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sexta-feira, 15 de fevereiro de 2019

GOTA D’ÁGUA (PRETA)



        Um pouco de história

        Meu currículo de espectador abriga cerca de 3800 peças desde que me apaixonei pelo teatro em 1964. Em meu livro O Palco Paulistano de Golpe a Golpe (1964-2016) atesto uma grande lacuna ocorrida no final dos anos 1970 quando, por diversas razões, não pude assistir à antológica montagem de Gota d’Água escrita por Chico Buarque e Paulo Pontes (1940-1976) e dirigida por Gianni Ratto (1916-2005) com a visceral interpretação da já saudosa Bibi Ferreira (1922-2019), desaparecida nesta semana. A emoção se renova cada vez que ouço os monólogos de Joana contidos no LP gravado na época por Bibi.
        Outras Joanas povoaram nossos palcos nesses 40 anos: Cleide Queiroz, poderosa, na montagem dirigida por Gabriel Villela em 2001, Georgette Fadel (2006) e Laila Garin (2016); estas duas últimas em versões adaptadas do original.

        A montagem atual


        Em momento oportuno do nosso país e com a intenção de dar voz a elenco negro, uma vez que a peça tem ação na Vila do Meio Dia, zona periférica onde a raça negra predomina, Jé Oliveira realiza esta potente montagem em cartaz no Itaú Cultural. Trata-se da primeira montagem com elenco negro, mas não a primeira Joana negra, pois Cleide Queirós já a interpretou na encenação já citada de Villela.
        O texto de Chico Buarque e Paulo Pontes tem muita força nos dias atuais onde a ganância e o poder concentrado nas mãos de poucos continuam a dominar o cenário brasileiro, mas há certa verborragia que poderia ser trabalhada pelo diretor, o mesmo, porém,  optou pela montagem integral com direito a inserções de cenas de candomblé que somadas a problemas de ritmo (que devem ser sanados durante a temporada) resultaram em apresentação de quase três horas e meia de duração. Com exceção do início com a conversa das vizinhas que demora a engrenar, o primeiro ato é impactante e ao seu final, o público emocionado aguarda ansioso a continuidade da trama. O segundo ato, porém, carece de ritmo e arrasta-se para um final, que da maneira que é apresentado, é bastante frustrante.
            O uso intermitente de microfones revela-se não funcional e cansativo, sendo mais um dos elementos que prolongam desnecessariamente o espetáculo. 
        A peça conta com três grandes interpretações: Salloma Salomão está emocionante como o sábio e suave Egeu; Rodrigo Mercadante tem força, talento e ótima dicção para nos indignar com seu asqueroso Creonte e Juçara Marçal, cantora, estreando como atriz, e que atriz! Sua Joana é tocante tanto na fúria como na suavidade, lembrando (sem imitar) momentos consagrados por Bibi Ferreira que só conheço em gravação. Causa estranhamento uma mesma atriz interpretar a vizinha Zaíra e a filha de Creonte, uma vez que a montagem não utilizou o sistema coringa, nem recursos épicos na sua concepção. Jé Oliveira se sai melhor como encenador do que como ator: seu Jasão tem o gingado do malandro do morro, mas não tem força para enfrentar Joana, nem consegue externar suas mudanças de comportamento até se consolidar como aproveitador e comparsa de Creonte.
        Citações de Você Não Gosta de Mim, Mas Sua Filha Gosta e Deus Lhe Pague, permeiam as canções originais de Chico Buarque para a peça, assim como, ritmos afros e de rap dando colorido especial e atualidade à encenação, há porém, uma incômoda trilha gravada que acompanha certos números musicais. O acompanhamento musical ao vivo é ótimo e é interessante e bonito o uso das vozes de Bibi Ferreira e de Chico em certos momentos, como também a homenagem que se faz à montagem original de 1975 incluindo entre os adereços de cena a capa do LP gravado na época.
        Resta ainda uma saudação a Oduvaldo Vianna Filho (1936-1974), o Vianninha, que adaptou a Medeia de Eurípedes para a televisão e essa adaptação foi a inspiração para Chico e Pontes escreverem a obra prima Gota d’Água.
       
        GOTA d’ÁGUA (PRETA) está em cartaz até o próximo domingo (17) no Itaú Cultural com sessões gratuitas bastante concorridas (sexta e sábado às 20h e domingo às 19h). Volta ao cartaz de 08 a 24 de março no Centro Cultural São Paulo ás sextas e sábados ás 20h30 e domingos às 19h30.

        15/02/2019

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