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segunda-feira, 31 de janeiro de 2022

65º PRÊMIO APCA DE TEATRO



O Prêmio APCA de Teatro é o mais longevo do gênero em São Paulo.

Em 1951 foi fundada a seção paulista da Associação Brasileira de Críticos de teatro (ABCT), em 1956 essa seção transforma-se na Associação Paulista de Críticos de Arte (APCT), premiando pela primeira vez a atividade teatral paulista. 

A título de curiosidade seguem alguns dados dessa primeira premiação:

Votaram, entre outros, os críticos Clóvis Garcia, Décio de Almeida Prado, Delmiro Gonçalves, Hermilo Borba Filho, Miroel Silveira e Sábato Magaldi e entre os premiados destacamos:

Espetáculo: A Casa de Chá do Luar de Agosto

Autoria: Maria Clara Machado (Pluft, o Fantasminha)

Direção: Maurice Vaneau (A Casa de Chá do Luar de Agosto)

Atriz: Tonia Carrero (Otelo)

Ator: Paulo Autran (Otelo)

Havia ainda prêmios para cenografia; figurinos; coadjuvantes; revelações de direção (Augusto Boal por Ratos e Homens), de ator (Gianfrancesco Guarnieri por Ratos e Homens) e de atriz (Maria Helena Dias por A Casa de Chá do Luar de Agosto); personalidade (Sérgio Cardoso) e prêmio especial (Alfredo Mesquita, Consuelo Leandro, Silveira Sampaio).

Uma profusão de premiados (19) em comparação com o número reduzido de hoje (em 2021 são seis premiações).

Olhando a lista dos premiados ao longo desses 65 anos, faz-se uma bela viagem pelo fazer teatral paulistano nessas seis décadas e meia e pelos críticos que passaram pela associação.

Em 1972 a APCT passa a ser a APCA (Associação Paulista de Críticos de Arte), ampliando a premiação a outras formas de arte. 

Segue abaixo os prêmios relativos ao ano de 2021: 

ESPETÁCULOS

Presencial

Sueño (Dramaturgia e Direção Newton Moreno)

 

Virtual

-  As Aves da Noite (Dramaturgia Hilda Hilst. Direção Hugo Coelho)

 

-  Desfazenda – Me Enterrem Fora Desse Lugar (Cia O Bonde. Dramaturgia Lucas Moura. Direção Roberta Estrela D´Alva)


PRÊMIO NOVAS PROPOSTAS CÊNICAS 

-  Estilhaços da Janela Fervem no Céu da Minha Boca (Coletivo A Digna. Dramaturgia Victor Nóvoa. Direção Eliana Monteiro), pelo tema social abordado e processo de execução da montagem.


PRÊMIO ESPECIAL 

Livro Teatro de Grupo na Cidade de São Paulo e na Grande São Paulo, organizado por Alexandre Mate e Marcio Aquiles, com a criação do selo Lucias em homenagem a Lúcia Camargo.

 

Mariana Muniz, pela contribuição ao teatro e teatro-dança em São Paulo e, em especial, pelos espetáculos virtuais apresentados em 2021.



          Votaram os críticos: Celso Curi, Edgar Olimpio de Souza, Evaristo Martins de Azevedo, Gabriela Mellão, José Cetra Filho, Kyra Piscitelli, Maria Eugênia de Menezes, Miguel Arcanjo Prado e Vinicio Angelici.

O TEATRO NOS UNE

O TEATRO NOS TORNA FORTES

VIVA O TEATRO! 

26/01/2022

 

terça-feira, 25 de janeiro de 2022

MEUS CEM ANOS

 

Junto com o 11, o 22 é um número considerado especial na numerologia, tanto que suas partes não são somadas para dar o 2 ou o 4. E, além disso, este ano de 2022 tem um dia palíndromo especial que é 22-02-2022, formado apenas dos algarismos 2 e zero e “palindrosíssimo”!

