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segunda-feira, 28 de março de 2022

CÁRCERE ou PORQUE AS MULHERES VIRAM BÚFALOS


Foto de Weslei Barba

As encenações de Miguel Rocha têm marca bastante própria que inclui o esmerado cuidado com a ambientação, a iluminação, os figurinos, a trilha sonora executada ao vivo e a tendência cada vez maior de incluir cenas performáticas entre aquelas com o texto onde se desenvolve a trama.

As cenas performáticas magnificamente coreografadas por Érika Moura (direção de movimento) e embaladas pela pulsante trilha sonora executada pelas meninas Amanda Abá, Denise Oliveira e Jennifer Cardoso nas cordas e Alisson Amador na percussão constituem, no meu modo de ver, o maior mérito deste novo trabalho da Companhia de Teatro Heliópolis dirigida por Rocha, pois além de serem muito belas e bem resolvidas, ilustram e enriquecem as cenas faladas criadas por Dione Carlos. A cena do futebol é um exemplo da sintonia do elenco.

O texto faz denúncia clara e importante sobre o sistema de carceragem brasileiro por meio da história de duas irmãs pretas Maria das Dores e Maria dos Prazeres que moram em uma favela, sendo que a primeira tem o filho Gabriel que, segundo ela, foi preso injustamente e a outra tem o companheiro violento também preso.

Visitas à cadeia, rebeliões presidiárias e comportamento interno dos presos, assim como, as relações das duas irmãs são alguns dos fatos que perpassam o texto de Dione Carlos, cujas verdadeiras protagonistas são essas mulheres acuadas e violentadas que um dia percebem a força que têm e viram búfalos para se defender.

Jucimara Canteiro (Maria das Dores) e Dalma Régia (Maria dos Prazeres) encarregam-se das personagens das duas irmãs, que parecem carregar em seus nomes os seus destinos: enquanto Das Dores passa seu tempo se lamentando pela prisão do filho, Dos Prazeres, que é manicure, procura viver sua vida com alegria e em companhia de sua cervejinha. Priscila Modesto encarrega-se de interpretar uma parente das duas e o elenco feminino conta ainda com a presença luminosa da linda menina Isabelle Rocha, filha do diretor e de Dalma Régia. Cabe lembrar que Gustavo, o filho mais velho do casal, participou de (In)Justiça, montagem anterior da Companhia e, com esta tendência, a caçula, provavelmente, participará da próxima.

O elenco masculino é composto por Antônio Valdevino, Danyel Freitas, Davi Guimarães, Jefferson Mathias e Walmir Bess, cada um com direito a solos excelentes com destaque para aqueles com Davi Guimarães.

O espetáculo, que inicia com uma belíssima cena ritualística ao som dos atabaques tocados por parte do elenco masculino, tem excelente desenvolvimento com uma harmoniosa mistura de cenas performáticas com aquelas faladas, para tanto utiliza-se dos trabalhos dos respeitáveis profissionais que compõem a ficha técnica.

Não há como deixar de destacar a interpretação de Dalma, uma espécie de primeira dama da Companhia de Teatro Heliópolis. Seja nas cenas narradas de forma épica, seja nas cenas bem humoradas em conversa com a irmã e seja, principalmente, na pungente cena final onde ela descarrega toda a revolta de um ser acuado. Pela garra na interpretação nesta cena, Dalma me lembrou a Joana da saudosa Bibi Ferreira na cena da maldição para Jasão na peça Gota d’Água. Grande momento. 

CÁRCERE está em cartaz na Casa de Teatro Maria José de Carvalho na Rua Silva Bueno, 1533 – Ipiranga até 05 de junho com sessões às sextas e sábados às 20h e aos domingos às 19h.

28/03/2022

 

 

 

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