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sábado, 26 de fevereiro de 2022

NÉVOA – FROM WHITE PLAIN

 

“- Eu não quis dizer aquilo.”

“- Eu não queria fazer aquilo. Eu estava desequilibrado, talvez tenha bebido além da conta.”

Quando alguém é flagrado e cobrado por um mau ato cometido, sempre se mostra arrependido e dá desculpas de sua ação, mas se não ocorresse a cobrança, ele provavelmente continuaria livre e solto e com a consciência tranquila, sem sequer lembrar do mal que causou. Estamos cansados de presenciar tais atitudes tanto na vida pública com nossos políticos como na privada com pessoas que conhecemos. 

Névoa trata de um ajuste de contas, quinze anos após o suicídio de um jovem provocado em grande parte pelo bullying sofrido por ele por um colega de escola. Um amigo da vítima, hoje cineasta, realiza filme sobre o fato e é premiado com o Oscar, escancarando publicamente o assunto, dando nome aos bois e colocando o antigo agressor em posição extremamente desconfortável.

Esse é o mote da peça que coloca em cena o cineasta Dennis, seu namorado Gregory, o antigo agressor Ethan e seu amigo John.

Um grande mérito do texto do dramaturgo norte-americano Michael Perlman é que, a princípio, em várias cenas curtas intercaladas ele mostra separadamente as ações/diálogos do casal gay (Dennis e Gregory) e dos dois amigos (Ethan e John). No desenrolar da trama as relações começam a se misturar, ocasionando inclusive mudanças de atitudes de Gregory e John, em relação a seus companheiros. Nesse jogo surgem questões importantes como preconceito, homofobia, hipocrisia e cancelamento virtual.

Lavínia Pannunzio realiza criativa leitura cênica do texto, colocando os atores em volta de uma mesa onde eles se relacionam como personagens, mas também como eles próprios em recurso de distanciamento bastante interessante; as menções do elenco ao operador de luz Igor têm esse mesmo efeito.

Contribuem para o resultado o desenho de luz de Aline Santini, os discretos figurinos de Mari Mondino, a trilha sonora de Rafael Thomazini e a cenografia de Mira Andrade e Thiago Fink que inclui um enorme espelho que reflete o tempo todo a imagem da plateia, sugerindo que ela também é testemunha silenciosa/omissa do que está sendo mostrado no palco.

O mínimo a dizer é que Felipe Hintze (Gregory) e Felipe Ramos (Dennis) estão exuberantes em cena e suas atuações são dignas dos aplausos em cena aberta ocorridos na noite de estreia. As personagens de John (Sidney Santiago Kuanza) e Ethan (Felipe Frazão), apesar de suas importâncias, têm uma participação menor na trama. Sidney Santiago Kuanza tira o melhor partido de todas as suas intervenções, já Felipe Frazão está um ponto abaixo de sua personagem, atuando de forma linear, com pouca movimentação corporal e falando muito baixo, de forma quase inaudível.

Dessa maneira, Luque Daltrozo marca mais um ponto em sua bem sucedida vida de produtor. 

NÉVOA está em pré-estreia neste final de semana de Carnaval no Teatro Vivo. Sábado às 21h e domingo às 18h. A temporada regular vai de 08/03 a 30/03 às terças e quartas às 20h.


26/02/2022

 

 

 

terça-feira, 22 de fevereiro de 2022

CORAÇÃO DE CAMPANHA

Foto de Dalton Valerio

    Durante um áspero dia invernal,

apertam-se os porcos espinhos de

 uma manada uns contra os outros

 para se proporcionarem mútuo

 calor. Mas, ao fazê-lo ferir-se-ão

reciprocamente com seus espinhos,

de modo que terão de separar-se.

De novo obrigados a ajuntar-se,

por causa do frio, tornarão a

machucar-se e a distanciar-se.

Essas alternativas de aproximação

e distanciamento durarão até que

lhes seja dado encontrar uma distância

média em que ambos os males

ficam mitigados”

(Arthur Schopenhauer)

Um palco com apenas duas cadeiras discretamente iluminado, uma atriz e um ator potentes e talentosos contando uma boa história, embalados por uma também discreta e bela trilha sonora e um público disposto a ouvir a história. Está instalada a magia do teatro, não é preciso mais nada. O resto é bijuteria, como diria alguém mais radical.