É neste 2022 que se comemoram os 200 anos da independência do Brasil e os 100 anos da Semana de Arte Moderna. 

E foi há cem anos atrás que muita gente famosa nasceu. 

1922 foi pródigo ao trazer ao mundo gente do quilate de Jean-Pierre Rampal, Ray Anthony, Pier Paolo Pasolini, Ugo Tognazzi, Doris Day, Judy Garland, Toots Thielemans, Carmen McRae, Charles Mingus, Alain Resnais, Michael Cacoyannis, Pierre Cardin, Adolfo Celi, Luciano Salce, Vittorio Gassman, José Saramago, Gèrard Philipe, Lucian Freud, Ava Gardner e Cyd Charisse. Isso na escala internacional.





 

No Brasil não ficamos por menos: Paulo Mendes Campos, Ivani Ribeiro, o faquir Silki, Nora Ney, Dionísio Azevedo, Dircinha Baptista, Max Nunes, Otto Lara Resende, Jorge Andrade, Bibi Ferreira, Walter George Dürst, Walter Stuart, Jacira Sampaio, Paulo Autran, Dias Gomes, Darcy Ribeiro, Tônia Carrero, Luiz Bonfá, Fernando Baleroni, Marlene, Ozualdo Candeias.





Fico imaginando uma festa comemorativa do centenário desses famosos, com todos eles presentes! 

25/01/2022

segunda-feira, 24 de janeiro de 2022

SEM PALAVRAS

 


Instigante, estimulante, excitante...Sem Palavras começa com essas sensações e segue assim até o seu final, quase duas horas depois.

O novo espetáculo de Marcio Abreu da companhia brasileira de teatro completa a trilogia iniciada com Projeto Brasil (2016) e Preto (2017) na qual, segundo o diretor “se refletem territórios em que a palavra e corpo são elementos indissociáveis” e vai mais longe do que seus antecessores, pois em muitos momentos a palavra é o que realmente menos importa e os corpos e seus movimentos são os verdadeiros protagonistas chegando a remeter ao teatro dança da grande coreógrafa alemã Pina Bausch (1940-2009).

Oito pessoas em cena apresentam seus relatos nitidamente urbanos refletindo de uma maneira ou de outra as misérias da contemporaneidade.

O ótimo elenco é formado por  Key Sawao (potência inversamente proporcional ao seu tamanho), Giovana Soar (colaboradora veterana e sempre exemplar da companhia), Kenia Dias (naquele que talvez seja o mais bonito relato da peça, que começa friamente como uma quase lição de anatomia e termina de forma apaixonada e dolorosa), Fábio Osório Monteiro (que saudades do mar!), Kauê Persona (o da cueca vermelha!!), Rafael Bacelar (exibindo um grande preparo físico e brilhando como drag queen) e as incríveis gêmeas Vini Ventania Xtravaganza e Vitória Jovem Xtravaganza, responsáveis por momentos deslumbrantes e antológicos do espetáculo. 


Esses relatos são apresentados por meio da criativa tradução cênica de Marcio Abreu, que conjuga e harmoniza as palavras (de autoria do encenador, mas muito provavelmente em parceria com quem fala) com a perturbante   movimentação cênica (que deve contar com a colaboração de Kenia Dias que assina a direção de movimento) e o magnífico acompanhamento musical realizado ao vivo por Felipe Storino. A luz criada por Nadja Naira completa a beleza do espetáculo.

Fica difícil colocar em palavras a dinâmica desse espetáculo muito especial; a maneira mais coerente de fazê-lo seria através de uma performance física vigorosa, algo totalmente fora de questão para este velho articulista.

Sem Palavras precisa ser assistido! 

Serviço:

De 20/01 a 20/02 no Teatro do SESC Pompeia.

