Ao que parece certo Circo Knie existiu na Áustria no
século 19. Jorge de Lima (1893-1953) inspirou-se nesse fato para escrever o
poema O Grande Circo Místico em 1938 criando uma verdadeira arvore genealógica
para contar a saga dos integrantes do Circo Knieps, “de que tanto
se tem ocupado a imprensa”. Em 1983, baseados no poema, mas subvertendo
funções, parentescos e nomes das personagens (como exemplo, a heroína chama-se
Agnes e não Beatriz), os talentos de Naum Alves de Souza, Chico Buarque e Edu
Lobo criaram o espetáculo para o Ballet Guaira que era um primor como balé, mas
que se tornou clássico como álbum musical, contendo as obras primas que todos
conhecem e amam. No ano de 2002 o Ballet Guaira remontou o espetáculo com uma
nova coreografia sem a repercussão da primeira temporada.
Propaganda da temporada em São Paulo em 1983
Com esse passado em mãos, Newton Moreno e Alessandro
Toller foram incumbidos da difícil tarefa de criar uma trama para a realização
de espetáculo musical que contivesse as imortais canções de Chico e Edu.
Misturando elementos do poema original, do roteiro para o balé de Naum e das
letras das músicas, criaram uma nova trama que emoldura com perfeição as
canções. A impressão que dá é que as canções foram feitas para essa trama e
esse é o maior elogio que se pode fazer a Moreno e Toller.
Contrariando os rotulados “musicais da Broadway” tão em
voga em nossos palcos, caríssimos, cheios de penduricalhos e com conteúdo, na
maioria das vezes, muito pobre; O Grande Circo Místico é uma montagem de
produção relativamente simples, mas com resultado sofisticadíssimo. Incorpora linguagem
circense (malabarismo, contorcionismo, acrobacia) a uma coreografia muito
bonita e os cenários e figurinos dão o retoque exato para a beleza do
espetáculo.
A direção de João Fonseca é enxuta e valoriza as canções
e as interpretações dos atores/cantores todos eles excelentes. Há que se
destacar a voz e a delicada atuação de Gabriel Stauffer como Frederico (prova
disso é sua interpretação de Beatriz que não decepciona, apesar da inevitável
comparação com a mais que perfeita e sublime de Milton Nascimento); a bela voz de
Ana Baiard como Margarete, a mulher barbada; o tour de force de Fernando Eiras
e as hilariantes intervenções do palhaço Felipe Habib junto ao público. Cabe
notar que os todos os solos (musicais e coreográficos) dos demais integrantes
do elenco são dignos e bem realizados.
Diante da atual banalização dos musicais, O Grande Circo
Místico surge como pérola rara a ser usufruida por crianças dos oito aos
oitenta anos. Nas três horas de duração parece que somos conduzidos pelas mãos
das gêmeas Marie e Helene e junto com elas levitamos de emoção e encantamento.
Em cartaz no novo e confortável Theatro Net São Paulo
(muito semelhante ao seu homônimo carioca) até 28 de setembro, quintas e sextas
às 21h, sábados às 21h30 e domingos às 20h.
Crédito das fotos : Rose Nagib
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