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domingo, 9 de fevereiro de 2020

CORPO



        O primeiro filme em episódios a que assisti foi Páginas da Vida (Full House), clássico de 1952 do cinema norte americano dirigido por seis diretores em torno dos contos do escritor O. Henry. Esse formato tornou-se bastante popular no cinema italiano dos anos 1950/1960 e atingiu seu auge em 1962 com Boccaccio ’70, reunindo na direção das quatro cenas nada menos que Fellini, Visconti, Monicelli e De Sica.

        Curiosamente o teatro raramente utiliza o que podemos chamar de “peça em episódios”, formato atraente que agrupa vários talentos em torno de determinado tema e que em cenas curtas dizem o essencial (apesar de às vezes poderem ser superficiais) sem a obrigação de criar sub tramas para preencher os 60 minutos mínimos para compor um espetáculo.

        Essa é a fórmula adotada por Marcos Gomes e Lucas Mayor, idealizadores desse bem sucedido Corpo em cartaz no aconchegante teatro de Mário Bortolloto.
        São cinco histórias inspiradas pelo artigo O Inquietante de Sigmund Freud que comenta o estranhamento do cotidiano. Outros temas como a alteridade foram se incorporando durante a escrita das cenas e parece que ao final tudo acabou se concentrando, de uma maneira ou de outra, no corpo físico, daí o título do espetáculo.
        Na maioria dos espetáculos desse tipo seja no cinema ou no teatro as cenas são irregulares, algumas melhor sucedidas que as outras tanto na escrita, como na encenação e/ou interpretação. Este Corpo é uma honrosa exceção que confirma a regra: as cinco cenas são muito bem escritas e os atores, sempre em dupla, as defendem bravamente. No palco nu e com o auxílio apenas da luz e de excelente trilha sonora os diretores Marcos Gomes e Lucas Mayor costuram harmoniosamente as cinco cenas apresentadas.
 
        Silvia Gomez visita novamente o teatro do absurdo para mostrar a inquietude de uma mulher ao notar algo estranho que cresce no corpo do homem. Falando diretamente ao público, Pablo Perosa e Rebecca Leão defendem esta primeira cena.

        Lucas Mayor escreveu a cena onde um casal discute a mudança em suas vidas com a chegada de um filho que não dorme. A meu ver esta é a cena melhor realizada. Muito cruel e ao mesmo tempo engraçada tem excelentes interpretações de Pedro Guilherme e Antoniela Canto. Na sessão a que assisti os atores foram merecidamente aplaudidos ao final da cena.
 
Pedro Guilherme e Antoniela Canto
 
        Carla Kinzo é a dramaturga da terceira cena onde duas velhas irmãs bisbilhoteiras comentam pela janela a vida de uma vizinha. Andréa Tedesco (sempre ótima e quase irreconhecível) e Daniela Schitini interpretam com muito humor as duas irmãs.

        Uma visita à oftalmologista que extrapola a questão ocular é a peça de Fernanda Rocha com Antoniela Canto e Monalisa Vasconcelos.

        O show de Ester Laccava como uma extravagante vizinha de longos cabelos encaracolados ficou para a última cena escrita por Marcos Gomes. Aqui surge com maior evidência a questão do “outro”. Ester brilha ao lado do(s) seu(s) vizinho(s), interpretado(s) por Nelson Peres.

        Corpo é um espetáculo agradável e até divertido de se assistir, mesmo tocando em questões muito sérias, graves e até cruéis, das relações humanas.

        CORPO está em cartaz no Teatro Cemitério de Automóveis até 15/02 aos sábados (21h) e aos domingos (20h). NÃO DEIXE DE VER.

        OBS: Alguns dados da ficha técnica me foram gentilmente cedidos pela atriz Antoniela Canto.




        09/02/2020

 

 

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