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segunda-feira, 23 de janeiro de 2023

VIVA O TEATRO e VIVA MARAJÓ

 

Claudio Barros em Solo de Marajó

Três excelentes espetáculos preencheram o fim de semana deste espectador apaixonado. 

Após duas tentativas frustradas consegui finalmente assistir a Três (ou quatro?) Mulheres Altas, de Edward Albee dirigido por Fernando Philbert com um elenco de primeira formado por Suely Franco, Deborah Evelyn e Nathalia Dill. As composições de Suely Franco (histriônica e perversa) e de Beatriz Segall (contida, mas mais perversa, na montagem de 1995) para a velha senhora A norteiam em grande parte as diferenças entre as duas excelentes montagens desse surpreendente texto. 

F(r)icções é outro incrível espetáculo/performance onde Rodrigo Portella adaptou e dirigiu com mão de mestre nada mais nada menos que o robusto livro SAPIENS – Uma Breve História da Humanidade de Yuval Noah Harari para uma interpretação antológica de Vera Holtz em companhia do versátil músico Federico Puppi. A absoluta harmonia entre todos elementos (texto, interpretação, cenário, figurino, luz e trilha sonora) fazem deste, desde já, um dos momentos mais marcantes de uma temporada teatral que está apenas começando. 

Escrevo, propositalmente por último, sobre o surpreendente espetáculo Solo de Marajó vindo do Pará pelo Grupo Usina tendo Alberto Silva Neto na direção e Claudio Barros na atuação.

Louve-se a em primeiro lugar a vinda de um trabalho de fora do eixo Rio-São Paulo, mas louvação maior fica por conta da alta qualidade do mesmo.

Em um palco nu, vestindo um sóbrio figurino o ator desdobra-se vocal e gestualmente na dezena de personagens que povoa as oito histórias que ele conta.

A voz poderosa do narrador transforma-se junto com seu corpo naquelas de Ritinha, Alaíde e tantas/os outras/os mulheres/homens “esquecidos” (conforme palavras que Claudio me dirigiu ao fim do espetáculo) naquele mundo tão distante e desconhecido de nós paulistanos, habitado por brasileiros como nós.

As histórias, retiradas do livro Romance Marajó do autor marajoara Delcídio Jurandir (1909-1979), são tocantes e trazem um pouco da realidade dos povos ribeirinhos da Ilha de Marajó.

Seja pela excelência do espetáculo, seja pela importância do tema tratado, urge que você se dirija ao auditório do SESC Pinheiros para se surpreender e se arrebatar com a experiência única que é Solo de Marajó. Em cartaz até 11/02 de quinta a sábado às 20h.

23/01/2023

 

 

 

sábado, 21 de janeiro de 2023

O DILEMA DO MÉDICO

 

E assim Sergio Mastrospaqua e o Círculo de Atores vão varrendo a obra de George Bernard Shaw (1856-1950).  Mastropasqua tem em seu currículo mais de meia dezena de peças do dramaturgo irlandês e agora é o protagonista de O Dilema do Médico, peça escrita em 1906 que é pela primeira vez montada em São Paulo.

O filme inglês de 1958 era minha única referência sobre a obra e, se a memória não falha, o protagonismo passava do médico (Dr. Colenson Ridgeon) para o casal Dubedat, interpretados pelos na época famosos Dirk Bogarde e Leslie Caron. Acredito que a meia hora inicial da peça (a reunião dos médicos) tenha sido eliminada no filme. Na verdade, os maiores conflitos da trama surgem após essa reunião, com a entrada em cena de Jennifer Dubedat que vem pedir auxílio ao médico para a cura de seu marido.

A encenação de Clara Carvalho privilegia todas as personagens da peça (são 12 intérpretes em cena!) dando destaque também para papeis menores como o de Emmy que tem seu momento de glória na presença exuberante de Nabia Villela e como o do jornalista, numa deliciosa entrada em cena de Thiago Ledier quase ao final da apresentação. Bons momentos também são reservados a Oswaldo Mendes, Rogério Brito e Renato Caldas.

Sergio Mastropasqua tem presença e talento para mostrar todas as nuances do dilema do Dr. Ridgeon. Iuri Saraiva se encarrega do insinuante Louis Dubedat e Bruna Guerin tem bela presença cênica como a envolvente Jennifer.

A má acústica do auditório do MASP, somada aos meus problemas auditivos e ainda à fraca emissão de voz de Bruna Guerin fizeram com que eu não escutasse boa parte das falas da atriz, dificultando a compreensão da trama e, principalmente, do fundamental diálogo final entre ela e o médico, onde se revelam as verdadeiras intenções do doutor.

O cenário de Chris Aizner privilegia mais as rápidas trocas de cena do que a beleza plástica que só se insinua na última cena. O conceito por trás da trilha sonora criada por Gregory Slivar que surge e desaparece do nada não ficou claro para este espectador. Marichilene Artisevskis é responsável pelos belos figurinos e Wagner Antônio assina o desenho de luz do espetáculo.

