Dostoiévski
O espetáculo Karamázov dirigido por Ruy Cortez em cartaz na SP Escola de Teatro
é formado por três partes independentes, mas complementares que podem ser
assistidas em sequência ou em dias alternados. Escolhi a primeira opção e julgo
que desse modo há uma melhor fruição do todo. Trata-se da adaptação de um conto
e do romance Os Irmãos Karamázov de
Dostoiévski (1821-1881) realizada a quatro mãos por Luís Alberto de Abreu e
Calixto de Inhamuns.
A primeira parte, Uma Anedota Suja, baseia-se no conto Uma História Lamentável de 1862 onde o autor satiriza os
pseudo-humanistas por meio de um general que se diz liberal e que com o intuito
de ser simpático invade a festa de casamento de um subordinado, homem do povo
simples. Os ótimos atores/músicos Jean Pierre Kaletrianos e Rafael Steinhauser
narram e interpretam as personagens da trama.
Os Irmãos. Nesta segunda parte está a trama
central do romance de Dostoiévski: a conturbada relação do pai (Fiódor) com os
quatro filhos (Dmitri, Ivan, Aliócha e o bastardo Smierdiakóv). O romance é o
último escrito (1880) pelo grande autor russo e tem cerca de 1000 páginas. O
desafio dos adaptadores foi sintetizar esse monumento literário num espetáculo
de três horas composto pelas segunda e terceira partes de Karamázov, para tanto fizeram uso intenso da narração em relação à
dramatização. Por outro lado, quiseram manter (e entende-se porque, pois são
belíssimos) alguns trechos que não compõem a trama central como as histórias
contadas por Ivan ao irmão Aliócha sobre o grande inquisidor e sobre o garoto
que é estraçalhado por cães a mando de um general e também o longo sonho
místico de Aliócha; tudo isso em
detrimento de partes importantes como o julgamento de Dmitri e as relações com
Cátia e Grúchenka).
Os
quatro atores (Antonio Salvador, Eduardo Osorio, Marcos de Andrade e Ricardo Gelli)
desdobram-se na narração da história e na interpretação das personagens
masculinas. Vestidos com significativos ternos de duas cores (belo trabalho de
Anne Cerutti) e fazendo uso de chapéus coco de cores diversas dão vida aos
quatro irmãos e ao pai. Todos excelentes, suas interpretações são merecedoras
de um prêmio coletivo.
A direção de Ruy Cortez é objetiva e
concentra-se na interpretação dos atores.
O cenário de André Cortez inspirado na
obra do pintor abstracionista russo Malevich (1879-1935) além da não funcional
(os atores esbarram várias vezes nos fios e têm que se agachar para ajustar as
partes) é, ao meu modo de ver, feio e ainda dificulta a visão do público quando
uma incômoda parede separa as duas plateias. Espetáculo tão bem sucedido podia
prescindir dessa parede, apesar de que o encenador deve ter suas razões
filosóficas, psicológicas e cênicas para mantê-la.
Os Meninos. A última e talvez a melhor
realizada parte do espetáculo. Por se basear numa subtrama do livro a
dificuldade dos adaptadores foi menor e pode contrabalancear melhor as partes
narradas com as dramatizadas. Os quatro atores, antes com ternos de cores
sombrias, agora usam ternos de duas cores claras, para contar as aventuras dos
meninos Kólia e Iliúcha, este último, filho de um homem pobre chamado
Snieguirióv que foi humilhado publicamente por Dmitri. Aliócha aproxima-se da
família para tentar reparar o erro do irmão. Iliúcha fica doente e morre; a
cena do seu enterro é uma das mais belas do espetáculo. Os atores interpretam
várias personagens e só Antonio Salvador ainda aparece como Aliócha sendo
responsável pelo comovente monólogo do final do espetáculo. O uso da parede
nesta terceira parte é mais equilibrado, não prejudicando tanto a visibilidade
do público.
Pelo texto de Dostoiévski
admiravelmente adaptado por Luís Alberto de Abreu e Calixto de Inhamuns, pela
direção segura de Ruy Cortez e pelo magnífico trabalho dos atores, Karamázov é espetáculo imperdível que já
ocupa seu lugar entre os melhores deste ano.
Karamázov fica em cartaz às segundas, sextas, sábados e domingos na SP Escola de Teatro até 15 de dezembro.
Fotos de Bob Sousa
Um texto de Dostoiévski, com adaptação dos grandes dramaturgos Luis Alberto de Abreu e Calixto de Inhamuns é de fato obrigatório. Quero ver novamente Os Irmãos.
ResponderExcluirNadya Milano