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quinta-feira, 28 de maio de 2015

MUNDOMUDO


As relações de Branco e Augusto no limite da crueldade.
 
        A Companhia Azul Celeste de São José do Rio Preto foi fundada em 1989 por Jorge Vermelho e Cássio Ibrahim, completando 26 anos de existência neste 2015 e contando com cerca de 25 títulos em seu repertório.
        MUNDOMUDO é a encenação mais recente do grupo. Concebida por Jorge Vermelho, o ato sem palavras tem dramaturgia de Cíntia Alves e foi dirigido por Georgette Fadel.
 

        Em um cenário que remete ao picadeiro de circo, um ser jaz prostrado (A) em uma cadeira de rodas enquanto o público se acomoda na plateia. Uma segunda figura (B) adentra o espaço cênico com ar patético e assustado. No melhor estilo clownesco estuda o ambiente, tenta consertar uma lâmpada e analisa a situação do ser imóvel. (A) ao acordar revela-se o dono da situação, o patrão opressor que por meio de sons emitidos por apitos e chocalhos dita ordens ao servil (B). Claramente inspirados em personagens de Samuel Beckett (em especial da peça Fim de Jogo) e nas figuras tradicionais do circo (Branco e Augusto), (A) e (B) iniciam jogo de poder cruel que não tem desenlace como costuma acontecer no cenário beckettiano. Aquilo irá se repetir ad infinitum sem nenhum sinal de revolta por parte do oprimido e humilhado (B).
        Jorge Vermelho encarrega-se com muito brilho da figura triste e oprimida de (B). Suas ações, gestos e máscaras provocam risos e lágrimas no público, revelando a fragilidade de um ser que não tem outra escolha além do seu servilismo. A brutalidade e a crueldade de (A) são materializadas por Henrique Nerys que atua sentado numa cadeira de rodas e tem seu estado emocional apenas traduzido por expressões faciais e gestos com as mãos e os braços.  O jogo de cena dos dois atores é muito preciso e há perfeita sincronia entre a ação e os elementos cênicos (iluminação, objetos de cena, sonoplastia).
        A direção de Georgette Fadel é limpa e sem afetações desnecessárias concentrando-se na atuação clownesca dos atores.
        Os figurinos de Linaldo Telles dão destaque especial para as duas personagens auxiliando o público na decodificação de suas personalidades.
        MUNDOMUDO é espetáculo cercado de cuidadosa produção e revela a maturidade do grupo rio-pretense.
        Por último, mas não menos importante: fiel ao tempo beckettiano as situações se repetem inúmeras vezes; ao meu modo de ver a encenação poderia eliminar parte dessas repetições que se tornam cansativas, alongando desnecessariamente a mesma.

        MUNDOMUDO está em cartaz no Sesc Pinheiros até 04 de julho, quintas, sextas e sábados às 20h30. NÃO DEIXE DE VER.

 

28/05/2015

quarta-feira, 27 de maio de 2015

ÓPERA DO MALANDRO – 100ª APRESENTAÇÃO


         FOI BONITA A FESTA, PÁ!
         Alameda Nothmann, 1135. Espaço anteriormente ocupado por um estacionamento que pelas mãos incansáveis dos elementos do grupo liderado pelo Kleber Montanheiro tornou-se o belo e aconchegante Espaço Cia. da Revista.
         A beleza começa com a frente do teatro que lembra as antigas entradas dos cinemas e teatros de rua, antes do aparecimento dos insuportavelmente impessoais shoppings centers.
 

         O saguão é um verdadeiro deslumbramento com sua decoração à base de alguns elementos vindos da exposição sobre Stanley Kubrick realizada no MIS, de um velho baú da Cia. de Dercy Gonçalves e de peças muito simples como bacias, ralos e taboas de bater carne que pelas mãos criativas de Kleber transformam-se em pias, abajures e espelhos. Quando com poucas pessoas o espaço lembra as telas do pintor norte americano Edward Hopper e quando cheio torna-se feérico remetendo a Toulouse Lautrec. Muitos poderão discordar de minhas impressões, mas é assim que sinto aquele espaço.
 
 
 
 
         Finalmente o amplo espaço cênico que é bastante versátil, permitindo uma grande flexibilidade nas montagens ali realizadas.
 

