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terça-feira, 14 de abril de 2015

CARTAS LIBANESAS



Eduardo Mossri - Foto de Felipe Stucchi

        Ao olhar para a história do teatro brasileiro pode-se notar que as grandes interpretações femininas são bem mais numerosas que aquelas masculinas, talvez pelo fato de que a dramaturgia do século XIX privilegie as personagens femininas ou ainda porque os talentos desse sexo se adaptam melhor ao fazer teatral. Isso posto é com muita surpresa, e diria com alegria, que testemunhei por dois dias seguidos trabalhos antológicos de ator: Gustavo Gasparani e suas mais de 20 personagens em Ricardo III e agora Eduardo Mossri como o imigrante Miguel em Cartas Libanesas.
 
José Eduardo Vendramini (autor)

        O belo texto de José Eduardo Vendramini é um poema dramático que conta por meio de um suceder de flashes a história do jovem libanês Miguel que abandona a  terra natal no início do século XX, deixando sua amada esposa Adib e o filho pequeno para tentar “fazer a América”. Depois dos percalços da viagem na terceira classe de um navio chega ao Brasil, passa pela burocracia dos escritórios de imigração, sobrevive como mascate, quase desiste e pensa em voltar e depois de muita luta e algumas humilhações consegue um lugarzinho ao sol montando uma lojinha e trazendo sua família para viver com ele. O texto faz homenagem não só ao imigrante libanês, mas a todos aqueles que para aqui vieram em busca de uma nova terra de esperanças uma vez que o velho mundo já não oferecia oportunidades. Com algumas diferenças em função do temperamento de cada povo (mascatear, por exemplo, foi uma função típica dos árabes) e das oportunidades que o acaso trouxe, a trajetória de imigrantes pobres (italianos, espanhóis, japoneses e de outras nacionalidades) foi muito parecida. As cartas do título são aquelas que Miguel escreve para sua mulher e que ilustram a sua saga por terras brasileiras.
        Mossri foi o mentor do espetáculo e em conjunto com Saad Vendramini (autor) e Lazzaratto (diretor), todos, como se pode notar pelos sobrenomes, descendentes de árabes e/ou italianos criou este belo trabalho cujo maior trunfo é sua vigorosa interpretação. Voz poderosa, presença cênica marcante e uma delicada interatividade com o público são o ponto alto de seu trabalho.

Marcelo Lazzaratto (diretor) - Foto de João Caldas

        A direção de Marcelo Lazzaratto é discreta focando-se no trabalho do ator e na eficiente iluminação, também de sua autoria. O recurso de o ator olhar para um foco de luz quando se dirige a sua esposa Adib é interessante, mas torna-se repetitivo e previsível ao longo da encenação. Incompreensível para mim é o uso constante do microfone em espaço cênico tão pequeno e com um ator com amplos recursos vocais, mas o encenador deve ter suas razões.

        Cartas Libanesas é espetáculo que deve agradar a todo tipo de público e, em especial, aos descendentes de imigrantes que relembrarão as histórias contadas por seus avós. A grande maioria do público presente no último sábado era de origem libanesa.

       Permito-me incluir nesta matéria a foto abaixo da família de minha nonna Agnesa (ao centro, em pé) de quem ouvi histórias muito parecidas.


        Cabe lembrar que este espetáculo dialoga e complementa o belo Salamaleque com Valeria Arbex, ainda em cartaz no Instituto Capobianco.(vide matéria que escrevi sobre este último em janeiro de 2015).

        CARTAS LIBANESAS está em cartaz no Sesc Ipiranga às sextas feiras às 21h30 e aos sábados às 19h30 até 30/05/2015.

 

12/04/2015

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