O belíssimo poema A
Violação de Lucrécia (The Rape of
Lucrece) escrito por Shakespeare em 1594, trazido para o Festival de
Curitiba pela Royal Shakespeare Company
e apresentado no último fim de semana no Sesc Pinheiros constitui-se desde já
num dos melhores espetáculos teatrais apresentados
nos palcos paulistanos neste ano de
2014. Antes do início da peça eu comentava como são importantes para mim esses
minutos que antecedem o apagar das luzes da plateia: neles sempre me preparo para assistir
a um dos melhores espetáculos de minha vida, fato raramente concretizado. Nessa
noite vivi um desses momentos mágicos que só o teatro pode proporcionar.
Ambientado na Roma antiga, o texto do bardo conta como o
nobre Tarquínio, obcecado pelo que ouviu de Colatino sobre as virtudes de sua
esposa Lucrécia, encontra um meio de ir visitá-la na ausência do marido e
usando de seu prestígio e da confiança que nele depositam ficar para pernoitar
na residência. Enquanto urde o ataque pondera sobre as consequências do mesmo,
mas o desejo é mais forte e ele consuma a violação nos aposentos da incrédula
Lucrécia. Sentindo-se desonrada a infeliz mulher pede que seu marido e seu pai
retornem ao lar, conta-lhes o sucedido e suicida-se enterrando uma faca no
peito. Após um inflamado discurso do pai diante da filha morta, Colatino
promete vingança. Tarquínio é deportado, sendo o seu maior castigo passar o
resto de seus dias com o remorso de ter destruído não só uma família, mas
também uma vida.
Essa trágica história é contada pela atriz/cantora irlandesa
Camille O’Sullivan que passa de maneira muito sutil (uma mudança no tom de voz,
no gestual ou no figurino) da narração dos fatos para a interpretação das
personagens (Tarquínio, Lucrécia e o pai). Em vários momentos ela canta com uma
belíssima voz trechos do poema que foram musicados por Feargal Murray que
também a acompanha ao piano. Os momentos emocionantes da montagem atingem o seu
ápice na lamentação do pai diante da filha morta. As últimas cenas têm muito a
ver com o desfecho de várias outras tragédias de Shakespeare.
O espetáculo dirigido por Elisabeth Freestone conjuga o desempenho
da atriz, com o pianista, com cenários, figurinos, iluminação e objetos de cena
(alvos pares de sapato de Lucrécia numa extremidade e pesadas botas pretas de
Tarquínio na outra), resultando num todo harmonioso, belo e muito emocionante.
Com os olhos marejados o público ovacionou a atriz ao final. Caroline
O’Sullivan , além de seu imenso talento como atriz e cantora, é simpaticíssima,
sorridente e muito bonita.
Apresentado em São Paulo para poucos privilegiados apenas
por três dias, este é mais um daqueles espetáculos da série “QUEM VIU, VIU...”.
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