De quinta a sábado às 21h e domingo às 18h

Duração: 110 minutos

Ingressos: R$40,00 e R$20,00 (meia entrada) 

24/01/2022

 





sexta-feira, 21 de janeiro de 2022

A IDENTIDADE DA ATUAÇÃO BRASILEIRA


O ator e pesquisador Ney Piacentini perguntou a atrizes e atores das mais variadas tendências se existe uma forma de atuação genuinamente brasileira e as reações à sua questão estão no vídeo A IDENTIDADE DA ATUAÇÃO BRASILEIRA que faz parte de seu doutorado na UNESP de 2021. O vídeo está disponível no canal do YouTube de Ney e vale a pena ser assistido por todos aqueles que apreciam e, e principalmente, por aqueles que fazem teatro 

Nossos índios deviam ter uma forma muito original e tipicamente nativa de realizar seus rituais, mas a partir do momento que foram interpretar os autos de José de Anchieta, o padre deve ter imposto a eles, o estilo português de representação. E a partir daí houve muita mistura de portugueses, espanhóis, franceses, italianos, japoneses que aqui chegaram e ajudaram a construir a identidade brasileira. O homem brasileiro é fruto disso tudo, assim como sua forma de interpretar um texto teatral.

Muitos dão como a origem da brasilidade na interpretação a Praça Tiradentes do Rio de Janeiro e o seu teatro de revista citando nomes dos gloriosos Grande Otelo e Dercy Gonçalves, mas esses espetáculos têm toda a influência das revistas francesas e portuguesas. Outros citam os circo-teatros, mas estes têm muito a ver com a commedia dell’arte.


É difícil generalizar, mas como diz Julio Adrião em seu depoimento, o brasileiro tem um “senso de humor próprio e um jeito de fazer dar certo, apesar de...” e isso talvez seja a maior característica da interpretação brasileira, apesar de todas influências recebidas de companhias e teóricos estrangeiros como Stanislavski, Brecht, Artaud, Grotowski, Tadeusz Kantor e tantos outros.

João Caetano tem livro de lições dramáticas, Eugênio Kusnet desenvolveu seu método brasileiro a partir de Stanislavski e vamos por aí a fora, mas Dercy Gonçalves, Grande Otelo, Marília Pêra e todos aqueles que sabem incorporar o humor e até certo deboche em seus trabalhos são a meu ver os verdadeiros intérpretes brasileiros.

E tudo também depende daquilo que vai ser interpretado. Mais uma vez citando Marília Pêra, como não diferenciar o jeito brasileiro em trabalhos como Apareceu a Margarida e A Vida Escrachada de Joana Martini e Baby Stompanato das interpretações quase clássicas de Master Class e Mademoiselle Chanel? Eu acredito que algo que caracteriza a interpretação de boa parte dos artistas brasileiros é a versatilidade de transitar muito à vontade entre e o drama e a comédia.

Este é apenas um breve parecer meu, que não sou ator, mas fiquei tentado a discorrer sobre o tema. Acredito que o parecer esteja sujeito a erros, mas dou a mão à palmatória.

Deixemos os pareceres mais consistentes e abalizados para os especialistas: Denise Weinberg, Ricardo Kosovski, Guida Vianna, Magali Biff, Cacá Carvalho, Matteo Bonfitto, Walderez de Barros, Eduardo Moreira, Nanego Lira, Danilo Cavalcante, Matheus Nachtergaele, Lígia Cortez, Lima Duarte, Renato Borghi, Laura Cardoso, Marcelo Olinto, Tânia Farias, Ademir de Almeida, Helena Albergaria, Giovana Soar, Rodrigo Bolzan, Gilberto Gawronski e Júlio Adrião.

As opiniões são bastante divergentes e pode-se concordar ou discordar das mesmas. O importante é que se veja e analise todas e se possível se chegue a uma conclusão, o que me parece quase impossível. 

Endereço: YouTube de Ney Piacentini.

O vídeo inicia com uma introdução de Ney e Denise Weinberg, seguido dos depoimentos. Tempo total: 1h21min 

NÃO DEIXE DE VER! 

