Disseminou-se entre os coletivos que a dramaturgia
pré-existente não dava conta de suas realidades e de seus problemas com o mundo
contemporâneo. Para contornar esse fato nos anos 1970 surgem as criações
coletivas que tempos depois caíram em desuso. Nos anos 1990 principalmente com
o Teatro da Vertigem surge o denominado processo colaborativo que consiste em
um processo que se inicia com improvisações do grupo, as quais geram escritos e
situações que serão filtrados, alinhavados e trabalhados por um dramaturgo que
assinará o texto final com o aval do encenador. Esse processo que gerou obras
primas como O Livro de Jó, se tornou
moda e somado a outra moda que são os cânones do teatro pós-moderno foi se
deteriorando dando origem a espetáculos cujo conteúdo permanece apenas na cabeça
de seus criadores. Nada contra a modernização dos meios dramatúrgicos, mas não
se despreza séculos e séculos de bons textos. Shakespeare que o diga! E venha
de onde vier a melhor sensação quando se sai do teatro é “Como é bom ouvir uma
boa história que me surpreenda e me transforme emocional e/ou racionalmente!”
Essa reflexão/desabafo surgiu após eu ter assistido
na última quinta feira a Propriedades
Condenadas, junção de duas peças curtas (Esta Propriedade Está Condenada e Por Que Você Fuma Tanto, Lily?) de Tennessee Williams (1911-1983)
em cartaz no Sesc Consolação. Depois da mais que bem sucedida montagem de Assim É (Se Lhe Parece), Marco Antônio
Pâmio firma-se como encenador nesta intimista encenação interpretada com muita
sensibilidade e talento por Ricardo Gelli (em cartaz também com o ótimo Karamázov) e Camila dos Anjos.
A encenação tem início com um narrador (que seria o
próprio dramaturgo) sentado numa poltrona. Ao centro, na penumbra, um espaço
cênico vazio com paredes negras. A partir daí há um verdadeiro achado
cenográfico que já pode fazer parte de uma antologia teatral: o ator/narrador dirige-se
a esse espaço e vai desenhando o cenário nas paredes e no chão com um giz:
surge primeiro a estrada de ferro em perspectiva, depois a casa amarela, as
árvores, os postes de luz e, finalmente, a menina com sua boneca; nesse momento
entra em cena a atriz como a menina Willie andando em cima dos trilhos e
brincando com sua boneca e o narrador transforma-s e no rapaz Tom , a segunda
personagem dessa peça que é uma obra prima de poesia e concisão. Momentos
mágicos e poéticos como esse é que fazem do teatro uma arte única e
incomparável. Acredito que essa brilhante e original ideia deva ser creditada
ao cenógrafo Cesar Rezende e ao próprio encenador.
Ricardo Gelli e Camila dos Anjos - Foto de Bob Sousa
A passagem da primeira para a segunda peça é feita em
cena com o ator apagando e redesenhando o cenário, enquanto a atriz de costas
para o público se paramenta para se transformar da pequena Willie de 13 anos na
Senhora Wilke com cerca de 60 anos. Outro grande momento. Nesta história mais
sombria, Ricardo Gelli interpreta com dignidade e sem afetação a filha Lily, a
tal que se autodestrói fumando.
Embriões das personagens das futuras e famosas peças
de Tennessee Williams estão presentes nessas duas ótimas peças curtas.
Tudo funciona nesta delicada encenação inclusive a
belíssima trilha sonora escolhida por Pâmio. O encenador seguiu a risca a
máxima do dramaturgo “Eu ofereço a verdade e um divertido disfarce de ilusão”
Aplausos para o encenador, o elenco e toda a equipe
técnica deste belo trabalho. A ovação do público ao final se traduzida em
palavras seria: “Como é bom ouvir uma boa história... bem contada”.
Propriedades
Condenadas está em cartaz no Sesc Consolação às quintas e sextas às 20h,
até 19 de dezembro. ATENÇÃO PESSOAS SENSÍVEIS: NÃO PERCAM!!
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