         Não conheço os bastidores do teatro, mas segundo consta é bastante confortável para os artistas.

         O teatro, desde sua inauguração, apresenta Ópera do Malandro que nesta segunda feira completou 100 apresentações, fato nada corriqueiro no teatro paulistano e que deve ser comemorado, como realmente foi. Sobre o espetáculo muito já se falou e se escreveu, louvando a energia do elenco e a atuação antológica de Kleber Montanheiro como Geni e não vou fazê-lo novamente. Quanto à festa... Foi bonita, pá! Encontros e reencontros de pessoas amantes do teatro e que celebraram junto com o simpático e talentoso elenco o feito da centésima apresentação.
 
 
 

         Além de aplaudir, nos resta estar junto e lutar com essas companhias que com tremendo esforço transformam espaços degradados em belos teatros, para alguns anos depois serem obrigadas a abandoná-los, seja pela especulação imobiliária, seja pela falta de incentivos com a consequente dificuldade financeira de manter o imóvel.

         VIVA a CIA. DA REVISTA!

         ÓPERA DO MALANDRO continua sua temporada rumo à 200ª apresentação de sábado a segunda, sempre às 20h. ABSOLUTAMENTE DELICIOSO E IMPERDÍVEL.

 
OBRIGADO KLEBER!

 

27/05/2015

          

sexta-feira, 22 de maio de 2015

AULA MAGNA COM STÁLIN


 


         O cerceamento da liberdade de criação nas artes é matéria sempre pertinente e urgente a ser tratada pelo teatro. Um dos exemplos clássicos desse assunto é a maneira como a União Soviética por conta do realismo socialista manipulou os seus artistas e em especial na música, os compositores Prokofiev (1891-1953) e Shostakovich (1906-1975). As pressões sobre a vida e a obra de Shostakovich foram alvo do belíssimo espetáculo Opus nº7 dirigido por Dmitry Krymov, vindo da Rússia e apresentado no MITsp deste ano, onde a Mãe Russa, representada por um imenso boneco acalentava e ao mesmo tempo subjugava e humilhava o compositor.
         Aula Magna Com Stálin (1983) do dramaturgo britânico David Pownall trata da mesma questão ao mostrar uma suposta reunião em 1948 entre os dois compositores e os representantes do regime Stálin e seu comissário Andrei Jdanov, responsável pela produção cultural e pela propaganda stalinista. Transitando entre a comédia (o deboche nas figuras de Stálin e Jdanov) e o drama (a quase tragédia nas personagens de Prokofiev e Shostakovich) o autor acaba diluindo o impacto da trama. Há uma longa cena, que se pretende divertida, onde as quatro personagens tentam compor uma cantata baseada numa fábula russa. Além de nada acrescentar às motivações da peça ela a alonga e pior, altera quase como por milagre a maneira como os dois compositores se comportam durante todo o resto da ação, tornando-se “alegrinhos” e participantes espontâneos da proposta de Stálin.
         William Pereira é encenador que circula muito à vontade tanto pelo teatro como pela música (haja vista suas diversas incursões na ópera) e mescla com muita propriedade as duas artes nesta montagem usando a música quase como uma quinta personagem sempre presente em cena com as personagens as tocando ao piano para ilustrar momentos importantes da trama.
         O diretor carrega nas diferenças entre a farsa (representantes do regime) e o drama (os compositores) e o excesso de caricatura, principalmente na figura de Stálin dilui a denúncia que, creio eu, a peça pretende fazer. Stálin apresenta-se bonachão e suas ações tirânicas parecem ser justificadas pelo seu estado de embriaguês. Jairo Mattos representa de forma histriônica enfatizando as características aqui apontadas. Luis Damasceno (Jdanov) segue na mesma linha, mas consegue melhor equilíbrio para a personagem (autoritário com os compositores e pateticamente servil com o chefe Stálin). Os melhores momentos de interpretação ficam por conta de Felipe Folgosi (um frágil e assustado Shostakovich) e, principalmente, Carlos Palma numa composição brilhante como o acuado, mas resistente Prokofiev.
         A propositalmente pesada cenografia do espetáculo, assim como, a trilha sonora são assinadas pelo diretor. A dupla Fabio Namatame e Caetano Vilela que realizou belo trabalho em Dias de Vinho e Rosas repete aqui o feito nos figurinos e na iluminação, respectivamente.
         Num Brasil sempre à beira da perplexidade e com a censura (formal e informal) batendo à porta de quem procura fazer arte, Aula Magna com Stálin chega num momento propício devendo gerar discussões e reflexões a respeito do assunto.

