Era
o ano de 1964. Na flor dos meus 20 anos eu tinha acabado de entrar na Faculdade
de Engenharia e já pressentia que aquilo não era o que eu queria, mas não tive
coragem de largar o curso para não decepcionar meu pai que havia feito um
grande esforço para que eu chegasse até ali e que também não podia imaginar o
filho numa outra profissão que não fosse engenharia, medicina ou direito.
Artes? Nem pensar!
As
artes, porém, serviram de escape para as agruras de um curso técnico em São
Bernardo do Campo e dentre elas o cinema e o teatro foram meus preferidos. Além
de algumas peças do Teatro Popular do Sesi, eu já havia assistido Quatro Num Quarto no Teatro Oficina.
O
recém-inaugurado Teatro Aliança Francesa apresentava a peça O Ovo, uma comédia francesa de Felicien
Marceau dirigida por Jean-Lucien Descaves, com Armando Bogus, Vera Nunes e grande elenco. Não tenho lembranças desse espetáculo, a não
ser que o programa do mesmo tinha na capa um ovo com um fundo amarelo. Guardei
esse programa, junto com outros que fui adquirindo ao longo de minha vida de
espectador, mas curiosamente ele sumiu, provavelmente numa das inúmeras
mudanças que fiz na vida. Mais curioso ainda é que só ele sumiu, pois os
outros estavam todos lá.
Passaram-se
47 anos e volta e meia olhando para os meus 4000 programas sabia que havia uma
lacuna: aquele da inauguração do Teatro Aliança Francesa e também por ser uma
das primeiras peças a que assisti na
vida. Circulando pelos sebos da cidade no dia 13 de janeiro de 2011 entrei no
Sebo do Messias na Praça da Sé e remexendo numa papelada velha do setor de
teatro vi um papel amarelo que parecia estar me chamando. Puxei o livreto e era
ele: o programa de O Ovo, muito
conservado, assim como eu o deixei há quase 50 anos atrás. Preço do tesouro:
dois reais. Com o coração pulsando mais forte paguei a relíquia e continuei
minha jornada, sabedor que aquele dia estava mais do que ganho e que agora meu
acervo estava praticamente completo.
Será
que aquele programa saiu de minhas mãos naqueles 1960, passou pelas mãos sabe
lá de quantas outras pessoas e voltava para mim tantas décadas depois, marcado
pelas digitais de outros espectadores tão apaixonados como eu? Ou ele havia pertencido a algum outro louco
colecionador que provavelmente morreu e teve seu rico material jogado e
espalhado sem critério pelos sebos da cidade? Aí comecei a pensar: será esse o
destino do meu acervo quando eu não estiver mais por aqui?
Todos
esses pensamentos me ocorreram na última quarta feira, dia 28 de agosto, quando estive presente no
coquetel de reabertura do simpático teatro da Rua General Jardim que já abrigou
maravilhas como Black Out, A Megera Domada e A Cozinha, todas dirigidas por Antunes Filho; Diário de Um Louco, criação inesquecível de Rubens Corrêa, Dois na Gangorra com Lilian Lemmertz; Fala
Baixo, Senão Eu Grito, memoráveis interpretações de Marília Pêra e Paulo
Villaça; Exercício, com a inesquecível
Glauce Rocha; Um Grito Parado no Ar
de Gianfrancesco Guarnieri; espetáculos de humor com Jô Soares e a partir de
meados dos anos 1980 a ocupação do espaço pelo Grupo TAPA que ali permaneceu
por cerca de 15 anos realizando um irrepreensível trabalho de repertório. Com a
saída desse grupo no início dos anos 2000 o teatro ficou fechado, reabriu meio
sem rumo, tornou a fechar e agora parece renascer das cinzas oferecendo uma
extensa programação até o final do ano contemplando principalmente o teatro de
origem francesa, incluindo a volta do filho pródigo: o Grupo TAPA com duas
peças de Jean Genet (As Criadas e Splendids).
Parabens José!! Falando em volta que um programa dá, merece ser contada a historia do programa de "A Morte de Danton", montado pelo nosso grupo teatral da Mauá, nos anos 60, que V. trouxe para mim de um sebo, e que era mesmo o MEU exemplar, com o ingresso colado do jeito que faço sempre e meu nome anotado. Abração, Elie
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