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segunda-feira, 21 de junho de 2021

DO OUTRO LADO DO MAR

 

        Final do último domingo de outono, dentro de algumas horas ocorreria o solstício de inverno; tratava-se também da última oportunidade de assistir ao espetáculo baiano Do Outro Lado do Mar. De conhecido para mim, apenas Marcio Meirelles, criador do Bando de Teatro Olodum e diretor de Embarque Imediato, apresentado nos palcos paulistanos em fevereiro de 2020, pouco antes da pandemia tomar conta das nossas vidas. De resto, tudo era novidade: autoria, elenco e outros nomes da ficha técnica.

        Jorgelina Cerritos é uma dramaturga de El Salvador e acredito que sua peça seja a primeira daquele país a ser apresentada no Brasil, graças à iniciativa de Meirelles e do ator Edu Coutinho que também traduziu o texto e integra o elenco junto com Andréa Elia.

A história muito simples de um pescador que não possui nenhum documento e vai a uma repartição para solicitá-lo é contada de forma poética pela autora, trazendo à tona questões humanas muito importantes como solidão, solidariedade e identidade. Durante seis dias o jovem Pescador do Mar conversa com Dorotéia, a intransigente funcionária pública que lhe nega o documento e desse embate surgem muitas situações comuns nas relações humanas. Ao ser negada a sua certidão de nascimento “por falta de provas”, o jovem retruca algo como: “há prova maior da minha existência do que a minha presença?”. Assistindo à peça lembrei-me da famosa frase de Shakespeare dita por Julieta em Romeu e Julieta: Aquela a quem chamamos rosa teria outro perfume se não se chamasse rosa?" e eu acrescentaria: e se nem nome tivesse?

A bela encenação de Meirelles exibe filmes de praias, mares, nuvens e outras imagens que são sobrepostas pela atuação ao vivo do elenco, cada qual em sua casa. Esse recurso visual, pouco usado no teatro virtual, causa, a princípio, sensação estranha de artificialismo, mas à medida que o espetáculo avança, ele se torna o toque de deslumbramento do mesmo.

Andréa Elia e Edu Coutinho são excelentes intérpretes, dando vida com muita paixão às personagens de Dorotéia e do Pescador do Mar, e como é bom tomar conhecimento de artistas tão talentosos fora do eixo Rio-São Paulo.  




A peça é uma daquelas boas surpresas que inundam a nossa alma de poesia, alimentando-a e nos fazendo esquecer por alguns momentos a tristeza de uma realidade que contabiliza meio milhão de mortos por conta de um governo genocida.

E que venha o inverno, pois a alma já está aquecida por este belo e poético espetáculo vindo da Bahia. 

21/06/2021

 

4 comentários:

  1. Respostas
    1. Olá Armindo. Ontem foi a última apresentação, mas eu entendi da assessoria de imprensa que eles devem voltar a se apresentar. É uma apresentação do Teatro Vila Velha de Salvador.

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  2. Terminei de assistir há poucos minutos e me tocou profundamente. Começa despretensiosa e cresce em sensibilidade e aborda questões tão atuais da vida humana, como a solidão, a busca pela identidade, a empatia e a fraternidade. Parabéns a todos os envolvidos. Andrea Elia é bem conhecida na Bahia. Atriz premiada. Excelente! Edu Coutinho eu ainda não conhecia, mas desenvolveu um personagem sensível e delicado, mesmo para um homem do mar, beirando a inocência. Parabéns mais uma vez!

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  3. *DO OUTRO LADO DO MAR*

    Entre a burocracia e a poesia
    está a palavra a mediar um dia.
    Um momento restrito no TEMPO
    pra imaginação, pro sentimento!

    E mais um dia e outro à beiramar
    no ritmo instável e vivo do vento
    quando o verbo conjuga-se lento
    e cantá-lo é o belo ATO D’AMAR!
    Na maré alta - passatempo...
    É quando se nega a solitude
    e o outro é presença, é atitude.

    Se queres o trabalho e a fantasia
    a canção triste traz algo de água.
    Se queres Beleza posta na mesa
    a Alegria leve dum certo sujeito
    inquirido no que quer cumprido
    sugere rumo, aponta sentido
    aos signos ali distribuídos.
    É só decidir-se e ponto.
    Entre sons e imagens
    pulsa um dado ritual
    de vivacidade virtual.

    Aquela que se detém
    entre papéis quer tudo
    preciso nos registros
    e não a tarde que tosta
    a cara e sua mais cara
    metáfora pura e pobre
    tão rara quanto por fora.
    É pleno esforço de memória.

    São vistas mandíbulas de cão
    sobrepostas à arcada dentária
    de um maxilar sobre-humano
    que denotam a fome no animal
    que se entoca neste plano, chão.
    Ele se faz pequeno, mas é insano
    e em nosso íntimo será domado
    quando reconhecido, nominado.

    Sempre à espera de adeus
    do adeus que virá n’Alvorada
    com a entrega duma vez, afinal
    da Certidão de Nascimento
    com a denominação nova
    está o indivíduo sem nome.
    Um documento o personaliza!
    Novo modo de reconhecimento
    que o faz pertencer a essa rede
    que tanto o rejeita, quanto abriga
    nas intrigas e carícias cotidianas.

    O diálogo então, pula de logos
    e faz ginástica com a gramática.
    A linguagem popular rodopia
    faz o que quer com quem pode
    porque se sacode cá, sozinha.
    Só e só - a sós - sob o SOL!
    Até que venha provocar
    o encontro de solidões.

    Se ela só se importa
    com certidões e carteiras
    a negar o mar e suas portas
    nos horizontes de cada praia
    detenho-me aqui, e permaneço
    onde me destaquei espectador
    atento às expressões faciais
    às vozes em ondulações...
    Portanto, não é estranho a mim
    o espanto pela personagem
    que se mantém em si a dizer que
    “não vai se arriscar por alguém
    (um ente) que Nem-nome-tem”.

    Agora, aquele que ergue-se lá
    com seu rosto anônimo levado
    veio com a típica face padrão
    do ator que insiste em pedidos
    ao diretor que apara uns ruídos
    a fazer da questão dos registros
    valor na selvageria da sociedade
    que se identifica por estigmas.

    - “Já volto, Cachorro”!
    - “Não vou te abandonar”!
    Diz o chamado de “Pescador”.
    Tal exclamação supõe a ação.
    A sina de pegar a vida na água
    em sua constante movimentação
    - lida com A Força da Vida, MAR!
    Com toda absoluta imensidão!
    Suas marés em rotinas lunares...

    Assim, como se buscasse vestir
    o rótulo que torna gente, suporte
    se acharia enquanto pessoa a pé
    só identificável por nome escrito
    pelos papéis e funções, no rito.

    Passam em duelo, a dançar
    até construírem um elo singelo.
    Corações - preciosas pulsações
    que seguem nuvens e precipitam
    nos mares a gerar arrebentações
    ainda que busquem risos e PAZ
    com celestes panos de fundo
    ou aquáticos fundos de cena.

    É A NATUREZA ESPIRITUAL
    a debater-se no limite da carne
    a desejar voar aos azuis aéreos!
    É o que vem das alvas espumas
    no processo de areação marinha
    e desenha figuras geométricas
    nessas teias que todos trocam
    ao relacionar-se e a estar em SI.

    É quando A ARTE
    sintoniza com A SIMPLICIDADE
    (SOL) há AMOR e HÁ VERDADE!

    de *Sérgio Pinho dos Santos*

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