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segunda-feira, 30 de novembro de 2020

TAPA VIRTUAL e A PENTEADEIRA

 

Eduardo Tolentino, além da incontestável excelência como encenador e líder do Grupo TAPA desde sua fundação há 41 anos, é um verdadeiro caçador de tesouros. Graças a ele tivemos acesso, entre outras, às peças de Jean Tardieu e às peças curtas de Pirandello. Além disso, sua apurada escolha de repertório nos trouxe clássicos da dramaturgia nacional e internacional em mais de 70 títulos sempre apresentados com extremo profissionalismo.

Em tempos de pandemia Tolentino foi em busca de textos que teriam bons resultados para montagens virtuais: peças curtas com poucos personagens e que não requeressem grandes aparatos cênicos e novamente está nos trazendo algumas joias.

Tivemos contato com Encontro no Bar, texto esquecido do também pouco lembrado Bráulio Pedroso, que permitiu deliciosas interpretações de Clara Carvalho, Brian Penido Ross e Guilherme Sant’Anna.

Seguiu-se o curioso Diálogo Com os Personagens, monólogo tipicamente pirandelliano onde o dramaturgo interpretado por Brian Penido Ross conversa com os personagens que está criando, principalmente, aqueles da peça Assim É, Se Lhe Parece. Pura delícia!

O texto de Cecé, também de Pirandello, carece de maior profundidade, mas rendeu belos trabalhos de André Garolli, Antoniela Canto e Riba Carlovich.

Outro grande momento dessa mostra virtual do TAPA foi Uma Aventura Parisiense de Guy de Maupassant com Denise Weinberg em estado de graça narrando as aventuras de uma provinciana francesa quando em visita a Paris.

Agora foi a vez de A Penteadeira onde Tolentino fez harmoniosa junção de três autores, seis personagens, uma atriz e um ator em torno de penteadeiras parisiense, vienense e carioca. Um narrador costura as três peças curtas de forma deliciosa.

Guy de Maupassant comparece mais uma vez com No Quarto de Dormir, uma crítica mordaz à aristocracia francesa do início do século 20 (a cena fez parte da montagem Contos de Sedução de 2002). 

Depois é a vez do olhar frio e cirúrgico de Arthur Schnitzler (autor do livro História de Um Sonho que deu origem ao filme De Olhos Bem Fechados de Stanley Kubrick) em Joias, que trata de um casal onde o homem tem ciúmes doentios da mulher. 

Para a terceira parte Tolentino foi buscar no Rio de Janeiro do começo do século passado uma peça de João do Rio intitulada Pena Ser Só Ladrão onde um gatuno invade o muquifo de uma prostituta para roubar e ela, a princípio apavorada, acaba gostando da ideia (a situação remete a Fala Baixo, Senão Eu Grito, grande sucesso de 1969, escrito por Leilah Assumpção e com interpretação inesquecível de Marília Pêra).

Camila Czerkes (linda e charmosa com seus longos cabelos loiros) e Bruno Barchesi (classudo e também charmoso) dão conta com muita versatilidade dos três personagens que cada um tem que defender iniciando com a leviandade parisiense, passando pela quase tragédia vienense e chegando à malemolência carioca.

Ariel Cannal faz a amarração das três peças de maneira informal e espirituosa.

As peças se passam em três ambientes diferentes do Teatro Aliança Francesa - local de onde foram transmitidas - sempre com a presença de uma penteadeira.

E tudo indica que na próxima semana (sábado, dia 05/12, às 19h) haverá outro grande momento na mostra do Grupo TAPA: a grande Walderez de Barros interpreta As Portas da Noite de Jacques Prévert, espetáculo que o TAPA realizou com grande sucesso em 1992 e que retorna de forma virtual. 

Em tempo: Vários espetáculos do TAPA estão registrados em vídeo e os DVDs podem ser adquiridos na loja do grupo pelo site grupotapa.com.br 

30/11/2020



sexta-feira, 27 de novembro de 2020

A SEMENTE DA ROMÃ

 

 

INTRODUÇÃO INÚTIL

No quintal da minha infância havia uma linda romãzeira plantada pela minha nonninha e cuidada por ela com muito amor. Era um pequeno arbusto com pequenas folhas muito lustras e que ficava mais lindo quando florescia e frutificava. Na minha imaginação infantil ele se assemelhava à árvore do maná que aparecia no filme Os Dez Mandamentos, épico bíblico hollywoodiano muito famoso na época.

