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terça-feira, 7 de maio de 2019

ANGELS IN AMERICA



        Na época de seu lançamento nos anos 1990, esta peça tinha dois subtítulos: “Uma peça dos tempos da AIDS” e “Fantasia gay sobre temas nacionais americanos”. Mais de vinte anos depois este épico contemporâneo dispensa esses subtítulos, pois por suas qualidades tornou-se um clássico e suas bases são atemporais. A AIDS está muito presente, mas pode ser tomada como uma metáfora dos males e perigos a que a contemporaneidade está sujeita.
        Sendo assim é muito bem vinda e oportuna a iniciativa da Armazém Companhia de Teatro de montá-la nos dias de hoje. A peça é constituída de duas partes de 150 minutos cada (O Milênio Se Aproxima e Perestroika) e está sendo apresentada na íntegra. Em São Paulo houve apenas a montagem da primeira parte em 1995 com direção de Iacov Hillel.
        A peça, bastante abrangente, trata de política (foi escrita durante a republicana e conservadora Era Reagan, com a qual o governo Trump muito se assemelha), homossexualidade, preconceitos raciais e de gênero, além de assuntos filosóficos e existenciais. Bastante complexa recebeu encenação precisa e enxuta de Paulo de Moraes que depois de enveredar por encenações com dramaturgias, a meu modo de ver, bastante equivocadas e fazer um Hamlet mais equivocado ainda, acerta em cheio com esse longo espetáculo com seis horas de duração (cada parte pode ser vista separadamente).
        A encenação é clean, com o espaço cênico quase vazio e com rica projeção (Rico Vilarouca e Renato Vilarouca) em uma tela em plano inclinado situada no alto do palco. Ali são projetadas as explosões e cenas dantescas provocadas pelas visões do personagem Prior e que precedem o surgimento do Anjo. Colaboram para a beleza do espetáculo a iluminação de Maneco Quinderé e a trilha sonora de Ricco Vianna com sugestivos solos de bateria de Rick De La Torre. A direção de movimento dos atores em cena (Paulo Mantuano) é bastante dinâmica e a saída de alguém sempre corresponde à entrada de outrem, evitando os indesejáveis tempos mortos.
        Patrícia Selonk tem novo brilhante momento de sua carreira interpretando vários personagens com destaque para o Rabino, Ethel Rosenberg e a mãe Hannah Pitt. Sempre ótimo e com forte presença, Marcos Martins faz, entre outros, o Anjo. Sérgio Machado transmite energia com seu asqueroso Roy Cohn. Ricardo Martins compõe com precisão o enrustido Joe Pitt. Os gays são apresentados sempre bonitos, sedutores e musculosos e é muito interessante a escolha de um ator sem essas características (Luís Felipe Leprevost) para o papel de Louis. Lisa Eiras é responsável por alguns momentos descontraídos e engraçados como Harper, a esposa de Joe; é ela também a responsável pela primeira personagem que se liberta das amarras familiares e tem uma belíssima fala quase ao final sobre as almas que circulam no espaço. A responsabilidade de Jopa Moraes é muito grande para interpretar o protagonista Prior, mas não corresponde totalmente, principalmente, por suas limitações vocais. E propositalmente por último, o grande destaque do espetáculo: Thiago Catarino está não menos que excepcional como o enfermeiro Belize e merece estar na lista das melhores interpretações do ano (suas intervenções junto ao enfermo Roy são absolutamente deliciosas).
        A cena final no Central Park de Nova York com o anjo Bethesda como testemunha é um voto de esperança no milênio que estava por vir, mas a realidade destes primeiros anos do século XXI tem se mostrado cruel, desesperançosa e muito distante do otimismo com que se aguardava a era de Aquário. 
        ANGELS IN AMERICA é, com certeza, um dos grandes acontecimentos teatrais de 2019 e está em cartaz no recém-batizado Teatro Antunes Filho do SESC Vila Mariana até 02/06.

        ParteI: O Milênio Se Aproxima – Sextas, 21h/ Sábados, 18h
        Parte II: Perestroika – Sábados, 21h/ Domingos, 18h

        06/05/2019


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