A prova dessa magia que só se concretiza no teatro realizado com presença de público é patente no atual cartaz do Centro Cultural Banco do Brasil.

Coração de Campanha mostra a convivência de um casal durante a quarentena provocada pela pandemia da Covid 19, discutindo uma relação que perdura há 25 anos.

Trata-se de duas pessoas normais, ela atriz, ele professor universitário, sem grandes traumas, bastante civilizados, mas que vez ou outra irritam-se mutuamente. A relação que vinha desgastada, dá sinais de melhoria na convivência durante a quarentena. É desse jogo de aproximação e distanciamento, como os porcos espinhos do aforismo de Schopenhauer, que trata esse singelo espetáculo.  

A chamada “química” entre a atriz e o ator é fundamental nesse tipo de peça, onde os dois contracenam todo o tempo. E química é o que não falta a Clarice Niskier e Isio Ghelman; prova disso foi a pergunta de uma espectadora ao final do espetáculo se eles eram casados na vida real.

Em uma interpretação naturalista, o casal desfila uma série de situações, ora engraçadas, ora dramáticas, tão comuns no dia a dia na vida conjugal. As cenas são permeadas pela trilha sonora original de José Maria Braga.

Clarice já é bastante conhecida pelo público paulistano por seu talento e simpatia e a boa surpresa é Isio Ghelman, excelente intérprete à altura de sua parceira em cena.

As duas cadeiras citadas no início desta matéria, são adereços importantíssimos e suas movimentações pelos dois atores dinamizam e embelezam as cenas. Segundo Clarice, a proposta de ter apenas as cadeiras em cena veio do cenógrafo José Dias. A luz de Aurelio de Simoni também colabora para a dinâmica do espetáculo.

Foto de Dalton Valerio

A direção de Clarice Niskier conta com a supervisão de Amir Haddad. 

CORAÇÃO DE CAMPANHA está em cartaz no Centro Cultural Banco do Brasil até 14 de março. Às segundas e sextas às 18h30 e aos sábados e domingos às 17h. Ingressos: R$30,00 e R$15,00 (meia). 

22/02/2022 

OBS: Chegue mais cedo no CCBB e visite a exposição BRASILIDADE Pós Modernismo 1922 2022.

 

domingo, 20 de fevereiro de 2022

LEONARDO DA VINCI – A OBRA OCULTA (no teatro)

 

De uma privilegiada primeira fileira do auditório do SESC Pinheiro tive o prazer de testemunhar mais uma vez o imenso talento de Cacá Carvalho, cuja carreira acompanho desde 1978 quando ele foi o Macunaíma de Antunes Filho no Theatro São Pedro.

É impressionante como Cacá lendo o texto, o interpreta de maneira tão intensa, deixando o público literalmente de boca aberta.

Em novembro do ano passado assisti ao filme realizado na Casa das Caldeiras a partir da peça ora apresentada em um teatro. O filme era lindo, com Cacá se deslocando naquele belo cenário, mas teatro que é teatro acontece quando comungam atores e público e a magia se completa bastando uma mesa, uma cadeira, as incríveis ilustrações de Cristina Gardumi e a admirável atuação de Cacá.

Não há peça filme, nem teatro virtual que possa captar o som da respiração de Cacá nas cenas em que  as personagens se lançam para a morte em um precipício. Isso só é possível ao vivo, numa sala de teatro. Pura emoção!

Sobre o criativo e inovador texto do jovem dramaturgo italiano Michele Santeramo já escrevi na matéria que publiquei quando assisti ao filme:

https://palcopaulistano.blogspot.com/2021/11/leonardo-da-vinci-obra-oculta.html

A discreta, mas muito boa direção de Márcio Medina se faz presente tanto no filme como na peça.

Leonardo Da Vinci – A Obra Oculta é um pequeno grande espetáculo que se apresenta em um pequeno auditório e mesmo assim com poltronas vazias (além daquelas isoladas pelos protocolos sanitários). Precisa ser URGENTEMENTE descoberto por quem ama o bom teatro e o talento desse grande artista que é Cacá Carvalho.

E ALELUIA! Um bonito e eficiente programa impresso é distribuído para a satisfação dos espectadores que podem lê-lo antes do início da função e leva-lo para casa preservando assim a memória de nosso teatro. 

Em cartaz no auditório do SESC Pinheiros até 05 de março, de de quinta a sábado às 20h. 

20/02/2022

quinta-feira, 17 de fevereiro de 2022

DOS ESCOMBROS DE PAGU

 


Em boa hora os parceiros Roberto Lage (diretor) e Maurício Inafre (produtor) revisitam esse importante e atualíssimo texto sobre Pagu de autoria da escritora pernambucana Tereza Freire que é uma versão teatral, feita por ela mesma, de sua tese de doutorado.

Patrícia Galvão (09/06/1910-12/12/1062), a nossa Pagu - que ganhou esse delicioso apelido por um erro de Raul Bopp, que quis fazer uma abreviação do seu nome em um poema e achou que o sobrenome era Goulart (ainda bem, pois Pagu é muito mais significativo do que Paga) – é um exemplo de mulher transgressora e livre que viveu plenamente seus breves 52 anos, lutando pela liberdade e pelos valores nos quais acreditava.

Em 2010, Lage montou esse texto tendo Renata Zhaneta como Pagu. O programa da peça contém textos impressionantemente atuais de Renata, de Inafre e de Tereza, que parecem estar falando do Brasil de hoje, dominado por essas execráveis figuras que estão no poder.

Se em 2010, a peça prestava uma homenagem ao centenário de nascimento de Pagu, hoje ela é um retrato escancarado da triste situação do Brasil de 2022.

A encenação de Lage acontece em uma sala da Oficina Cultural Oswald de Andrade onde até uma iluminação externa faz parte do cenário no início da mesma. Cenário limpo (no bom sentido) de Livia Loureiro onde a bela iluminação de Tomate Saraiva colabora para criar os climas propostos pelo texto e pelo diretor.

Thais Aguiar é uma ótima surpresa e revela-se uma Pagu guerreira e ciente de seu valor naquela sociedade provinciana do início do século XX. Pagu sofreu preconceito da direita (sua família e o entorno conservador) e da esquerda (integrantes do Partido Comunista), mas foi em frente com seus ideais e as verdades em que acreditava. A indignação da personagem é bem traduzida na visceral interpretação de Thais.

A peça faz um recorte da vida de Pagu iniciando na sua adolescência, passando por seu envolvimento com os modernistas, com a luta política e chegando até a prisão e as torturas. Acontecimentos após a militância como a doença e a tentativa de suicídio não são citados.

Por último, mas não menos importante: prestando serviço IMPORTANTÍSSIMO para o público, para pesquisadores, para os integrantes do espetáculo presentes na ficha técnica e. mais que tudo, para a preservação da MEMÒRIA DO TEATRO BRASILEIRO, a produção do espetáculo distribui um programa impresso com os dados básicos do espetáculo, a ficha técnica e algumas fotos coloridas; tudo isso em uma folha A4, impressa dos dois lados e dobrada em três. Conforme informações da produção, mil exemplares do programa custaram R$980,00, menos de UM REAL por programa! Será que solução desse tipo é inviável para grandes organizações como SESC, SESI e Itaú Cultural e vamos ter que continuar a conviver com os impenetráveis programas acessíveis (??) por QR code?



Dos Escombros de Pagu cumpre temporada relâmpago na Oficina Cultural Oswald de Andrade só até o próximo sábado, dia 19/02. Quinta e sexta às 20h e sábado às 18h. Gratuito.

CORRA!!! 

17/02/2022

segunda-feira, 14 de fevereiro de 2022

A PANE

 

O conto A Pane foi escrito em 1956, mesmo ano em que Friedrich Dürrenmatt (1921-1990) escreveu A Visita da Velha Senhora, sua mais conhecida peça teatral. Posteriormente o conto foi transformado em obra teatral e é ela que é apresentada atualmente no Teatro FAAP, em ótima tradução de Diego Viana com direção de Malú Bazan.

O texto do dramaturgo suíço escrito há 66 anos, mostra-se atualíssimo neste Brasil onde tomar consciência dos seus atos é coisa que, salvo exceções, não se usa mais. A sinopse divulgada no release diz tratar-se “... de uma comédia sobre a justiça. Hóspede inesperado se transforma em réu de um jogo em que juiz, promotor, advogado e carrasco aposentados revivem suas profissões”. O jogo aparentemente inocente daqueles velhos senhores mostra-se poderoso para revelar ao jovem Alfredo Traps seu lado mais sombrio.