Certa vez acordamos pela manhã com a pequena árvore totalmente nua, devastada numa única noite por um bando de saúvas que invadiu nosso quintal. Tenho presente na memória o semblante triste de minha avó diante da pequena tragédia ocorrida, mas nossa romãzeira se recuperou e tempos depois voltou a florescer (aliás, sua flor vermelha é muito linda) e a frutificar.

Degustar uma romã era uma delícia. Partindo sua casca grossa colocávamos seus gomos vermelhos na boca e mastigávamos até restarem apenas as sementes. Após secá-las, embrulhávamos e colocávamos as sementes na carteira para dar sorte.

O título da peça da Companhia da Memória me remeteu a essa lembrança e apesar de ela não ter nada a ver com o espetáculo, não resisti e estou a incluindo nesta matéria.

Por sinal, procuro por meio dessa historinha, entender o título da peça. 

O ESPETÁCULO

Existe uma curiosidade muito grande em assistir no teatro a esse projeto da Companhia da Memória que põe simultaneamente em cena as peças As Três Irmãs em uma plateia e A Semente da Romã na outra, mesmo que esse recurso cênico já tenha sido utilizado, entre outros,  por Leonardo Moreira em Wiosna (2016), Christiane Jatahy em Ítaca - Nossa Odisseia 1 (2018) e, de certa maneira, pelo próprio Ruy Cortez no memorável Karamázov (2014).

Na impossibilidade de vê-lo em sua completude por conta do isolamento social, temos que nos contentar em assistir à versão digital de A Semente da Romã, o que já se reveste de um grande prazer.

O texto de Luís Alberto de Abreu mostra os bastidores de um teatro onde um grupo de atores aguarda seu momento de entrar em cena. São três gerações de artistas discutindo as delícias e as amarguras do fazer teatral e das dificuldades em sobreviver vivendo da arte e da cultura, assuntos tão negligenciados neste país que foi esquecido por Dionísio.

Ao que parece os atores gravaram suas falas individualmente, as quais foram posteriormente editadas. Esse fato traz alguns problemas de continuidade e dá certo tom artificial aos diálogos, mas o elenco é tão bom que isso não afeta a emoção do espectador. O elenco atua próximo à câmera (dando o efeito zoom cinematográfico) e olhando para ela, como se a mesma fosse seu interlocutor. 

Walderez de Barros (Ariela) e Sérgio Mamberti (Guilherme) brilham! Representando a geração mais velha, eles trazem as lembranças do teatro dos anos 1960/1970 (a recordação de Mamberti da montagem de As Três Irmãs realizada pelo Grupo Oficina em 1972, abre o espetáculo e é um dos grandes momentos do mesmo).

 A geração intermediária representada por Ondina Clais, Lavínia Pannunzio e Eduardo Estrela mostra personagens com características diferentes. O inconformismo e a revolta de Augusto (Estrela) contrapõem-se às esperanças de Maria Antonia (Lavínia) e ao desencanto com a profissão de Katia (Ondina). Outro grande momento da peça é o emocionante diálogo entre Maria Antonia e Katia, quando esta resolve abandonar a profissão.

João Vasconcellos é Deusdeu Aparecido, o jovem apaixonado pelo teatro e esperançoso com seu sucesso futuro como ator. 

Os diálogos são intercalados por belas cenas mostrando o camarim dos atores e seus objetos pessoais ao som da trilha sonora de Thomas Rohrer.

A velha atriz Ariela termina esta bela peça citando o grande Plínio Marcos e oferecendo uma galharufa ao jovem ator Deusdeu, passando a ele a tocha sagrada do teatro que nunca será apagada. 

Este emocionante aperitivo para o projeto completo dirigido por Marina Nogaeva Tenório e Ruy Cortez faz temporada virtual até 08/12 TODOS OS DIAS DA SEMANA  às 21h e aos domingos às 17h e às 21h. Pelo Sympla. 