Toda essa estrutura é dirigida com maestria pela sempre digna e talentosa Clara Carvalho.

A meu ver este espetáculo ficaria muito mais confortável e atraente em teatros como o Anchieta e o Aliança Francesa. 

O DILEMA DO MÉDICO está em cartaz no Auditório do MASP até 26 de março com sessões às sextas e sábados às 20h e aos domingos às 19h. 

20/01/2023

quarta-feira, 18 de janeiro de 2023

BOA NOITE BOA VISTA

Com pouco mais de 40 anos, Eduardo Mossri ainda é um jovem ator que tem carreira consolidada e consagrada em função de seu talento. Realizou significativos trabalhos nos últimos tempos como Foxfinder (2021), Ópera Urbe (2016) e Condomínio Nova Era (2014), mas foi nos monólogos Ivan e os Cachorros (2012) e, principalmente, Cartas Libanesas (2015) que seu talento foi melhor reconhecido e premiado.

Agora chegou a vez de Mossri realizar um novo monólogo, desta vez se arriscando também na autoria; para tanto baseou-se no diário de bordo que escreveu durante sua estadia na cidade de Boa Vista, capital de Roraima, no início de 2020. A dramaturgia resultante contou com a colaboração (intervenção dramatúrgica) de José Eduardo Vendramini, Camila Valiengo, Karen Menatti e Carolina Fabri.

No início do espetáculo o ator alerta o público para que use a imaginação para acompanhar a narrativa que, diga-se de passagem, não é linear e exige que o espectador decifre rapidamente quem é que está se dirigindo a ele: um porteiro de um banho público, o excremento humano que foi presidente deste país e até um baobá, entre muitos outros personagens que vão aparecendo durante o desenrolar da trama.

Mossri também avalia qual seria sua participação/ajuda naquele mundo caótico habitado por pessoas em situação de refúgio. Comenta que se fosse médico, advogado ou enfermeiro saberia como agir, mas como ator? A resposta a essa pergunta não fica muito clara após o término da peça, mas não resta dúvida que o olhar com compaixão e a solidariedade do ser humano Eduardo Mossri contribuiu para mitigar o sofrimento daquela gente.

Na concepção minimalista do encenador Antonio Januzelli, Mossri atua deslocando-se muito pouco do centro do espaço cênico e é iluminado discretamente pelas luzes de Marisa Bentivegna.

De forma geral, 90 minutos é tempo excessivo para a duração de um monólogo e Boa Noite Boa Vista não foge à regra. 15 minutos a menos - principalmente na parte final quando o baobá intermedeia uma discussão entre duas etnias venezuelanas que vivem em uma ocupação - fariam muito bem á montagem.

Boa Noite Boa Vista é um espetáculo digno e necessário que precisa ser visto.

Em tempo: O SESC insiste em disponibilizar o programa de alguns espetáculos apenas através de QRcode. A produção desta peça fez um programa reduzido, mas com os dados principais, para ser distribuído ao público. 

BOA NOITE BOA VISTA está em cartaz no SESC Pompeia até 17/02 de terça a sexta às 20h30. 

18/01/2023

sexta-feira, 13 de janeiro de 2023

NASCI PRA SER DERCY

 

Dercy Gonçalves (1907-2008) merecia este espetáculo!

Eu ia escrever que ela merecia esta homenagem, mas tenho certeza que ela retrucaria dizendo “Eu não quero essa merda de homenagem, homenagem é pra gente morta!!”. E Dercy será eterna, enquanto for lembrada por todos aquele que riram ou ainda riem com ela!

Ignorada durante grande parte de sua carreira pela crítica, terminou sua vida endeusada pelos mesmos intelectuais que anteriormente a evitaram. Dercy não estava nem aí para isso e mandou à merda tudo o que poderia lhe ofuscar a vida (na peça, ela cita essa atitude como um dos remédios para sua saúde e longevidade).

No espetáculo, uma atriz participa de teste para a escolha de intérprete para o papel de Dercy em um filme. Grande fã de Dercy, a atriz contesta o roteiro que lhe pedem para fazer e aos poucos vai incorporando aquilo que ela acredita que Dercy diria. Essa cena inicial é bastante criativa e conta com a participação da voz de Miguel Falabella como o entrevistador. A partir daí, o autor Kiko Rieser costura muito bem falas e atitudes de Dercy aparecidas em entrevistas ou ditas pela atriz em programas de TV ou em suas apresentações.

Kiko Rieser vem se firmando no cenário teatral paulistano como autor, diretor e produtor e este, sem sombra de dúvida, é seu trabalho mais maduro e melhor realizado. Para tanto cercou-se de profissionais talentosíssimos como Kleber Montanheiro (cenário e figurinos), Aline Santini (desenho de luz), Mau Machado (trilha sonora), Eliseu Cabral (visagismo) e Bruna Longo (preparação corporal).