Texto lúcido e bem escrito; direção criativa, mas sóbria, sem querer brilhar mais que o texto e elenco impecável só podiam resultar em espetáculo de primeira grandeza.

A cenografia de Anne Cerutti e Malú Bazan adapta-se criativamente ao palco do Teatro FAAP e às suas famosas colunas e é enriquecida pela bela iluminação assinada por Wagner Pinto.

Percebe-se na direção de Malú Bazan que sua encenação pretende contar da maneira mais clara possível uma boa história e seu objetivo é plenamente atingido, contando com um elenco excepcionalmente bom, formado por atores de várias gerações.

Antonio Petrin, Oswaldo Mendes, Roberto Ascar e Heitor Goldflus defendem com vigor e com humor as personagens, respectivamente, do promotor, do juiz, do advogado de defesa e do carrasco. Impossível não destacar o momento em que Petrin descreve a maneira como o chefe do réu morreu, cena merecedora do ator ser aplaudido em cena aberta.

Na ala dos mais jovens está Marcelo Ullmann, o garçom que anuncia em francês, qual vinho será servido na próxima rodada. No original era servido um jantar, mas creio que por razões econômicas, a produção do espetáculo optou apenas pela bebida. Diga-se, por sinal, que a apresentação dos vinhos com a posterior degustação pelos presentes, a princípio engraçadas, torna-se ao longo da peça previsível.

Cesar Baccan tem a difícil tarefa de defender a personagem de Alfredo Traps, que sofre transformações à medida que a trama avança e ele ouve as ponderações, nem sempre justas, dos velhos advogados. Baccan incorpora com muito talento nas suas expressões facial e corporal essas transformações pelas quais a personagem passa.

Quanto à definição dada na sinopse que se trata “de uma comédia sobre a justiça” é muito importante refletir sobre qual “justiça” ela está se referindo. 

14/02/2022

A PANE está em cartaz no Teatro FAAP só até 20/02 com sessões às sextas às 21h, aos sábados às 20h e aos domingos às 18h.

Ingressos de R$60,00 a R$80,00.

domingo, 13 de fevereiro de 2022

A HORA DA ESTRELA ou O CANTO DE MACABÉA

 

A patética Macabéa, em sua sem-graceza e vista como uma nulidade entre os que a rodeiam, é uma das personagens mais populares da literatura brasileira. Criada com muito amor e humanidade por Clarice Lispector pouco antes de sua morte, já foi heroína do filme de Suzana Amaral de 1985 com Marcélia Cartaxo e agora surge em um musical interpretada magnificamente por Laila Garin.

Tudo funciona harmoniosamente na encenação de André Paes Leme desde a adaptação do romance trocando o escritor/narrador por uma atriz/narradora, passando pelas canções criadas por Chico Cesar que permeiam a ação, criticando-a e deixando-a menos triste e pela inventiva movimentação cênica do elenco na excelente arquitetura cênica criada por André Cortez formada por mesas, bancos e painéis que são movimentados à vista do público pelos atores e por uma equipe de contrarregras. Cabe lembrar ainda da criativa iluminação de Renato Machado (as cenas da chuva são lindas) e dos figurinos de Kika Lopes.

Claudia Ventura tem destaque como a fogosa Gloria que rouba Olímpico de Macabéa.

 Na sessão a que assisti Cláudio Gabriel, o titular dos papeis masculinos, foi substituído por Renato Luciano; Cláudio foi muito elogiado por seu trabalho, mas para mim que tenho grande admiração pelo trabalho e pela voz de Luciano, tanto na Barca dos Corações Partidos, como em seu disco solo, foi um verdadeiro privilégio vê-lo interpretando Olímpico de Jesus.

Depois de Elis e de Joana, Laila Garin não precisa provar mais nada nem como cantora nem como atriz, mas seu talento e sua entrega em cena são sempre surpreendentes, tanto como a narradora apaixonada pela criatura como, a própria criatura. Laila faz com muito talento o equilíbrio entre narração e interpretação, com o único senão que às vezes mantém o sotaque nordestino de Macabéa quando está narrando. Talvez por um problema de equalização do som, a voz de Laila torna-se estridente nos agudos das canções.

E por falar nas canções, não se pode esquecer da excelente performance dos músicos que em vários momentos chegam a participar da ação.

