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domingo, 14 de julho de 2024

PETRA

 


Lindsay Castro Lima em foto de Luiza Ananias
 

        1984

No início dos anos 1980 Rainer Fassbinder tinha falecido a pouco (1982), mas ainda estava em voga com seus filmes e com suas peças teatrais; além disso, o assunto homossexualismo feminino começava a ser mais presente nas discussões.

 Nada mais oportuno de que nossos produtores (Teatro dos 4) escolhessem um texto desse autor que tratasse desse assunto para a sua próxima montagem e a escolha recaiu em As Lágrimas Amargas de Petra von Kant em uma montagem em grande estilo dirigido por Celso Nunes tendo nos principais papeis Fernanda Montenegro como Petra, Renata Sorrah (Karin.a amante) e Juliana Carneiro da Cunha (Marlene, a empregada muda).

A peça estreou no Rio de Janeiro e depois veio para São Paulo causando comoção e tendo enorme sucesso por onde passasse.

Por mais sucesso e prêmios recebidos por Fernanda e Renata, quem brilhou nesse espetáculo foi Juliana revelando todas sensações do seu personagem apenas com sua magnífica expressão corporal. Na saída do teatro e nas críticas teatrais só se enfatizava sua extraordinária performance eclipsando as interpretações das atrizes principais.

 

2001

A peça foi montada novamente em São Paulo dirigida por Ticiana Studart com Denise Weimberg, Deborah Sdecco e Miwa Yanagizawa, sem maior repercussão tanto na crítica como no público,

 

2024

Marlene continua sendo a maior atração de todas encenações dessa peça

        A montagem tem Bete Coelho e Luiza Curvo nos papeis de Petra e Karen. A ágil encenação também de Bete em parceria com Gabriel Fernandes conta com belo cenário de Daniela Thomas e Felipe Tassara envolvido em espelhos com poucos adereços manipulados em cena e luz desenhada por Beto Bruel. A destacar a cena da dança de Petra com a assistente e aquela da revolta de Petra com a amiga e as parentes que remete a cena típica de filme do Almodóvar

        O visagismo e o penteado (Claus Borges) enfeiam sobremaneira Bete Coelho chegando, a meu ver, a comprometer sua atuação que adquire um tom caricatural. Luiza Curvo defende a sensual e aproveitadora Karen com dignidade. Também as outras atrizes têm boa atuação em pequenas participações (Clarissa Kiste, Renata Melo, Miranda Diamant Frias) assim como a cantora/atriz Lais Lacôrte em bonitas e sensuais intervenções musicais acompanhada ao piano.

        Mas os melhores momentos do espetáculo ficam nas mãos, ou melhor, no corpo de Lindsay Castro Lima como Marlene, a servil assistente de Petra. Contrariando aquele de Petra o seu penteado bastante curto é o ideal para seu personagem, assim como seu figurino sóbrio em contraste com aqueles luxuosos das outras personagens (figurinos por Renata Correa). Com seu andar marcado e um impressionante controle da expressão corporal Lindsay faz as vezes da contrarregragem, assim como comenta todas ações e sensações de Petra com sua também incrível expressão facial. Trata-se de uma performance mais uma vez digna de atenção e de muitos prêmios. Sem desmerecer o restante da ficha técnica, a interpretação de Lindsay como Marlene é a melhor atração deste espetáculo. NÃO DEIXE DE VÊ-LA!


        PETRA está em cartaz no Teatro Cacilda Becker até 07 de agosto de quarta a sábado às 21h e domingos às 19h.

        Produção da Cia. BR116-teatrofilme

 

        14/07/2024

 

 

 

terça-feira, 9 de julho de 2024

ÁLBUM DE FAMÍLIA

 

         - Um pouco de história não faz mal a ninguém

Jorge Farjalla é obstinado pelas peças míticas de Nelson Rodrigues. Já montou Doroteia (1949) em 2017 e Senhora dos Afogados (1947) em 2018 e agora chegou a vez de Álbum de Família (1946), só faltando encenar profissionalmente Anjo Negro (1947) para completar a série.

Foi o crítico Sábato Magaldi que classificou de míticas essas quatro peças escritas em seguida (Álbum de Famíla>>Senhora dos Afogados>>Anjo Negro>>Doroteia) na segunda metade da década de 1940. Nelson Rodrigues as classificou de “peças desagradáveis”

Se há desagradabilidade nas quatro peças mencionadas, não resta dúvida que Álbum de Família seja a campeã nesse quesito pelo tema áspero e perverso tratado e pela forma como ele é tratado, apesar do enorme talento do autor.

A ciranda passional da peça é composta de um pai (Jonas) que tem atração pela filha (Gloria), o filho (Edmundo) com atração pela mãe (Senhorinha), enquanto esta tem atração pelo outro filho (Nonô) e para completar Guilherme é tarado pela irmã Gloria. O casal Jonas e Senhorinha vive com os quatro filhos e a irmã de Senhorinha (Ruth) em um ambiente opressivo e cheio de luxúria armazenada que extravasa vez ou outra. Retratos singelos dessa nobre família são mostrados durante a ação.

Ao que consta Farjalla nunca apresentou em São Paulo algumas das peças psicológicas ou das tragédias cariocas do autor.

Farjalla realizou uma montagem criativa de Doroteia que constava com uma notável interpretação de Rosamaria Murtinho, mas a encenação de Senhora dos Afogados foi, a meu ver, bastante equivocada prejudicando bastante um dos mais belos textos de Nelson Rodrigues.

Vejamos o que ele faz com Álbum de Família!

