Curitiba
tem presenteado São Paulo com ótimos e consistentes espetáculos teatrais. A
Companhia Brasileira de Teatro dirigida por Marcio Abreu é uma presença
constante desde 2006 quando se apresentou por aqui com Suite 1 no Instituto Capobianco. Neste segundo semestre de 2014,
após o mágico Tchekhov da Ave Lola Espaço de Criação, dirigida por Ana Rosa Tezza (ainda em cartaz no Sesc
Santana), eis que nos chega este instigante Obscura
Fuga da Menina Apertando Sobre o Peito Um Lenço de Renda de autoria do
dramaturgo argentino Daniel Veronese, pela CiaSenhas de Teatro dirigida por
Sueli Araujo que estreou ontem no Sesc Belenzinho.
Um
espaço cênico muito interessante representando os cômodos de uma casa em
processo de deterioração (metáfora para a condição daquela família) recebe o
público que é acomodado, parte em uma plateia tradicional em arena e parte em
cadeiras giratórias bem no olho do furacão aonde vai se desenrolar a ação.
O
primeiro estranhamento acontece quando os papéis do casal são invertidos: um
ator representa a mãe e uma atriz representa o pai. Fazem isso com pequenos
adereços na parte superior do corpo (um bigode e uma gravata para o pai;
peruca, brincos e blusinha de renda para a mãe).
Martina,
a filha do casal, abandonou o lar e deixou uma carta para os pais. A peça
inicia com um jogo de acusações mútuas entre o pai e a mãe e tudo leva a crer que
o público vai presenciar um melodrama familiar. A salutar reviravolta acontece
quando entram em cena o namorado e uma amiga da garota cada um deles trazendo
uma carta que receberam de Martina. Contar mais seria tirar o prazer de quem
vai assistir ao espetáculo, mas posso dizer que os diálogos travados entre os
quatro são absurdamente interessantes. O dramaturgo, sabiamente, coloca um
carteiro em cena para o desfecho de sua narrativa.
A direção
de Sueli Araujo dá ênfase ao trabalho dos atores e às suas movimentações em
cena. Os objetos de cena também mudam de lugar como para demonstrar a
instabilidade daquela casa.
Por
que Martina foi embora? Quem ali está com a razão? Martina realmente existe ou
é fruto da imaginação daquele casal frustrado e problemático? QUE ESPAÇO OCUPA UMA AUSÊNCIA? A peça não quer
responder a essas questões, mas sim colocá-las para o público que sai aturdido
após a forte cena final entre o pai e a mãe. Avis rara no atual cenário teatral, Obscura Fuga... é espetáculo de reflexão, para ser digerido na hora
de colocar a cabeça no travesseiro e esperar que depois dessa experiência se
tenha um sono tranquilo.
Luiz
Bertazzo que foi visto há pouco em Homem
Piano (outro espetáculo do grupo) desempenha com rigor a mãe. Trabalho de
composição precisa com perfeita dosagem entre emoção e razão. Greice Barros o
acompanha à altura e sua fragilidade física dá um toque especial à figura do
pai. Ciliane Vendrusculo sai-se bem como a agressiva amiga (que parece também
ter tido um caso com a garota desaparecida). Em papéis menores, Jeff Bastos e
Rafael di Lari dão conta dos mesmos.
A
trilha sonora de Ary Giordani é irregular. Tem momentos muito interessantes que
reforçam o suspense das cenas, por outro lado às vezes é tão presente que
parece querer tornar-se mais importante desviando a atenção do espectador que
se pergunta: Para que esse som neste momento?
Obscura Fuga da Menina Apertando Sobre o
Peito Um Lenço de Renda é espetáculo obrigatório para quem espera do teatro
algo mais do que puro entretenimento. Faz-nos refletir não só sobre nosso
comportamento no seio familiar, mas como em toda a sociedade. Em cartaz no Sesc
Belenzinho de quinta a sábado às 21h30 e domingo às 18h30 até 02 de novembro.
Duração:70 minutos.
Fotos de Lenise Pinheiro
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