Na
época de seu lançamento nos anos 1990, esta peça tinha dois subtítulos: “Uma peça dos tempos da AIDS” e “Fantasia gay sobre temas nacionais americanos”. Mais de vinte anos depois este épico
contemporâneo dispensa esses subtítulos, pois por suas qualidades tornou-se um
clássico e suas bases são atemporais. A AIDS está muito presente, mas pode ser
tomada como uma metáfora dos males e perigos a que a contemporaneidade está
sujeita.
Sendo
assim é muito bem vinda e oportuna a iniciativa da Armazém Companhia de Teatro de montá-la nos dias de hoje. A peça é
constituída de duas partes de 150 minutos cada (O Milênio Se Aproxima e Perestroika) e está sendo apresentada na
íntegra. Em São Paulo houve apenas a montagem da primeira parte em 1995 com
direção de Iacov Hillel.
A
peça, bastante abrangente, trata de política (foi escrita durante a republicana
e conservadora Era Reagan, com a qual o governo Trump muito se assemelha),
homossexualidade, preconceitos raciais e de gênero, além de assuntos filosóficos
e existenciais. Bastante complexa recebeu encenação precisa e enxuta de Paulo
de Moraes que depois de enveredar por encenações com dramaturgias, a meu modo
de ver, bastante equivocadas e fazer um Hamlet
mais equivocado ainda, acerta em cheio com esse longo espetáculo com seis horas
de duração (cada parte pode ser vista separadamente).
A
encenação é clean, com o espaço
cênico quase vazio e com rica projeção (Rico Vilarouca e Renato Vilarouca) em
uma tela em plano inclinado situada no alto do palco. Ali são projetadas as
explosões e cenas dantescas provocadas pelas visões do personagem Prior e que
precedem o surgimento do Anjo. Colaboram para a beleza do espetáculo a
iluminação de Maneco Quinderé e a trilha sonora de Ricco Vianna com sugestivos
solos de bateria de Rick De La Torre. A direção de movimento dos atores em cena
(Paulo Mantuano) é bastante dinâmica e a saída de alguém sempre corresponde à
entrada de outrem, evitando os indesejáveis tempos mortos.
Patrícia
Selonk tem novo brilhante momento de sua carreira interpretando vários
personagens com destaque para o Rabino, Ethel Rosenberg e a mãe Hannah Pitt.
Sempre ótimo e com forte presença, Marcos Martins faz, entre outros, o Anjo.
Sérgio Machado transmite energia com seu asqueroso Roy Cohn. Ricardo Martins
compõe com precisão o enrustido Joe Pitt. Os gays são apresentados sempre
bonitos, sedutores e musculosos e é muito interessante a escolha de um ator sem
essas características (Luís Felipe Leprevost) para o papel de Louis. Lisa Eiras
é responsável por alguns momentos descontraídos e engraçados como Harper, a
esposa de Joe; é ela também a responsável pela primeira personagem que se
liberta das amarras familiares e tem uma belíssima fala quase ao final sobre as
almas que circulam no espaço. A responsabilidade de Jopa Moraes é muito grande
para interpretar o protagonista Prior, mas não corresponde totalmente,
principalmente, por suas limitações vocais. E propositalmente por último, o
grande destaque do espetáculo: Thiago Catarino está não menos que excepcional
como o enfermeiro Belize e merece estar na lista das melhores interpretações do
ano (suas intervenções junto ao enfermo Roy são absolutamente deliciosas).
A cena final no Central Park de Nova York com o anjo Bethesda como
testemunha é um voto de esperança no milênio que estava por vir, mas a
realidade destes primeiros anos do século XXI tem se mostrado cruel,
desesperançosa e muito distante do otimismo com que se aguardava a era de Aquário.
ANGELS
IN AMERICA é, com certeza, um dos grandes acontecimentos teatrais de 2019 e
está em cartaz no recém-batizado Teatro Antunes Filho do SESC Vila Mariana até
02/06.
ParteI:
O Milênio Se Aproxima – Sextas, 21h/ Sábados, 18h
Parte
II: Perestroika – Sábados, 21h/ Domingos, 18h
06/05/2019
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