Grace Gianoukas realiza belíssimo trabalho tanto como a atriz Vera, como quando incorpora a voz e o gestual de Dercy (para tanto lhe basta colocar a peruca loira, tão característica de Dercy). Interpretação digna de ser lembrada quando se fizerem as listas dos melhores do ano. Interrompida várias vezes pelas exageradas e contínuas palmas da claque sempre presente em pré estreias, tenho certeza que em apresentações normais o rendimento de Grace crescerá bastante. Não que a atriz não mereça aplausos por seu magnífico trabalho, mas o excesso é sempre danoso para qualquer fato.

Ri-se muito durante todo o espetáculo, mas a emoção também aflora em vários momentos, pois Kiko e Grace conseguiram nos mostrar não só o lado histriônico, mas também o lado humano da grande vedete e mulher que foi Dercy Gonçalves.

A memória do teatro brasileiro agradece. 

NASCI PRA SER DERCY está em cartaz no Teatro Itália às sextas e sábados às 21h e aos domingos às 19h até 26/02.

NÃO PERCA!!


13/01/2023

 

sábado, 7 de janeiro de 2023

A DRAMATURGIA BRASILEIRA NOS PALCOS PAULISTANOS EM 2022

        

        No ano de 2022 ressurge com toda a força o teatro de verdade usando o pleonasmo “teatro presencial”.

O chamado teatro virtual, muito bem vindo durante o período pandêmico, do qual se esperava uma significativa sobrevida, praticamente desapareceu das telas dos celulares e dos notebooks. O Guia OFF, mesmo que apenas em edição on-line, foi o único sobrevivente dos guias de teatro da cidade de São Paulo e indicou pouquíssimos espetáculos virtuais de janeiro a agosto, sendo que, a partir de setembro eles desaparecem por completo de suas páginas.

        A análise da dramaturgia brasileira em nossos palcos que venho realizando e publicando há vários anos, tornou-se cada vez mais difícil, necessitando a impressão mensal do único guia existente e a consulta aos meus arquivos a partir de releases e programas de peças. Sendo assim, é bem provável, que este seja o último ano que publico este tipo de estudo.

        Com base nos dados disponíveis estiveram presentes nos palcos da cidade cerca de 360 espetáculos que tiveram um nome brasileiro na dramaturgia. Foi mantida a proporção de 25 espetáculos com dramaturgia estrangeira para cada 75 espetáculos de dramaturgos brasileiros, sendo assim podemos fazer uma aproximação escrevendo que estrearam (ou reestrearam) na cidade de São Paulo em 2022, 480 títulos sendo 360 de autores brasileiros e 120 de autores estrangeiros.

        O foco, na presente matéria, é a dramaturgia brasileira.

        Houve um número significativo de peças vindas de temporadas anteriores. Aquelas apresentadas em mostras ou festivais não aparecem nesta matéria.

        Mais uma vez houve pouca presença dos autores clássicos: com dois títulos comparecem Ariano Suassuna, Jorge Andrade e Plínio Marcos, seguidos de Nelson Rodrigues, Dias Gomes e Oduvaldo Vianna Filho com apenas uma peça. Até Ronaldo Ciambroni, muito apresentado em anos anteriores, teve poucas peças em cartaz.

        Talvez o autor brasileiro mais montado tenha sido o jovem Luccas Papp com quatro peças apresentadas.

        A maioria dos dramaturgos é pouco conhecido e aparece com apenas um título e, infelizmente, tem pouca chance de voltar a comparecer nos próximos anos.

        Foram apresentados oito musicais biográficos e outro tanto de musicais gerais, a maioria deles sem grandes méritos dramatúrgicos.

        Daquilo que tive oportunidade de assistir (124 das 360) meus destaques vão para:

        - A Esperança na Caixa de Chicletes Ping Pong – Clarice Niskier

        - A Semente da Romã – Luís Alberto de Abreu

        - Brenda Lee e o Palácio das Princesas – Fernanda Maia

        - Cabaret dos Bichos – Zé Henrique de Paula

        - Comida nas Costas, Barriga Vazia – Alex Moletta

        - Festa dos Bárbaros – Georgette Fadel, Patrícia Gifford, Paula Klein

        - Jacksons do Pandeiro – Braulio Tavares e Eduardo Rios

        - Macacos – Clayton Nascimento

        - Museu Nacional – Todas as Vozes do Fogo – Vinicius Calderoni

        - Pérsia – Sandra Vargas

        - Renoir – A Beleza Permanece – Rogerio Correa

         Entendo o balanço do ano como positivo, tanto em qualidade como em quantidade, mesmo com todos percalços provocados pelo infame governo que terminou em 31/12/2022.

        Tudo leva a crer que, com os bons ares que o Brasil volta a respirar em 2023, a área cultural terá um novo impulso e muita coisa boa vai acontecer.


        06/01/2023