27/11/2020

 

 

 

 

sábado, 14 de novembro de 2020

JACKSONS DO PANDEIRO

 


Barca dos Corações Partidos é um grupo brilhantemente solar, haja vista seus ensolarados Auê (2016, direção de Duda Maia) e Suassuna – O Auto do Reino do Sol (2017, direção de Luiz Carlos Vasconcelos). Seguiu-se a versão sombria de Macunaíma (2019, direção de Bia Lessa) onde, no meu modo de ver, o grupo não estava muito à vontade. Eis que o grupo retorna mais solar do que nunca neste final pandêmico de 2020 de novo sob a batuta de Duda Maia para contar e cantar Jackson do Pandeiro, por enquanto via digital. É, segundo eles, uma “homenagem sincopada” ao compositor paraibano.

Duda Maia é a maga da direção de movimento do teatro brasileiro, suas dinâmicas e criativas coreografias são uma marca registrada facilmente reconhecível e ganham muita vida com os meninos da Barca.

Assistir Jacksons na telinha do computador é um pouco frustrante, mas mesmo assim, absolutamente encantador e delicioso. É espetáculo para se assistir ao vivo, com a plateia vibrando e aplaudindo ao final de cada número, um mais sedutor que o outro, mas enquanto o vírus não permite, vamos nos contentando com a versão on line que, diga-se de passagem, tem seus atrativos particulares: a  linguagem cinematográfica com a câmera dirigindo nosso olhar para detalhes de cada momento (é claro, que às vezes, nossos olhos queriam estar em outra parte da cena, mas a escolha da direção é quase sempre acertada) com bem vindos closes de cada intérprete e até tomadas do alto, mostrando a planta do palco.

A dramaturgia de Bráulio Tavares e Eduardo Rios contempla de forma exemplar momentos da vida do genial Jackson do Pandeiro (1919-1982), mesclando-os com o melhor de sua obra, formada por cocos, baiões, sambas, forrós e até aquela deliciosa mistura Chiclete com Banana que ele chamou de “samba rock” (um dos pontos altos do espetáculo). A direção musical é de Alfredo Del-Penho e Beto Lemos.

O cenário de André Cortez formado por praticáveis com planos inclinados, um telão ao fundo e uma lona de salto retangular é o elemento que Duda Maia usa para criar a estimulante coreografia da montagem, fazendo os atores/cantores/instrumentistas/dançarinos circularem continuamente por ele durante as duas horas do espetáculo. A movimentação é muito variada e sempre muito criativa, havendo até uma de Renato Luciano, literalmente, de cabeça para baixo! 


As sequências diante do telão são lindas, remetendo um pouco ao que Antunes Filho fazia nos anos 1980. A iluminação de Renato Machado torna toda essa beleza mais intensa ainda. Os intermezzos são realizados com luz baixa ficando à vista a movimentação dos atores para a próxima cena. Em um teatro esses momentos serão preenchidos pelos aplausos calorosos do público.

O que dizer de Adrén Alves, Alfredo Del-Penho, Beto Lemos, Eduardo Rios, Fábio Enriquez, Renato Luciano e Ricca Barros que formam a Barca dos Corações Partidos? Fazem de tudo e um pouco mais em cena, sempre de forma não mais que excelente. A dinâmica da montagem permite que cada um deles tenha seu solo e momento de destaque. Neste espetáculo eles são acompanhados por mais três elementos perfeitamente integrados à dinâmica do grupo. São eles: Everton Coroné (excelente sanfoneiro), Lucas dos Prazeres (interpretando Jackson e fazendo música até com os tamancos) e a deliciosa Luiza Loroza que, entre tantos momentos belos se pode destacar aquele em que ela fala das mulheres da vida do biografado (a mãe Flora Mourão e as companheiras Almira Castilho e Neusa Flores dos Anjos).


Tem sido uma constante nos espetáculos virtuais uma duração de no máximo 50 minutos, pois a concentração do web- espectador é menor do que aquela do espectador que vai ao teatro. Jacksons dura duas horas e eu não arredei o pé da frente do note book por nada. Entre tantos momentos magníficos é difícil fazer destaques, mas não há como não sublinhar “Vixe, como tem Zé na Paraíba”, “Sebastiana”, “Como chegar na casa de alguém que toca pandeiro”, “Aquele é o marido da mulher que virou homem” e o já citado “Chiclete com Banana”.


JACKSONS DO PANDEIRO fica em cartaz até 06 de dezembro, de quinta a domingo às 20h. Temporada gratuita. É só acessar o you tube e procurar pelo grupo e pelo espetáculo.

ABSOLUTAMENTE IMPERDÍVEL!

14/11/2020

domingo, 1 de novembro de 2020

ENCONTRO NO BAR

 

O sinal fraco da Internet dificultou a minha fruição do sensível Encontro no Bar apresentado virtualmente pelo Grupo TAPA. A cena congelava, voltando em seguida. Em certo momento houve interrupção do sinal e eu perdi cerca de quatro minutos da apresentação. Por sorte, na tarde chuvosa de sábado eu havia lido o texto o que facilitou o acompanhamento da ação quando o sinal voltou, mesmo com um sentimento de indignação deste espectador.

Coisas do “web” teatro, ou teatro virtual, ou..., ou.... No teatro de verdade isso jamais aconteceria. Uma interrupção por conta de falta de luz ou outro incidente seria tão coletiva (público e artistas) como o ato de estar ali. 

Mas vamos ao espetáculo.

De início a distribuição dos papeis já nos surpreende e alegra! Seria cômodo para o diretor colocar Isadora e Valentino nas mãos de Clara Carvalho e Brian Penido Ross - afinal eles já formaram tantos casais no palco e já o foram até na vida real – no entanto Valentino ficou com o incrível Guilherme Sant’Anna, uma das vozes mais belas do nosso teatro (o personagem diz que tem aquela voz sensual por conta de um enfisema!!).

O encontro entre Isadora e Valentino é um embate entre o Eros e o Thanatos que cada um tem dentro de si e esse embate é testemunhado pelo garçom que a tudo assiste com atenção e certa ternura. E quem de nós não tem esse embate interno? Tratar disso é o maior mérito deste curto e belo texto de Bráulio Pedroso (1931-1990) em boa hora resgatado pelo TAPA ( a peça nunca foi montada em São Paulo, tendo sido apresentada no Rio de Janeiro em 1973 com direção de Celso Nunes).

A direção de Eduardo Tolentino de Araújo é elegantemente precisa, marca registrada desse encenador. Em um cenário simples montado no palco do Teatro Aliança Francesa as personagens se deslocam entre duas mesas, algumas cadeiras e o balcão do bar, reinado do garçom; vestidos com interessantes figurinos e iluminados de maneira simples e precisa. (Não foi divulgada a ficha técnica do trabalho). A câmera que direciona o olhar do espectador limita-se a observar a ação.

Brian Penido Ross empresta todo seu talento a uma personagem que poderia ser secundária, fazendo com que não deixemos de prestar atenção nele, mesmo quando a ação está concentrada nas personagens principais.

Escrever sobre o talento de Clara Carvalho é redundância pois já se viu e se escreveu sobre muitos trabalhos exemplares dessa excelente atriz, mas vale a pena mencionar, principalmente, o gestual de sua Isadora; para citar apenas um, a sua tirada de luva é um dos atos sexuais mais eróticos a que já assisti e sua morte em seguida mostra o vencimento de Thanatos sobre o Eros, que tinha acabado de explodir.

Guilherme Sant’Anna, elegantemente vestido, interpreta Valentino com sobriedade, revelando uma ansiedade que cresce durante a ação e chega ao ápice quando se revela a mão de Isadora. Parece que Eros venceu a luta. Só parece.

Tolentino não utilizou as canções compostas por Egberto Gismonti na montagem de 1973, preferindo que o elenco falasse as letras sem cantar.

Com todos os inconvenientes dessas transmissões via Internet, foi um grande prazer assistir a mais esse belo e profissional trabalho do Grupo TAPA. Quem sabe um dia ainda o veremos “de verdade”! 

01/11/2020