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sábado, 15 de novembro de 2014

PROPRIEDADES CONDENADAS ou COMO É BOM OUVIR UMA BOA HISTÓRIA


 
                Disseminou-se entre os coletivos que a dramaturgia pré-existente não dava conta de suas realidades e de seus problemas com o mundo contemporâneo. Para contornar esse fato nos anos 1970 surgem as criações coletivas que tempos depois caíram em desuso. Nos anos 1990 principalmente com o Teatro da Vertigem surge o denominado processo colaborativo que consiste em um processo que se inicia com improvisações do grupo, as quais geram escritos e situações que serão filtrados, alinhavados e trabalhados por um dramaturgo que assinará o texto final com o aval do encenador. Esse processo que gerou obras primas como O Livro de Jó, se tornou moda e somado a outra moda que são os cânones do teatro pós-moderno foi se deteriorando dando origem a espetáculos cujo conteúdo permanece apenas na cabeça de seus criadores. Nada contra a modernização dos meios dramatúrgicos, mas não se despreza séculos e séculos de bons textos. Shakespeare que o diga! E venha de onde vier a melhor sensação quando se sai do teatro é “Como é bom ouvir uma boa história que me surpreenda e me transforme emocional e/ou racionalmente!”

                Essa reflexão/desabafo surgiu após eu ter assistido na última quinta feira a Propriedades Condenadas, junção de duas peças curtas (Esta Propriedade Está Condenada e Por Que Você Fuma Tanto, Lily?) de Tennessee Williams (1911-1983) em cartaz no Sesc Consolação. Depois da mais que bem sucedida montagem de Assim É (Se Lhe Parece), Marco Antônio Pâmio firma-se como encenador nesta intimista encenação interpretada com muita sensibilidade e talento por Ricardo Gelli (em cartaz também com o ótimo Karamázov) e Camila dos Anjos.
                A encenação tem início com um narrador (que seria o próprio dramaturgo) sentado numa poltrona. Ao centro, na penumbra, um espaço cênico vazio com paredes negras. A partir daí há um verdadeiro achado cenográfico que já pode fazer parte de uma antologia teatral: o ator/narrador dirige-se a esse espaço e vai desenhando o cenário nas paredes e no chão com um giz: surge primeiro a estrada de ferro em perspectiva, depois a casa amarela, as árvores, os postes de luz e, finalmente, a menina com sua boneca; nesse momento entra em cena a atriz como a menina Willie andando em cima dos trilhos e brincando com sua boneca e o narrador transforma-s e no rapaz Tom , a segunda personagem dessa peça que é uma obra prima de poesia e concisão. Momentos mágicos e poéticos como esse é que fazem do teatro uma arte única e incomparável. Acredito que essa brilhante e original ideia deva ser creditada ao cenógrafo Cesar Rezende e ao próprio encenador.
 
Ricardo Gelli e Camila dos Anjos - Foto de Bob Sousa
 
                A passagem da primeira para a segunda peça é feita em cena com o ator apagando e redesenhando o cenário, enquanto a atriz de costas para o público se paramenta para se transformar da pequena Willie de 13 anos na Senhora Wilke com cerca de 60 anos. Outro grande momento. Nesta história mais sombria, Ricardo Gelli interpreta com dignidade e sem afetação a filha Lily, a tal que se autodestrói fumando.
                Embriões das personagens das futuras e famosas peças de Tennessee Williams estão presentes nessas duas ótimas peças curtas.
                Tudo funciona nesta delicada encenação inclusive a belíssima trilha sonora escolhida por Pâmio. O encenador seguiu a risca a máxima do dramaturgo “Eu ofereço a verdade e um divertido disfarce de ilusão”
                Aplausos para o encenador, o elenco e toda a equipe técnica deste belo trabalho. A ovação do público ao final se traduzida em palavras seria: “Como é bom ouvir uma boa história... bem contada”.

                Propriedades Condenadas está em cartaz no Sesc Consolação às quintas e sextas às 20h, até 19 de dezembro. ATENÇÃO PESSOAS SENSÍVEIS: NÃO PERCAM!!

 


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