E para terminar, a cereja do bolo, que é a cena final quando Macabéa, em seu delírio após ter sido atropelada, vê no homem que a tira do meio da rua, o príncipe encantado profetizado por Madame Carlota.

Espetáculo sensível e belo, fiel ao romance, mas com soluções cênicas originais e interpretações que só engrandecem a obra de Clarice Lispector. 

13/02/2022 

A HORA DA ESTRELA ou O CANTO DE MACABÉA está em cartaz no SESC Santana às sextas e sábados às 21h e aos domingos às 18h até 27 de fevereiro. Sessão extra na sexta feira, 18/02, às 16h.

Ingressos: R$40,00 (inteira) – R$20,00 (meia e credencial plena).

 

 

terça-feira, 8 de fevereiro de 2022

CHICAGO – O MUSICAL

 

Chicago é um fenômeno!

Estreado na Broadway em 1975 com direção de Bob Fosse, o musical teve um importante revival em 1996 dirigido por Walter Bobbie, com coreografia de Ann Reinking no estilo Bob Fosse, nesse revival Ann Reinking também interpretou Roxie Hart.

Foi essa versão que se espalhou pelo mundo.

Eu a assisti com grande entusiasmo em Londres no ano 2000 e escrevi na ocasião: “É um belíssimo musical, totalmente calcado no irônico e ácido texto de Fred Ebb e Bob Fosse, nas músicas de John Kander com letras de Fred Ebb e nos talentos não só dos protagonistas, como dos cantores/dançarinos que são muito mais do que um ‘chorus line’. O espetáculo não tem aqueles efeitos espetaculares tão típicos dos musicais e a orquestra está em cena o tempo todo, fazendo parte da trama”.

Em 2002, Chicago chegou ao cinema, dirigido por Rob Marshall.

Em 2004 o musical chegou a São Paulo baseado na apresentação de 1996, com direção de Scott Faris, tendo Tania Nardini como diretora residente. Escrevi: “Tudo direitinho, bem montado, mas sem o charme e o vigor do espetáculo londrino. Os conjuntos feminino e masculino dançam e cantam muito bem. O espetáculo comprova que funciona melhor no teatro do que no cinema”.

Dezoito anos depois Chicago volta aos palcos paulistanos na mesma versão baseada na apresentação de 1996 do City Center’s Encores, desta vez com Tania Nardini assumindo a direção.

Com sua trama cínica e mordaz, a peça denuncia a corrupção, o jogo do poder e a efemeridade da fama, assuntos pouquíssimo usuais nos musicais. A coreografia baseada no estilo de Bob Fosse é forte e expressiva e o ambiente lembra os antigos cabarés e vaudevilles, remetendo a Karl Valentin e a Bertolt Brecht.

Não sou especialista em musicais, mas não é difícil avaliar o talento e a energia de Emanuelle Araújo como Velda Kelly, o estilo de Carol Costa como Roxie Hart e o charme e o vozeirão internacionalmente reconhecido de Paulo Szot. Eduardo Amir se sai muito bem como o patético Amos Hart, o Mister Cellophane. Mama Morton é interpretada com muito vigor por Lilian Valeska, que tem um dos momentos mais bonitos da peça ao interpretar Educação (Class) em dueto com Emanuelle Araújo.

A destacar ainda a brilhante versão brasileira assinada por Claudio Botelho e a deliciosa orquestra regida por Jorge de Godoy.

Vinte anos me separam da montagem londrina que tanto gostei, mas meu sentimento ao assistir esta versão em cartaz no Teatro Santander não deixou para menos, tirou meus pés do chão e me fez vibrar como há muito eu não o fazia com um espetáculo musical.

 

             Muita gente torce o nariz para este tipo de espetáculo, classificando-o pejorativamente como "cópia xerox" do original estrangeiro. Essa característica de reprodução fiel do original, normalmente faz parte do contrato internacional e acontece dessa maneira em todos os países onde o musical é montado. No meu modo de ver esse tipo de espetáculo merece seu lugar nos palcos paulistanos junto com todo BOM teatro, que vai do tradicional e/ou comercial até o mais experimental.

08/02/2022 

OBS: Infelizmente, o belo programa, que poderia ser vendido como costumava acontecer nos musicais, está disponível apenas por meio do deplorável QR code.

 

Serviço:

No Teatro Santander até 29/05/2022.

Quinta e sexta às 21h/Sábado às 17h e 21h/Domingo às 15h e 19h.

