UMA COREOGRAFIA DO HORROR
O
espetáculo Colônia Penal da Cia.
Carne Agonizante parte da obra de Franz Kafka (1883-1924) para retratar os
horrores praticados nos porões da ditadura brasileira entre o nada saudoso período
compreendido entre 1964 e 1985 em que os militares estiveram no poder. Muita
gente foi torturada e a seguir morta ou desaparecida e a peça do coreógrafo Sandro
Borelli mostra isso sem concessões com despojamento raro em nossos palcos.
Durante
cerca de uma hora presenciamos quatro burocratas da tortura comendo, se divertindo
contando piadas preconceituosas e se revezando na impiedosa tortura de um
suposto preso político. Um assustador boneco também está sentado à mesa presenciando
impassível tudo o que ocorre em sua volta. No aterrador final a vítima é
canibalizada pelos seus algozes numa cena tão dolorida quanto bela.
A
preparação corporal dos atores é imprescindível para acompanhar a brutal
coreografia de Borelli que submete a vítima às mais violentas formas de tortura
praticadas naquela época e que infelizmente deixaram certa herança até os dias
de hoje.
Dois
atores/dançarinos (Everton Ferreira e Mainah Santana) revezam-se no papel da
vítima. Na noite em que assisti ao pungente espetáculo foi a vez de Mainah se
submeter ao papel. Cabe aos torturadores a difícil tarefa de aplicar os
castigos realisticamente, sem, porém, machucar a atriz que representa a
torturada. Um chute fora do lugar ou uma pisada num lugar vulnerável do corpo traria
consequências graves.
Só
agora tive a oportunidade de assistir a Colônia
Penal, uma vez que o trabalho estreou em 2013 e já cumpriu várias
temporadas, inclusive esta que terminou no último domingo (26 de abril).
Este
espetáculo deveria ser apresentado em escolas como aula de Ética e Cidadania e
torna-se particularmente urgente quando desavisados (?) jovens clamam nas ruas
pela volta dos militares ao poder.
Não
é fácil assistir a Colônia Penal,
pois como escrevi acima o espetáculo não faz concessões nem dramáticas nem
estéticas. A coreografia de Borelli é acompanhada eficientemente pela seca
trilha sonora de Gustavo Domingues formada de sons ensurdecedores e pelos
figurinos burocráticos dos torturadores concebidos pelo próprio elenco. Não é
fácil, mas é extremamente necessário! Se voltar ao cartaz, não perca.
COLÔNIA PENAL estava em cartaz no KAZULO
ESPAÇO DE CULTURA E ARTE da Cia.Carne Agonizante, situado na Rua Sousa Lima
300, próximo ao Teatro São Pedro e ao Teatro do Núcleo Experimental.
Se você quer
uma fotografia do futuro, imagine uma bota pisando num rosto humano para
sempre. (George Orwell):
27/04/2015
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