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sábado, 15 de janeiro de 2022

O NÁUFRAGO

 

Introdução – Bernhard nos palcos paulistanos.

Se neste ano de 2022, Thomas Bernhard (1931-1989) ainda é um ilustre desconhecido para a maioria do público brasileiro, o que dizer sobre quem sabia de sua obra em 1996? Pois o escritor/dramaturgo austríaco é um velho conhecido de Luciano Chirolli que naquele ano dirigiu e interpretou em companhia de sua grande amiga, a saudosa Maria Alice Vergueiro (1935-2020) a peça No Alvo.

 Ao que eu saiba foi a primeira montagem de Bernhard em palcos paulistanos e não foram muito numerosas outras encenações de suas obras nesses quase trinta anos.

Ritter, Dene,Voss é o título original de uma peça que teve três montagens com títulos diferentes: Ludwig e as Irmãs (2002) dirigida  por Maurício Paroni de Castro; Almoço na Casa do Sr. Ludwig (2002), montagem gaúcha encenada por Luciano Alabarse e Ludwig e Suas Irmãs (2015) com direção de Eric Lenate.

O estupendo romance Árvores Abatidas foi adaptado pelo curitibano Marcos Damaceno em forma de monólogo (2013) que resultou em interpretação antológica de Rosana Stavis e também teve montagem magnífica do encenador polonês Krystian Lupa apresentada na MITsp de 2018.

O romance Extinção também foi adaptado para a linguagem teatral em espetáculo de Denise Stoklos apresentado em 2018.

Eis que surge agora pelas mãos de William Pereira e Luciano Chirolli uma adaptação teatral do romance O Náufrago.

Uma curiosidade é que tendo Bernhard escrito cerca de 30 peças, nossos encenadores têm preferido adaptações de seus romances para o palco. 

O Náufrago

O título original Der Untergeher do romance também poderia, segundo o Google, além de náufrago, ser traduzido por  “sucumbido, fracassado, sumido” e todas essas características poderiam ser usadas para definir a personagem de Wertheimer, o pianista fracassado cuja trajetória é narrada em cena por um antigo colega da escola de música onde ambos ouviram Glenn Gould tocar as Variações Goldberg de Bach e concluíram que jamais poderiam se igualar a Gould no virtuosismo do piano. Enquanto o narrador seguiu com sua vida sem se importar com isso, Wertheimer se martirizou pelo resto de seus dias. O náufrago suicidou-se por enforcamento na Suiça e tudo indica que tal gesto aconteceu por duas razões: o fato de a irmã tê-lo abandonado após o seu casamento e a certeza doentia que ele tinha de que nunca se igualaria a Glenn Gould.

Desconheço o romance O Náufrago, mas a considerar pelo espetáculo a que assisti, a adaptação que William Pereira fez para a linguagem teatral é perfeita.

O monólogo do narrador é apresentado em primeiro plano e ao fundo, quase em outro palco, assistimos aos tormentos de Wertheimer em sua casa, diante daquilo que é seu maior amor e seu maior ódio: o piano.

O texto de Bernhard é propositalmente repetitivo, além de irônico e agressivo e poderia se tornar monótono e enfadonho se representado por atores medíocres, mas mediocridade não é assunto para atores talentosos como Romis Ferreira e Luciano Chirolli, que reencontra Bernhard depois de tantos anos.

Romis Ferreira interpreta Wertheimer com bastante vigor, sempre atormentado com o abandono da irmã, com o piano e preocupado em queimar suas anotações musicais.

Cabe a Luciano Chirolli quase a totalidade das falas ao narrar a saga de seu amigo e o ator o faz com todo aquele domínio de palco que lhe é característico. Com um ar orsonwelleano e pouca movimentação em cena, Chirolli hipnotiza o público com sua narração.

Um filme mostrando Glenn Gould tocando as Variações Goldberg ilustram o espetáculo e atestam que a agilidade daqueles dedos era realmente insuperável.

O cenário e os figurinos assinados pelo próprio diretor e a iluminação de Caetano Vilela dão um toque de classe adicional a este espetáculo que tem uma belíssima cena final enriquecida pelo lento fechar da cortina de veludo vermelho do teatro do SESC Bom Retiro. 

O NÁUFRAGO está em cartaz no SESC Bom Retiro ás quintas, sextas e sábados às 20h até 05/02/2022.

IMPERDÍVEL 

15/01/2022

 

 

 

Um comentário:

  1. O ano de 2021 começa muito bem nos teatros de São Paulo. O Náufrago é mais um belo exemplo dos bons ventos desta temporada. Obrigado por seus excelentes comentários. Abraço

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