimulante ver o rendimento do conjunto que provém de um grupo de estudos da obra de Tennessee Williams realizado pelo Grupo TAPA.
        Hotel Tennessee é uma das gratas surpresas teatrais deste ano tão conturbado para as artes, para a cultura e para o país de maneira geral e merece ser prestigiado não só pelas suas qualidades artísticas como também por divulgar um verdadeiro oásis existente nas proximidades da Cracolândia. (Não se preocupe que o acesso ao local é bastante seguro tanto por transporte público como por auto)

        HOTEL TENNESSEE está em cartaz até 02 de dezembro na Casa Don’Anna (Rua Guaianazes, 1149 – esquina com a Alameda Nothmann) às quintas (20h), sextas (21h), sábados (19h e 21h) e domingos (17h30 e 19h30). É obrigatório fazer reserva pelo whatzap de Mrs Wire: 11 99386 8150.

        13/11/2018



terça-feira, 6 de novembro de 2018

O DESMONTE



AINDA RESTA UMA ESPERANÇA

        Nelson Rodrigues tinha pouco menos de 30 anos quando escreveu sua primeira peça A Mulher Sem Pecado e atingiu a fama aos 31 quando estreou Vestido de Noiva em 1943. O mesmo se deu com Jorge Andrade que escreveu O Telescópio aos 29 anos e tornou-se conhecido em 1954 com A Moratória. Gianfrancesco Guarnieri escreve sua obra prima Eles Não Usam Black Tie aos 23 anos. E no campo da música para teatro basta lembrar-se de Edu Lobo com a trilha para Arena Conta Zumbi aos 22 anos e Chico Buarque com a mesma idade compondo para Morte e Vida Severina.

           Flor da idade, onde estás nos dias de hoje?

        Sempre me faço essa pergunta cada vez que entro em um teatro para assistir a um espetáculo realizado por jovens e tenho boas surpresas no campo da interpretação e da direção, mas confesso que raramente isso ocorre em relação à dramaturgia.   
        E eis que o jovem e talentoso trinômio autor/diretor/ator se concretizou na noite de ontem, quando assisti, já em final de temporada, ao surpreendente O Desmonte, escrito e dirigido por Amarildo Felix e interpretado por Vitor Placca.


        Um homem isola-se do mundo ao perder alguém e sofre um verdadeiro desmonte físico e moral. Acaba achando companhia em um rato, que a princípio o incomoda, mas depois acaba fazendo parte dele. Com essa simples premissa, Felix escreve texto repleto de poesia indignada e potente que mantém essa potência na sua tradução cênica tendo por base a excepcional atuação de Vitor Placca, sem dúvida uma das melhores deste ano prestes a acabar. Toda essa beleza é realizada por dois jovens artistas beirando os 30 anos que contribuem e vão continuar contribuindo de maneira inestimável com o teatro brasileiro... Se a realidade do nosso país assim o permitir, é claro!
        Artistas maravilhosos como Antunes Filho, Fernanda Montenegro, Laura Cardoso, Zé Celso Martinez Corrêa, Renato Borghi, Nathalia Timberg estão aí muito firmes enriquecendo nossos palcos, mas necessitamos desse sangue jovem para dar continuidade ao tesouro inestimável que é nosso teatro.
        O DESMONTE está em cartaz na Oficina Cultural Oswald de Andrade às segundas e terças às 20h, só até a próxima semana (13/11). Entrada gratuita. IMPERDÍVEL para todos aqueles que acreditam na qualidade e na renovação do nosso teatro.

        06/11/2018