20/01/2022

 

 

 

 

 

 

 

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domingo, 16 de janeiro de 2022

ESCOLA DE MULHERES

 

Foto de Ronaldo Gutierrez

- Arnolfo, Arnolfo ... Cadê o Arnolfo?

Descobertas suas falcatruas o personagem Arnolfo literalmente sai de cena, sendo um dos poucos momentos em que seu intérprete Brian Penido Ross está fora do palco nesta deliciosa montagem da comédia de Molière dirigida por Clara Carvalho.

De O Tempo e os Conways (1986) a De Todas as Maneiras Que Há de Amar acompanho a carreira de Clara Carvalho como atriz por meio das 46 peças onde pude comprovar seu grande talento.

Na direção Clara vem se exercitando desde 2009 quando realizou Valsa Nº 6 com Marina Ballarin e atingiu nível de excelência nessa função com as montagens de alguns textos de Matéi Visniec.

Pessoalmente uma pessoa bonita, doce, simpática, elegante, coerente e muito inteligente, Clara agora dirige Escola de Mulheres de Molière, importante peça do dramaturgo francês há muitos anos ausente de nossos palcos.

E o resultado é bonito, elegante, coerente e muito inteligente como sua diretora.

O teatro de Molière é anti-machista como provam alguns de seus personagens masculinos ridicularizados pelas artimanhas e espertezas das mulheres. Os melhores exemplos são o Senhor Jourdain de O Burguês Fidalgo e Arnolfo de Escola de Mulheres. A diretora enfatiza essa característica na sua montagem, colocando o homem - e suas tentativas de oprimir a mulher – em seu devido lugar.

Não há como negar no trabalho da diretora a influência dos anos que passou no Grupo TAPA com seu diretor Eduardo Tolentino de Araújo, mas Clara tem vida própria, incorporando ao seu trabalho tratamento estético precioso (haja vista os belíssimos telões de Chris Aizner ilustrando o tempo da ação) e uma movimentação cênica do elenco que se assemelha a um balé, sendo o melhor exemplo as cenas de Arnolfo com seus criados Alain e Georgette, neste caso em muito deve ter contribuído a direção de movimento assinada por Guilherme Sant’Anna. Nesse sentido é esteticamente bela a decisão da diretora de introduzir a figura do Cupido (Felipe Souza), inexistente no original de Molière.

A caprichada produção do espetáculo incorpora, além da já citada cenografia de Chris Aizner, os belos figurinos de Marichilene Artisevskis, o desenho de luz de Wagner Pinto e um sugestivo complemento musical composto por Gustavo Kurlat.

Talento e harmonia talvez sejam as principais qualidades do elenco da peça sendo que alguns personagens oferecem mais oportunidades para este ou aquele intérprete e não há como não destacar as gostosas intervenções dos criados Alain (Rogério Pércore) e Georgette (Vera Espuny), a presença de Fulvio Filho como Crisaldo e a graça do par amoroso Inês (Gabriela Westphal) e Horácio (Ariel Cannal).

E Arnolfo??? Mais uma demonstração do talento de Brian Penido Ross, que assim como Clara, faz parte da minha vida de espectador desde 1986, quando o TAPA chegou em São Paulo e, para nossa sorte, nunca mais saiu.

Foto de Ronaldo Gutierrez

Brian é daqueles atores que transitam muito bem entre o drama e a comédia e no papel de Arnolfo ele pode demonstrar todo o potencial cômico.

Escola de Mulheres diverte e chama a atenção para os perigos do machismo e do falso moralismo.

Mais um grande momento desta temporada teatral que está começando e prometendo muito, desde que a pandemia e esse governo insano e imoral não atrapalhem.

PARABÉNS CLARA CARVALHO! 

P.S. São tantas as qualidades da encenação de Clara Carvalho, que algumas acabam nos escapando. Uma delas é a versão do texto realizada por Clara com deliciosas rimas e explicadas em certos momentos no melhor estilo brechtiano, como é o caso do uso dos palavrões e do comentário de que Horácio estava tão nervoso em certo momento que até deixou de falar com rimas. Precioso!