         Em cartaz no Centro Cultural Banco do Brasil de quarta a sexta às 20h, até 03 de julho. CONFIRA.

 

22/05/2015

domingo, 17 de maio de 2015

DIAS DE VINHO E ROSAS


 

       Cercado de bem cuidada produção (o belo desenho de luz de Caetano Vilela, os cenários e figurinos de Fábio Namatame e a trilha sonora de Egberto Gismonti que usa temas já conhecidos do compositor com outros compostos especialmente para a peça e que até cita numa versão para piano a bela canção de Henry Mancini composta para o filme homônimo de 1962), Fábio Assunção usou de maneira impecável o espaço cênico do Viga para contar a triste história de Mona e Donal, dois jovens irlandeses provenientes de Belfast que se conhecem quando estão de mudança para Londres; lá estreitam relações, se casam, têm um filho e literalmente afogam suas vidas na bebida. A história (texto do norte americano J. P. Miller adaptado pelo dramaturgo irlandês Owen McCafferty) é mostrada de maneira linear e depende de bons atores para ser bem contada.
       Daniel Alvim e Carolina Mânica dão vida a Donal e Mona com total entrega. O desempenho dos dois coroa os méritos dos outros elementos da montagem. Além dos grandes desempenhos os dois atores fazem a contrarregragem do espetáculo diante do público quase como um balé.
 

Carolina Mânica (Mona)

 

Daniel Alvim (Donal)


       A peça não denuncia, mas alerta sobre os males do vício do alcoolismo e tem um dos finais mais tristes e patéticos já vistos em nossos palcos. Impossível não se emocionar com uma depauperada Mona se dirigindo tropegamente em direção a Donal, sabendo que seus caminhos nunca mais se encontrariam. Comoção no palco e na plateia.

       DIAS DE VINHO E ROSAS está em cartaz no Viga Espaço Cênico às sextas (21h30), aos sábados (21h) e aos domingos (19h) até 21 de junho.


17/05/2015

terça-feira, 12 de maio de 2015

MANUAL DE AUTODEFESA INTELECTUAL


 
        Há uma cena hilária em Manual de Autodefesa Intelectual que me fez mais uma vez refletir sobre o poder de transformação do teatro: o papa polonês sofreu um atentado e atribuiu a Nossa Senhora de Fátima o fato de ter se salvado, pois a bala passou por ele de raspão. Tudo é apresentado de forma bastante cômica e irônica, questionando o valor da fé nos santos e na religião. O público presente riu muito em função de se identificar com os valores da Kiwi e portanto não necessitar dessa cena para repensar seus valores. Qual a função da cena (e do teatro)? Questionar e denunciar a hipocrisia das religiões. A quem se destina? A um fanático religioso é claro. E como essa pessoa teria reagido a esta cena? Mudaria sua forma de pensar, refletiria sobre o fato ou reagiria violentamente contra aquilo que está vendo? Perguntas que sempre me fazem pensar. Amo o teatro, mas tenho grandes dúvidas sobre o seu alcance político e social.
 
 
        Essa introdução provocativa absolutamente não tira o mérito do delicioso espetáculo que é didático desde o seu título. Fernando Kinas, encenador e autor do roteiro, coloca em cena de forma paródica e lúdica questões como a manipulação feita por religiões, por políticos, por grandes empresas e pela mídia em geral. Crenças em astrologia, telecinesia, milagres, mágicas, homeopatia, amuletos, santos? Tudo balela preconiza o simpático, alegre e debochado grupo formado por Fernanda Azevedo, Maíra Chasseraux (marcante presença em cena), Maria Carolina Dressler, Vicente Latorre e os músicos Eduardo Contrera e Elaine Giacomelli.   
        O grande mérito deste novo espetáculo da Kiwi Companhia de Teatro é utilizar o humor, a música e a dança como elementos de estranhamento épico-brechtiano para fazer as denúncias sobre mistificações e crendices contemporâneas.
        O grupo esmerou-se na produção do espetáculo que tem um belo e até imponente cenário de Júlio Dojscar, iluminação de Heloísa Passos e deliciosas coreografias de Luiz Fernando Bongiovanni. Chama a atenção os elegantes e eficazes modelos dos vestidos das atrizes concebidos por Madalena Machado.
        Com um bem vindo teor politicamente incorreto, Manual de Autodefesa Intelectual denuncia, faz refletir e diverte; trinômio sempre procurado, mas nem sempre encontrado por quem faz teatro engajado.

