Enquanto nos dirigimos com van da Estação Sacomã para a comunidade
de Heliópolis somos informados por um noticiário da TV Heliópolis que um bando
roubou uma carga de leite em pó (diga-se pó, ou melhor, cocaína). Adentrando a
comunidade faz-se uma pequena pausa para uma cervejinha num boteco onde alguns
frequentadores discutem e brigam em volta de uma mesa de bilhar. Serjão, nosso
guia nada amistoso, nos conduz em seguida para o Cine Favela onde nos
acomodamos para assistir a Vira-latas de
Aluguel texto escrito em processo
colaborativo pelo grupo e assinado pelo também diretor Daniel Gaggini e
inspirado no filme Cães de Aluguel (1992)
de Quentin Tarantino.
Um suceder de atos violentos (uma mulher baleada que
agoniza, um homem que tortura uma mulher enquanto dança ao som da lírica O Cisne de Saint Saens, homens se
atracando por qualquer motivo) acontece nas dependências de uma igreja
evangélica onde um pastor tenta pacificar uma incontrolável violência. Vários
tipos (todos detestáveis) desfilam em cena com destaque para a vereadora
corrupta (é claro!) e o chefe da gangue, um efeminado ambíguo e violentíssimo.
Tudo caminha para um final violento digno do Hamlet de Shakespeare, a diferença é que em vez de um Horácio que
proclama tempos de paz para o reino da Dinamarca, a sobrevivente é a vereadora
corrupta que não só elimina todos que se interpõem no seu caminho como leva
para si boa parte da carga roubada.
O surpreendente espetáculo de Gaggini nos sufoca e nos
imerge na violência e no caos urbano. O elenco (escolhido a partir de um
projeto de capacitação teatral que teve 157 pessoas inscritas) sai-se muito bem
com destaque para Aga Orimaf (o chefe), Bruno Ribeiro (Serjão), Eduardo
Ferreira (Batata) e para Tabata Monteiro, a bela atriz que interpreta a vereadora. Foi muito bonito encontrar no elenco
Donizete Bomfim e Klaviany Cozy, dois atores da Companhia de Teatro Heliópolis que nos brindou em 2012 com o
excelente O Dia em que Túlio Descobriu a África.
Ao final do espetáculo há um congraçamento de atores e
público e é uma alegria verificar que atrás daquelas personagens escrotas
existem pessoas tão afáveis, bonitas e simpáticas.
Vira-Latas de Aluguel tem uma importância básica que é a
realização do projeto social com a comunidade de Heliópolis e trata-se de uma
experiência absolutamente imperdível para quem ama o teatro e reflete sobre a
realidade brasileira. O espetáculo é apresentado aos sábados e domingos às 20h
para pouco mais de 20 privilegiados espectadores. A temporada, já prorrogada
por duas vezes, parece que vai terminar em 30 de março com ingressos esgotados
até essa data, mesmo assim vale a pena tentar conseguir um lugarzinho, você não
vai se arrepender.
Por último, mas não menos importante: a logística do
espetáculo funciona perfeitamente desde a recepção no Sacomã, o transporte de
ida e volta com a van e a acomodação no teatro. (tudo isso feito por Serjão e
Marron). E ao final ainda somos brindados com a beleza e a simpatia de Luh
Moreira, responsável pela produção do espetáculo.
OBS: As fotos aqui reproduzidas são de Weslei Barba.
Zé, uma pergunta: O texto ou a apresentação não são maniqueístas?
ResponderExcluirRETIFICANDO:
ResponderExcluirA pergunta acima foi enviada por Nadya Milano. É que como a Ingrid usou meu computador hoje acabou entrando em nome dela. Sorry.
Como já lhe disse pessoalmente, não há nada de maniqueísmo no espetáculo.
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