Páginas

sábado, 12 de março de 2022

A ÚLTIMA SESSÃO DE FREUD

 

Fotos de João Caldas

Soa o terceiro sinal, as luzes da plateia apagam lentamente. Acendem-se os spots que incidem sobre a cortina de veludo vermelho que abre lentamente revelando o cenário realista nos mínimos detalhes. Tem início o espetáculo, uma dramaturgia convencional com início, meio e fim mostrando uma ótima e consistente história interpretada por elenco de gabarito, todo ele com excelentes dicção e emissão de voz. Ao final da última cena, os spots do palco vão apagando e a cortina fecha lentamente. As luzes da plateia acendem, surgem os aplausos, a cortina volta a abrir e os atores retornam para agradecer. 

Saudade desse tipo de espetáculo? Então vá assistir a esse memorável A Última Sessão de Freud em cartaz no Itaú Cultural até 18/03, devendo migrar em seguida para o Teatro Vivo.

A peça do dramaturgo norte americano contemporâneo Mark St. Germain, baseada no livro Deus Em Questão do professor clínico de psiquiatria Dr. Armand M. Nicholi Jr (1928-2017), apresenta um encontro fictício do ateu Sigmund Freud (1856-1939) com o intelectual católico C.S. Lewis (1898-1963) onde eles discutem a existência (ou não) de Deus. Os diálogos são fluentes e muito bem construídos, mostrando que o autor tem   profundo conhecimento do assunto e das ideias das personalidades em questão. A maneira como a trama se desenvolve induz o espectador a se questionar sobre seus valores religiosos e éticos.

A peça se passa no dia em que a Inglaterra ingressou na segunda guerra mundial, estando sujeita à invasão e aos bombardeios alemães; nesse aspecto ela se mostra extremamente atual e com uma apavorante semelhança com a situação na Ucrânia, invadida e bombardeada pela Rússia no momento presente.

A encenação de Elias Andreato opta pelo realismo e pela ênfase na palavra, decisão acertadíssima para esse tipo de texto. Para tanto vale-se do cenário de Fábio Namatame que procura reproduzir nos mínimos detalhes e com o máximo de adereços o escritório de Freud na Inglaterra, repetindo na ficção o gesto real de Anna, filha de Freud, que reproduziu em Londres, o escritório do pai em Viena. Seguindo o mesmo conceito, Namatame criou os figurinos de Freud e Lewis. A sóbria e bela iluminação é assinada por Gabriel Paiva e André Prado.


Claudio Fontana dá vida a Lewis com seu habitual talento, somando esta, às suas memoráveis interpretações de Lady Macbeth (Macbeth), Leleco (Boca de Ouro) e Morte (Estado de Sítio), para citar apenas algumas delas.

A composição de Freud realizada por Odilon Wagner é mais que perfeita tanto no gestual como na parte vocal. Os acessos de dor, devido ao câncer que viriam matar Freud poucos meses após o tempo em que se passa a ação da peça, são impressionantemente realistas. Interpretação digna de ser lembrada entre as melhores do ano.

Note-se que em dois dias seguidos faço essa observação e me sinto privilegiado em testemunhar em tão pequeno espaço de tempo, trabalhos tão dignos e perfeitos como os de Donizeti Mazonas em Com os Bolsos Cheios de Pão e de Odilon Wagner em A Última Sessão de Freud.

Elogiável também o trabalho de Ronaldo Diaféria que não poupou esforços para revestir esta produção dos melhores recursos técnicos, cênicos e interpretativos. 

ABSOLUTAMENTE IMPERDÍVEL! 

11/03/2022

Em cartaz no Itaú Cultural até 27/03 de quinta a sábado às 20h e aos domingos às 19h.

 

 

 

 

Um comentário: