Eu comecei a ir ao cinema ainda no
colo do meu pai e lembro vagamente da sala de cinema na qual assisti aos meus
primeiros filmes. Era o Cine São Carlos na Rua Guaicurus no bairro da Água
Branca. Esse cinema que na minha memória se assemelhava - no que se refere à
arquitetura - ao Theatro Municipal, tinha capacidade de 2200 lugares divididos
entre plateia, frisas, camarotes, anfiteatro e galeria. Inaugurado na década de
1920, foi desativado em 1951 quando eu tinha sete anos.
Em 1950 foi inaugurado o Cine Nacional
na Rua Clélia com 3300 lugares e em 1951 foi a vez do Cine Tropical na Rua Roma
com pouco mais de 2000 poltronas. O bairro estava bem servido de cinemas que
exibiam os mesmos filmes que estavam em cartaz na chamada Cinelândia, área onde
se concentravam os cinemas do centro da cidade (Avenida São João e
adjacências).
Para um garoto com pouco menos de dez
anos era um verdadeiro paraíso poder ir ao cinema e assistir aos desenhos do
Walt Disney e aos filmes com censura livre (perdi a conta do número de vezes
que assisti a Aladim e a Lâmpada Maravilhosa nas matinês de domingo no
Cine Nacional).
Era uma festa também quando na época
do carnaval estreavam as chanchadas da Atlântida estreladas por Oscarito,
Grande Otelo e Eliana, a eterna mocinha virgem sempre apaixonada pelo galã, que
podia ser Anselmo Duarte, Cyll Farney ou John Herbert. O papel de vilão ficava sempre
com José Lewgoy.
As chanchadas eram recheadas com
números musicais onde os cantores da moda interpretavam as marchas de carnaval
do ano, tratava-se de uma versão pobre e cabocla dos ricos musicais da Metro
dos anos 1950, onde até alguns títulos parodiavam aqueles dos filmes
norte-americanos: Matar ou Correr (de Matar ou Morrer), Nem
Sansão, Nem Dalila (de Sansão e Dalila).
Talvez já com o espírito de
colecionador (as más línguas me chamam de acumulador) eu queria trazer para
casa um pouco daquele mundo que eu via no cinema e foi assim que, para
desespero dos meus pais, eu enveredei pelo mundo dos álbuns de figurinhas e
pelas revistas de cinema Cinelândia e Filmelândia, desta última
eu ainda tenho os primeiros 30 números encadernados.
Os mais queridos álbuns também atravessaram
esses 60 anos comigo, resistindo a mudanças de casa e faxinas. São três ainda bem
conservados e todos completos, sem faltar uma figurinha: Bambi, A Dama e o
Vagabundo e Ídolos da Tela.
Ídolos da Tela é para mim o mais precioso, ali eu
contemplava os artistas de cinema pelos quais eu tinha verdadeiro fascínio e
que eu via mais nas revistas do que nas telas, já que a maioria dos filmes era
impróprio para menores de dez anos. O álbum lançado em 1952 era composto de 450
figurinhas com nove artistas em cada página, sendo que a foto central era, em
sua maioria, reservada para estrelas e astros do cinema brasileiro.
A duras penas consegui preencher 449
espaços, mas aquele de número 354, reservado ao Vittorio Gassman, permaneceu
vazio, apesar de todos os esforços tanto meus como de meus pais, comprando mais
pacotinhos e ajudando na troca com outros colecionadores.
Passaram-se 50 anos e cada vez que eu
olhava para aquele álbum lastimava que ele estava incompleto, nessas alturas Vittorio Gassman
já havia falecido. Certo dia conversando com minha amiga Zuleica Saldanha, colecionadora
de cartões postais, recebi o alento de que ela talvez conseguisse a tal
figurinha.
O tempo passou e minha esperança de
completar o álbum foi esvanecendo, achar aquela figurinha tão antiga era quase
impossível e assim cheguei a me esquecer da conversa com a Zuleica.
Certo dia chega uma carta registrada
que recebo sem saber do que se trata. Abro e para minha surpresa e alegria me
deparo com o jovem Vittorio Gassman que foi direto para seu endereço no número
354 dos Ídolos da Tela. Ele pode ser visto no canto superior direito da
foto abaixo.
Aleluia! Completei meu álbum meio século depois de iniciá-lo.
06/10/2020
Boas lembranças do nosso querido e extinto Cine Éden, Ipiaú/BA
ResponderExcluirZé as suas lembranças são também as nossas lembranças dos seus primos que conviveram muito com você desses tempos! Obrigado, por nos proporcionar uma "volta ao passado"
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