16/01/2022


É SEMPRE BOM LEMBRAR: 

“Há exatos trinta anos (1987) fui ao Teatro Aliança Francesa junto com alguém (que não lembro quem!) para assistir à nova montagem do Grupo Tapa, Uma Peça Por Outra. O grupo começava a se fixar em São Paulo e sempre sob a direção de Eduardo Tolentino já havia apresentado por aqui duas muito bem sucedidas montagens (O Tempo e os Conways e Viúva, Porém Honesta). Meus ingressos davam direito às poltronas D1 e D3.

         30 de março de 2017. Novamente me dirigi ao Teatro Aliança Francesa para assistir à nova encenação da peça de Jean Tardieu desta vez produzida pelo Grupo das Dores e dirigida por Brian Penido Ross e Guilherme Sant’Anna (que fizeram parte da primeira montagem). Ao pegar meus convites com a sempre gentil Lívia Carmona, a surpresa: poltronas D1 e D3, ou seja, trinta anos depois assisti à mesma peça, no mesmo teatro e, pasmem, na mesma poltrona!! Outra manobra de Dionísio na mesma semana. O fato virou assunto no coquetel após o espetáculo e até rendeu uma bela foto com a querida Clara Carvalho que também está presente na atual montagem.”

         15/01/2022. Recebo em casa por e-mail os ingressos para assistir a Escola de Mulheres: Poltronas D2 e D4, vizinhas das minhas D1 e D3. A parte central da fileira D do Teatro Aliança Francesa me persegue, quando vou assistir a algum espetáculo de Clara Carvalho. Manobras de Dionísio.



 

sábado, 15 de janeiro de 2022

O NÁUFRAGO

 

Introdução – Bernhard nos palcos paulistanos.

Se neste ano de 2022, Thomas Bernhard (1931-1989) ainda é um ilustre desconhecido para a maioria do público brasileiro, o que dizer sobre quem sabia de sua obra em 1996? Pois o escritor/dramaturgo austríaco é um velho conhecido de Luciano Chirolli que naquele ano dirigiu e interpretou em companhia de sua grande amiga, a saudosa Maria Alice Vergueiro (1935-2020) a peça No Alvo.

 Ao que eu saiba foi a primeira montagem de Bernhard em palcos paulistanos e não foram muito numerosas outras encenações de suas obras nesses quase trinta anos.

Ritter, Dene,Voss é o título original de uma peça que teve três montagens com títulos diferentes: Ludwig e as Irmãs (2002) dirigida  por Maurício Paroni de Castro; Almoço na Casa do Sr. Ludwig (2002), montagem gaúcha encenada por Luciano Alabarse e Ludwig e Suas Irmãs (2015) com direção de Eric Lenate.

O estupendo romance Árvores Abatidas foi adaptado pelo curitibano Marcos Damaceno em forma de monólogo (2013) que resultou em interpretação antológica de Rosana Stavis e também teve montagem magnífica do encenador polonês Krystian Lupa apresentada na MITsp de 2018.

O romance Extinção também foi adaptado para a linguagem teatral em espetáculo de Denise Stoklos apresentado em 2018.

Eis que surge agora pelas mãos de William Pereira e Luciano Chirolli uma adaptação teatral do romance O Náufrago.

Uma curiosidade é que tendo Bernhard escrito cerca de 30 peças, nossos encenadores têm preferido adaptações de seus romances para o palco. 

