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terça-feira, 28 de abril de 2015

O TERNO



        Os fãs incondicionais de Peter Brook que me desculpem, mas ao meu modo de ver, o belo espetáculo O Terno é, em certo aspecto, equivocado.
 

        Um cenário simples e geométrico formado por cadeiras coloridas, algumas molduras e o terno do título é bastante promissor. A seguir um acordeonista entra em cena tocando uma melancólica serenata de Schubert remetendo a cenas fellinianas. Neste momento um ator narrador entra cena para situar a ação da peça inspirada no conto homônimo do sul-africano Can Themba (1924-1968).
        A trama é forte: na África do Sul segregacionista (História com H maiúsculo) acontece um drama familiar de adultério (história com h minúsculo, visto que cotidiana) que reflete o ambiente maior: ao descobrir que a mulher o trai um homem a obriga (e a ele também) a conviver com o terno abandonado pelo amante na hora da fuga. Situação opressiva e de alta tortura psicológica para a mulher que acaba morrendo em função disso. Tudo isso é mostrado com muita delicadeza, com certa dose de humor e com canções que permeiam a ação e naquilo que para maioria do público reside a qualidade maior da encenação para mim está o equívoco citado acima. Canções, piadinhas com os músicos e até uma cena onde o público é convidado a participar provocando as risadinhas e os aplausos de praxe nesse tipo de intervenção diluem a ação dramática resultando num espetáculo sem a carga dramática e política que o tema merece. A exceção fica por conta da cena onde o amigo (Makalepha ?) conta a Philomen (o marido) o caso de um cantor que teve suas mãos decepadas pelos soldados e ao ser desafiado a tocar a sua guitarra sem as mãos acha ainda forças para cantar uma canção. Esse fato é claramente inspirado no que aconteceu com Victor Jara em 1973 quando do golpe militar no Chile. Na peça a canção escolhida é Strange Fruits, libelo antirracista do compositor americano Lewis Allan imortalizado por Billie Holiday. Este é o único momento onde a segregação racial e a violência são mostradas da maneira que deveria ser a tônica geral do espetáculo.
 
 
        Os dois atores masculinos são excelentes tanto na parte narrada quanto na interpretação das personagens. A atriz que interpreta a esposa Matilda tem uma bela voz e empolga o público quando canta as canções, mas é inexpressiva como a mulher que sofre tamanha pressão moral e aqui reside mais um ponto fraco da peça.
 
 
        Os músicos são ótimos e até bons atores, mas se perdem nas gracinhas feitas a pedido do encenador.

        Peter Brook realiza este trabalho aos 90 anos. Tenho curiosidade em saber qual a linha que ele adotou na montagem anterior que não era musical e onde sua visão do mundo era outra. Acredito que a montagem era bem mais cruel do que esta e com certeza estaria mais de acordo com o que o tema sugere.

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