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segunda-feira, 17 de março de 2014

UM BALANÇO DA 1ª MOSTRA INTERNACIONAL DE TEATRO DE SÃO PAULO – MITsp 2014


 

     Durante nove dias (de o8 a 16 de março), São Paulo abrigou a 1ª Mostra Internacional de Teatro  organizada por Antonio Araújo e Guilherme Marques com o objetivo de resgatar os inesquecíveis festivais organizados por Ruth Escobar entre os anos 1976 e 1999 e assim trazer ao público paulistano uma amostra do teatro que se  faz pelo mundo (tarefa muito bem preenchida pelo Sesc nos últimos anos).
     Foram onze espetáculos, dos quais assisti a sete. Polêmicas e pontos de vista discordantes à parte, todos os espetáculos tiveram em comum a preocupação de discutir problemas que afligem o mundo de hoje por meio de encenações com linguagens contemporâneas e muitas vezes inovadoras.
 

Público aguardando no Sesc Vila Mariana
 

     A mostra foi um sucesso de público com predominância dos jovens que enfrentaram horas de fila para assistir às montagens. Da maneira como foi montada, a grade permitiu que com certo esforço, o público tivesse a oportunidade de ir a todos os espetáculos. Numa semana com entrega do prêmio APCA, concerto de abertura da temporada da Osesp e ópera no Municipal, ainda tive a oportunidade de conferir sete títulos da mostra. Qualidade e não quantidade fica como uma das maiores marcas deste retorno aos festivais internacionais de teatro ao qual desejamos longa vida. A 2ª MITsp já está marcada para acontecer entre 06 e 15 de março de 2015.
 
Auditório Ibirapuera
 
     Segue uma lista (na ordem dos que mais gostei) dos espetáculos e um breve relato sobre os mesmos:
 
 
     - CINEASTAS - (Argentina). Para mim o mais bem sucedido espetáculo da mostra. Fazendo de forma original a comparação entre realidade e ficção (tema caro ao nosso grupo Hiato), o autor e diretor Mariano Pensotti  através de texto fluente e bem humorado conta a história de quatro cineastas às voltas com seus problemas pessoais (parte inferior do palco) e com os filmes que estão produzindo (parte superior do palco). A peça é também uma homenagem ao cinema e à cidade de Buenos Aires.
 
     - SOBRE O CONCEITO DE ROSTO NO FILHO DE DEUS - (Itália). Visualmente impactante desde o cenário extremamente branco da primeira parte que vai aos poucos se tingindo de excremento humano, passando pela cena do apedrejamento da imagem do rosto de Cristo e a última com a transformação da imagem e a frase “Você (não) é o meu pastor”. A peça escrita e dirigida por Romeo Castellucci trata dialeticamente da devoção a Jesus, símbolo do cristianismo e do que este fez com a imagem daquele.
 


     - ANTI-PROMETEU - (Turquia). A partir do momento em que me parei de me preocupar em acompanhar as legendas (ilegíveis) passei a acompanhar a encenação visual e auditivamente, conduzido pelo fio de história conhecido (seres humanos carregando pesados fardos, presos a espaços limitados e sem iniciativa para lutar contra essa situação). Perfeito sincronismo entre movimentos de corpo, emissão de vozes (como se fosse um jogral), luzes e som (estes dois últimos, comandados por três pessoas no alto do palco). De tirar o fôlego. Um instigante espetáculo que seria mais bem fruído se não fossem colocadas legendas, com uma breve explicação antes do início, para preparar o público.
 
     - NÓS SOMOS SEMELHANTES A ESSES SAPOS.../ALI (França). Espetáculo de teatro-dança-circo francês com coreografia inventiva e em grande parte calcada na deficiência física de um dos componentes (o ator-dançarino Hedi Thabet não tem uma perna e dança boa parte do tempo com muletas). Tudo é feito com equilibrada mistura de técnica e emoção interpretativa. O espetáculo é acompanhado por um grupo de quatro músicos  que executam canções étnicas gregas e tunisianas. O trio da primeira parte (ESSES SAPOS...) é impactante.
 
 
 
     - GÓLGOTA PICNIC - (Espanha). Espetáculo anárquico (ao estilo do grupo catalão La Fura Del Baus) realizado sobre um palco coberto de pão de hambúrguer (o milagre da multiplicação dos pães, versão McDonalds). A mercantilização da fé e os próprios gestos e falas de Jesus Cristo são tratados de forma provocativa e em tom de deboche. Vários monólogos são ilustrados por carne moída, vômitos e pessoas nuas. Pura adrenalina. Sem nenhum preparo, toda essa parafernália é interrompida e um jovem entra no palco, despe-se, senta-se num piano de cauda e por mais de uma hora executa integralmente a versão para piano de As Sete Últimas Palavras de Cristo, obra de Joseph Haydn (1732-1809). Está clara a intenção do diretor Rodrigo Garcia de colocar um “momento” de espiritualidade após o caos apresentado, mas esse “momento” durou mais de uma hora deixando o público inquieto e irritado.Nada contra a bela música e o ótimo pianista, mas o anseio ali era outro. Desfecho frustrante para um espetáculo de início instigante.
 
     - ESCOLA – (Chile). O mais convencional dos espetáculos a que assisti e também o mais diretamente político. Cinco militantes de esquerda se reúnem para serem treinados para a luta armada. Há quase uma aula sobre exploração, mais valia, Karl Marx; assim como, lições de como aprender a atirar e a preparar bombas. Os atores atuam mascarados e apesar dos excelentes diálogos, o didatismo dos mesmos, acaba os tornando cansativos e repetitivos. A peça foi escrita e dirigida por Gui llermo Calderón (autor da notável Neva e de Diciembre, apresentadas em São Paulo em 2009). O jovem elenco além da boa atuação, encarrega-se de cantar muito bem canções guerrilheiras dos anos 1960/1970.
     - UBU E A COMISSÃO DA VERDADE – (África do Sul). A montagem reúne atores (nos papéis de Ubu e Mãe Ubu), bonecos, desenho animado e cenas de documentários, mesclando o texto de Alfred Jarry com situações ocorridas na África do Sul. Destaque para o bom ator Dawid Minaar que representa (sempre de cuecas) o amoral e grotesco Ubu.

 
     Deixei de assistir a quatro espetáculos que também mostraram qualidades, segundo as pessoas com quem conversei durante a mostra: BEM VINDO A CASA (Uruguai), DE REPENTE FICA TUDO PRETO DE GENTE (Brasil/Holanda), EU NÃO SOU BONITA (Espanha) (polêmica com o uso do cavalo em cena), HAMLET (Lituânia).
 
     Aguardemos a 2ª MITsp para 2015.

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