O Náufrago

O título original Der Untergeher do romance também poderia, segundo o Google, além de náufrago, ser traduzido por  “sucumbido, fracassado, sumido” e todas essas características poderiam ser usadas para definir a personagem de Wertheimer, o pianista fracassado cuja trajetória é narrada em cena por um antigo colega da escola de música onde ambos ouviram Glenn Gould tocar as Variações Goldberg de Bach e concluíram que jamais poderiam se igualar a Gould no virtuosismo do piano. Enquanto o narrador seguiu com sua vida sem se importar com isso, Wertheimer se martirizou pelo resto de seus dias. O náufrago suicidou-se por enforcamento na Suiça e tudo indica que tal gesto aconteceu por duas razões: o fato de a irmã tê-lo abandonado após o seu casamento e a certeza doentia que ele tinha de que nunca se igualaria a Glenn Gould.

Desconheço o romance O Náufrago, mas a considerar pelo espetáculo a que assisti, a adaptação que William Pereira fez para a linguagem teatral é perfeita.

O monólogo do narrador é apresentado em primeiro plano e ao fundo, quase em outro palco, assistimos aos tormentos de Wertheimer em sua casa, diante daquilo que é seu maior amor e seu maior ódio: o piano.

O texto de Bernhard é propositalmente repetitivo, além de irônico e agressivo e poderia se tornar monótono e enfadonho se representado por atores medíocres, mas mediocridade não é assunto para atores talentosos como Romis Ferreira e Luciano Chirolli, que reencontra Bernhard depois de tantos anos.

Romis Ferreira interpreta Wertheimer com bastante vigor, sempre atormentado com o abandono da irmã, com o piano e preocupado em queimar suas anotações musicais.

Cabe a Luciano Chirolli quase a totalidade das falas ao narrar a saga de seu amigo e o ator o faz com todo aquele domínio de palco que lhe é característico. Com um ar orsonwelleano e pouca movimentação em cena, Chirolli hipnotiza o público com sua narração.

Um filme mostrando Glenn Gould tocando as Variações Goldberg ilustram o espetáculo e atestam que a agilidade daqueles dedos era realmente insuperável.

O cenário e os figurinos assinados pelo próprio diretor e a iluminação de Caetano Vilela dão um toque de classe adicional a este espetáculo que tem uma belíssima cena final enriquecida pelo lento fechar da cortina de veludo vermelho do teatro do SESC Bom Retiro. 

O NÁUFRAGO está em cartaz no SESC Bom Retiro ás quintas, sextas e sábados às 20h até 05/02/2022.

IMPERDÍVEL 

15/01/2022

 

 

 

terça-feira, 11 de janeiro de 2022

LÍNGUA BRASILEIRA


Foto de Matheus José Maria 

A língua é minha pátria.

E eu não tenho pátria,

Tenho mátria e quero frátria.

(Caetano Veloso)

Não há como não lembrar da canção de Caetano ao assistir essa nova incursão dos Ultralíricos pelo mundo das letras e das palavras: Língua Brasileira almeja a mesma frátria que Caetano!   

 Desde 2013 com Puzzle, Felipe Hirsch e seu grupo enveredaram por esse rico universo com resultados às vezes brilhantes como A Tragédia Latino Americana (2016) e Selvageria (2017) e às vezes irregulares como A Comédia Latino Americana (2016) e Fim (2019). Todos esses espetáculos têm como principal protagonista a palavra na literatura dita por elenco numeroso e talentoso com acompanhamento musical da orquestra Ultralíricos e a direção de arte de Daniela Thomas e Felipe Tassara.

A fórmula se repete em Língua Brasileira com a inclusão mais que bem-vinda da música de Tom Zé e de um verdadeiro desfile de línguas, sendo que algumas delas deram origem àquela que falamos hoje no Brasil.

O espetáculo começa quando se adentra a sala de espetáculos e admira-se a cortina, que depois fica-se sabendo que é apenas uma parte da imensa obra (5m20 por 3m60) Tupinambás, Léguas e Nagôs guiam a libertação de Pindorama das garras da quimera de Mammón de Thiago Martins de Melo. Ao terceiro sinal esse vasto painel sobe lentamente descortinando o imenso palco do Anchieta com o chão coberto de um tipo de areia negra e os músicos Ultralíricos a postos nos dois lados do palco. A emoção está instaurada.