A encenação 

É poderosa a primeira impressão que se tem ao adentrar o espaço cênico formado por um chão de terra vermelha e um álbum ao vivo da família; a única figura presente é Nonô, que também será a última a ali permanecer: aquele chão consumirá toda a família. Louve- se de início a bela e equilibrada cenografia assinada pelo diretor Jorge Farjalla. Tudo iluminado com a tradicional beleza assinada por Aline Santini.

Como encenador, Farjalla tratou o texto com a crueldade e a perversidade que lhe são próprias, sem, porém, exagerar nos apelos eróticos/passionais e até enfatizando os lados poéticos, irônicos e até engraçados tão presentes na obra de Nelson Rodrigues. Assiste-se às desgraças daquela família mais que disfuncional com um misto de horror e de humor no semblante. Para tanto contou com a belíssima trilha sonora também assinada por ele, composta por canções de Cartola e com o harmonioso elenco formado em parte por atrizes e atores bastante jovens. O resultado é muito bom e bastante fiel ao universo rodriguiano.

Por decisão do encenador foi suprimido o personagem do locutor e as fotos do álbum que são substituídas por cenas ao vivo.


 

Com muita garra Mariana Barioni e Alexandre Galindo dominam a cena como os protagonistas Senhorinha e Jonas. Mesmo sem ter idade para a personagem a composição de Mariana é perfeita e Galindo reafirma seu talento como o atormentado Jonas.

Lidia Engelberg tem participação digna como a despeitada (nos dois sentidos) Ruth.

Roberto Borenstein empresta sua voz potente ao avô servil que oferece a neta virgem para Jonas.

Jullia Leite tem uma pequena, mas importante participação como a mulher de Edmundo.

Helena Cury, Lakís Farias e Lara Paulauskas completam o elenco feminino.

Daniel Marano e Iuri Saraiva defendem com força os revoltados irmãos Guilherme e Edmundo, assim como Fernanda Gidali como Gloria que tem uma boa participação apesar do excesso de agudo na voz que confere um tom infantil à sua personagem.

Finalmente Agmar Beirigo que empresta seu corpo para exprimir os sentimentos do mudo Nonô, que apesar de ser considerado louco por todos é a personagem mais lúcida e pura da história.

Há muito mistério a ser desvendado à medida que você folheia este inusitado álbum de família. Há muita magia. HÁ MUITO TEATRO!!

NÃO DEIXE DE VER

Prestigie o novo espaço teatral da cidade: TEATRO ESTÚDIO situado na Rua Conselheiro Nébias 891.

Temporada até 18 de agosto com sessões às sextas e aos sábados às 20h e aos domingos às 18h 

09/07/2024

 

 

 



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terça-feira, 2 de julho de 2024

HEDDA GABLER

 


Depois que, em 1879, Nora bateu a porta da casa de bonecas dando adeus à burguesa vida familiar, Ibsen abriu uma fase de ouro em sua produção dramatúrgica criando quase anualmente obras primas como Espectros (1881), Um Inimigo do Povo (1882), O Pato Selvagem (1883), Rosmersholm (1886), A Dama do Mar (1888) e finalmente Hedda Gabler (1890).

Esta última foi a escolhida pelo Círculo de Atores para sua próxima realização.

        Hedda Gabler é uma peça difícil por retratar Hedda, uma personagem contraditória com a qual as outras personagens, com exceção do Juiz Brack, não sabem como lidar. Esse jogo complexo é um desafio para a direção da peça. Mais uma vez a premiada Clara Carvalho se sai muito bem desse tipo de desafio.

        Não encontro termo melhor para definir este trabalho, trata-se de uma direção cristalina: limpa, transparente e original como a água de uma fonte.

        A direção do ótimo elenco é exemplar na uniformidade do todo, sem deixar de destacar cada um,  a começar pela presença luminosa de Chris Couto em pequena, mas marcante participação.

        Com sua bela e potente voz, Nábia Villela se destaca tanto na interpretação da parte cantada da trilha, especialmente criada por Gregory Slivar, como a empregada da casa.

        Mariana Leme se impõe no difícil papel de companheira rejeitada. Bela e imponente presença em cena que em certos momentos me lembrou a dignidade e a classe da saudosa Cleyde Yáconis.

        Carlos de Niggro responde com talento pelo personagem de Lovborg.

        A virilidade de Jorge Tesman se contrapõe à sua insegurança e timidez e Guilherme Gorski sabe jogar com essa contradição na composição de seu personagem.

        Sergio Mastropasqua empresta seu talento e sua classe para compor o frio e perverso Juiz Brack.

        Karen Coelho foi uma escolha perfeita para o papel de Hedda, mesclando sua aparente fragilidade física com as ações onde defende com unhas e dentes os seus pontos de vista. Com este trabalho Karen se impõe como um dos grandes talentos jovens do nosso teatro.

        Dispondo desse texto e desse elenco de ouro, Clara conta ainda com a significativa cenografia de Chris Aizner que coloca até uma linda varanda no exíguo palco do auditório do Masp, a iluminação assinada por Nicolas Caratori , os figurinos de autoria de Marichilene Artisevskis e a incrível trilha sonora de Gregory Slivar executada ao vivo que comenta e complementa cada ação da peça.

        A preparação vocal realizada por Babaya Morais, aliada ao talento dos atores, permite que o público entenda o texto, apesar das péssimas condições acústicas do auditório do MASP

        Desse dilúvio de talentos só podia resultar um espetáculo com o quilate de Hedda Gabler.

        NÃO DEIXE DE VER.

 

        HEDDA GABLER está em cartaz no Auditório do MASP até 25/08 às sextas e aos sábados às 20h e aos domingos às18h

 

        02/07/2024