Ingressos de R$75,00 a R$340,00

quinta-feira, 3 de fevereiro de 2022

A PROPÓSITO DOS PROGRAMAS ACESSÍVEIS POR MEIO DE QR CODE

 

1. Histórico dos programas de teatro em São Paulo.

- Até a década de 1950 houve predominância de programas de dois tamanhos 14cmX18,5cm e 16cmX23cm que apresentavam material sobre a peça, fotos da equipe em branco e preto, ficha técnica e propagandas. Em geral eram distribuídos gratuitamente.

14cm X 18,5cm

16cm X 23cm

- Na década de 1960 predominam os de tamanho 16cmX23cm com as mesmas características apresentadas acima.

- Décadas de 1970, 1980 e 1990, os programas aumentam de tamanho 21cmX27cm, ficam mais sofisticados, com parte das fotos coloridas e, em geral, com menos propaganda. Normalmente são vendidos.

21cm X 27cm

Havia empresas especializadas na confecção de programas teatrais como a Progran e a Proteatro em São Paulo e a Editora Teatral Ltda. No Rio de Janeiro.

- A partir do ano 2000 o material torna-se bastante variado tanto na forma como no conteúdo indo de simples flyers a luxuosos programas de espetáculos musicais vendidos. As propagandas praticamente desaparecem. 

2. Os espetáculos virtuais durante a pandemia. 

Com a suspensão dos espetáculos devido ao fechamento dos teatros por conta da pandemia da covid 19, a partir de 16 de março de 2020 surgem os espetáculos virtuais. O público assistiu aos espetáculos apenas com acesso virtual à ficha técnica dos mesmos. Em função da minha atividade, recebi, via assessorias de imprensa, os releases das peças e pude imprimir, no mínimo, sinopse e ficha técnica das mesmas, mantendo assim em meu acervo, os dados básicos dos espetáculos para futuras consultas e preservação da memória do nosso teatro. 

3. A volta dos espetáculos presenciais. 

Nos últimos meses de 2021, aos poucos os teatros foram reabrindo e com a justificativa que o manuseio de papel pudesse ser um transmissor do vírus, os programas físicos foram suspensos e se disponibilizava QR codes para consulta dos mesmos.

Já se provou que inexiste a transmissão do vírus via esse material, no entanto na maioria dos casos, manteve-se a suspensão do programa em papel, muito provavelmente por questões econômicas.

Alguns programas nesse formato muitas vezes são quase ilegíveis quando acessados via celular, alguns nem permitem o download. Imprimir domesticamente esses programas é tarefa árdua e cara: gasta-se muita tinta e muito papel e na forma, nunca se obtém o efeito desejado.

Honrosa exceção foi a publicação pelo SESC do programa da peça Língua Brasileira, que contém matérias preciosas sobre o assunto tratado no espetáculo as quais seriam dificilmente absorvidas quando lidas em um celular.

A grande pergunta que me ocorre é: essa tendência vai continuar? É o fim dos programas impressos?

Em caso positivo, tenho certeza que esse é um grande desserviço à memória, já tão desprezada, do nosso teatro. Esses programas hoje disponíveis via QR code tendem a se tornar indisponíveis com o passar do tempo e será tarefa árdua ou missão quase impossível um pesquisador encontrar um deles para seu trabalho. O Google é bom, mas não faz milagres!

Assim solicito aos produtores, ao SESC, ao SESI, ao Itaú Cultural que estudem uma maneira de voltar aos programas impressos talvez com edições reduzidas e disponibilizados para venda, evitando o desperdício no caso de pessoas que pegam um ou mais programas, não os lê e acaba jogando-os fora.

Tenham em mente que o programa impresso é ferramenta valiosa para quem faz teatro, para pesquisadores e para quem ama o teatro.

Na impossibilidade da volta do programa impresso seria importantíssimo que se estudasse uma forma de disponibilizar as informações sobre os espetáculos de maneira segura, prática e acessível, algo que não acontece com o acesso via QR code e, no mínimo, que se distribuísse material contendo a ficha técnica do espetáculo.

TUDO PELA PRESERVAÇÂO DA MEMÓRIA DO TEATRO BRASILEIRO.

O TEATRO NOS UNE

O TEATRO NOS TORNA FORTES

VIVA O TEATRO! 

03/02/2022