Muitas cenas são faladas nas línguas originais e propositalmente não há legendas com o objetivo de que o público “deguste” aqueles sons tão estranhos como o guarani, o iorubá e até mesmo o grego e o latim (Amanda Lyra tem uma cena deliciosa com esta língua).

As canções de Tom Zé permeiam todo o espetáculo introduzindo um dinamismo salutar e eliminando certa monotonia presente nos espetáculos anteriores quando um longo palavrório era seguido de outro tão longo quanto aquele que o precedeu.

Língua Brasileira é composta de várias cenas, algumas mais vibrantes do que outras, dependendo do interesse do espectador. Para este espectador as cenas que mais funcionam são aquelas onde há um toque do humor como a hilariante Cartilha Com os Preceitos e Mandamentos da Santa Madre Igreja (verdadeiro show de Amanda Lyra e Danilo Grangheia que leva a plateia quase ao delírio), a cena de uma peça de José de Anchieta falada em tupi (mais um show, desta vez com Georgette Fadel e Pascoal da Conceição) e a extensa cena, quase ao final, quando todo o elenco é contaminado pela loucura surrealista de José Agripino de Paula e sua PanAmerica.

Deixando de lado o humor, outro momento brilhante do espetáculo é aquele em que Pascoal da Conceição nos presenteia com Galáxias, vasto texto de Haroldo de Campos. Fica a dúvida: o que é mais difícil para um ator decorar: um texto em bantu ou um poema de Haroldo de Campos?

Espetáculo desse tipo depende muito do talento e da versatilidade de seu elenco. E que elenco! E que talentos!!

Foto de Matheus José Maria

Sem exceção, todos brilham. Os já citados Amanda Lyra, Georgette Fadel, Danilo Grangheia, Pascoal da Conceição e também Rodrigo Bolzan e a surpreendente Laís Lacôrte com bela e marcante presença cênica e voz mais bela ainda.

Dignas de nota as expressões corporais de cada um do elenco. A ficha técnica não indica se houve um preparador corporal, onde se deduz que as coreografias foram criadas individualmente ou por indicação do diretor. Além de excelentes intérpretes, o elenco se revela no canto tendo sido preparados vocalmente por Yantó.

A música, tão importante na peça, tem uma grande aliada nos músicos Ultralíricos que a interpretam.

Sem explicitar, o espetáculo faz raro libelo a favor de raças sempre colocadas à margem pela história oficial: os índios e os negros.

Felipe Hirsch rege todos esses elementos de forma segura e harmoniosa oferecendo ao público o melhor dessa série que se iniciou há nove anos com Puzzle e não tenho dúvidas ao afirmar que para tal resultado muito contribuiu a participação de Tom Zé, afinal, Língua Brasileira é, além de tudo, um grande musical! 

O programa da peça é recheado com matérias sobre o assunto nela tratado e também com um diálogo entre Hirsch e Tom Zé. Contém ainda a ficha técnica e um roteiro do espetáculo com dados sobre os textos apresentados. A ser lido, estudado e guardado com muito carinho. 

Por último, mas não menos importante, fica aqui registrada a minha emoção em retornar ao meu amado Teatro Anchieta após quase dois anos (a última vez foi em fevereiro de 2020 com o espetáculo Embarque Imediato).

 

Grande noite!

10/01/2022

segunda-feira, 10 de janeiro de 2022

A DRAMATURGIA BRASILEIRA NOS VÍDEOS E NOS PALCOS PAULISTANOS EM 2021


Até 2019 tive oportunidade de realizar análise mais detalhada da dramaturgia brasileira em nossos palcos. Modo de criação do texto, gênero e tamanho do elenco foram alguns dos dados que se perderam a partir de 2020 quando cessaram as publicações da maioria dos guias.

A análise de 2021 feita a seguir, baseou-se nos dados contidos na edição on line do sobrevivente Guia OFF e nas anotações que fiz ao longo do ano.

Não constam deste estudo espetáculos apresentados dentro das programações de Teatro Para Alguém, Teatro Vivo, Antro Positivo, #Cultura em Casa, Mostra Grupo TAPA, Mungunzá Digital, SESC ao vivo, SESC Digital e muitas outras surgidas ao longo do ano, uma vez que, em geral, nesses casos só consta o nome do espetáculo, sem maiores detalhes.

Baseado nos dados disponíveis foram 274 os espetáculos (191 virtuais e 83 presenciais) que tiveram um nome brasileiro na dramaturgia.

Como pode ser visto no gráfico, nos primeiros meses do ano foi grande o número de virtuais e insignificante aquele de presenciais, chegando a zerar em abril e maio, auge da pandemia. Em agosto/setembro a tendência reverteu com a mais que bem-vinda reabertura dos teatros. Torçamos para que essa tendência se mantenha em 2022!

 

Os virtuais:

Muitas e muitos se aventuraram a escrever para os espetáculos virtuais e, muito provável e infelizmente, devem ficar apenas nessa primeira experiência.

Nomes conhecidos de nossa dramaturgia também escreveram para o meio virtual: Silvia Gomez (A Árvore/Partida de Vôlei à Sombra do Vulcão), Daniela Pereira de Carvalho (27’s), Sara Antunes (Dora), Fernando Kinas (Os Grandes Vulcões), Diego Fortes (Vinte e Três de Setembro), Franz Kepler (Reunião de Condomínio), Mario Bortolotto (Pequod), Gerald Thomas (G.A.L.A.), Kiko Marques (A Mulher e Um Corpo)

Ivam Cabral e Rodolfo García Vázquez compareceram com vários títulos virtuais (Novos Normais, As Mariposas, Uma Peça Para Salvar o Mundo, Cabaret Dada), além de reabrir o Espaço dos Satyros em dezembro com o novo espetáculo Aurora.

Roberto Athayde e sua “Dona Margarida” foram três vezes lembrados: virtualmente por Luciana Ramin e Abílio Tavares e  presencialmente por Wilson de Santos.

Nelson Rodrigues e Plínio Marcos, em muitos anos campeões em número de espetáculos montados, compareceram modestamente em 2021 no universo virtual: Plínio com apenas uma elogiada montagem de Quando as Máquinas Param e Nelson com uma seleção de suas peças em leituras dramáticas apresentadas no Primeiro Festival da Tragédia Brasileira realizado pela Cia. Repertório Rodriguiana.

Surpresas, ao menos para mim, nos espetáculos virtuais foram a delicadeza e a poesia de Juliana Leite em A Genealogia Celeste de Uma Dança, a potência de Joana Marinho em Constância e a criatividade de Rogério Corrêa em De Bar em Bar e Entre Homens.

Destaque também para a série (In)Confessáveis de Marcelo Varzea, fértil terreno para revelar novos dramaturgos.

Não se pode esquecer que até João Caetano aparece neste ano na lista dos dramaturgos: suas Lições Dramáticas foram criativamente encenadas por Isaac Bernat e Claudio Mendes. 

Os presenciais:

Quanto aos espetáculos presenciais cabe destacar Daniel Veiga com a feliz adaptação teatral do romance Nossos Ossos de Marcelino Freire, Rudinei Borges dos Santos com Sertão Sem Fim, Dan Rosseto com O Último Concerto Para Vivaldi, Samir Yazbek com Tectônicas, Sergio Roveri com Neblina e Newton Moreno que, além de emplacar uma nova temporada de As Cangaceiras, Guerreiras do Sertão, presenteou o público paulistano com uma joia chamada Sueño. 

Para período tão problemático até que o balanço se mostra positivo.

Em 2022 que os ventos soprem a favor do nosso país, da nossa cultura, do nosso teatro e de nossa dramaturgia.

VIVA O TEATRO! 

07/01/2022