        A peça saiu de cartaz do Sesc Belenzinho no último fim de semana, mas volta em breve no Galpão do Folias. Fique atento para este retorno e não perca... Mesmo que você seja devoto de Nossa Senhora de Fátima!

 

11/05/2015

segunda-feira, 11 de maio de 2015

POTESDAT


Foto de João Caldas

        O roubo (apropriação) de crianças pelos agentes da ditadura militar argentina (1976-1983) é tema recorrente em obras realizadas que tentam resgatar esse momento atroz da história da humanidade. Um dos exemplos mais significativos e melhor realizados sobre o assunto é o filme A História Oficial (1985), dirigido por Luis Puenzo e com interpretação memorável de Norma Aleandro.
        A peça Potestad de Eduardo Pavlovsky em cartaz no Sesc  Pompeia trata do assunto de forma bastante original. Tendo como premissa o conceito de banalização da maldade assim batizado por Hannah Arendt, a trama mostra um médico simpático e bonachão que, se não participou, ao menos compactuou com as forças repressoras e em certa ocasião teve a oportunidade de se apropriar de uma criança filha de guerrilheiros mortos, após terem sido torturados. Criada com muito amor pelo médico e pela sua esposa, anos depois, a criança é reconhecida pela família biológica e é retirada do casal.
        A ação se passa quando o protagonista lamenta a perda da filha amada e o estado letárgico em que sua mulher se encontra após essa perda. O médico inconformado clama por justiça e passa seus dias rememorando os dias felizes em que ele e sua mulher tinham sua filhinha Adriana. Humanizando a personagem, Pavlovsky nos faz refletir sobre o fato que a maldade não precisa ter cara feia para agir.
        Numa interpretação bastante diversa de seus últimos trabalhos, Celso Frateschi desempenha o médico com muita humanidade enfatizando a proposta do autor, lembrando um pai/avô portenho de origem italiana. Chegamos a simpatizar com ele e lamentar a sua sorte, porém, fica claro que o perigo está exatamente nessa aparente normalidade/humanidade do repressor.
        A presença, a partir de certo momento, da personagem Zita (uma amiga? uma assistente social?) em nada contribui para o desenvolvimento da trama não ficando clara a razão de sua participação.
        A direção de Pedro Mantovani centra-se no trabalho do ator que se movimenta no discreto cenário criado por Sylvia Moreira.

        Nunca é demais relembrar os desmandos das ditaduras militares que grassaram nos países latinos americanos na segunda metade do século XX e reforçar sobre o peso de seus nefastos efeitos sentidos até os dias atuais. Lembrar é resistir. Relembrar é alertar sobre os perigos da volta de regimes totalitários.

        Potestad está em cartaz no Sesc Pompeia de quinta a sábado às 21h e aos domingos às 19h só até o dia 17 de maio. NÃO DEIXE DE VER.

 

10/05/2015

terça-feira, 5 de maio de 2015

OE


 
        Ontem no metrô ao voltar do teatro eu tentava sintetizar numa palavra a peça que acabara de assistir e aquela que me veio à mente foi FILIGRANA. Repeti a palavra inúmeras vezes tendo sempre à minha frente a imagem de Eduardo Okamoto no espetáculo. Chegando em casa, minha primeira ação foi recorrer ao dicionário para ver o significado e o Aurélio me mostrou o seguinte: Filigrana: obra de ourivesaria formada de fios de ouro ou de prata delicadamente entrelaçados e soldados.
        BINGO! Os fios de ouro em questão são a poética e concisa dramaturgia de Cássio Pires inspirada na obra do escritor japonês Kenzaburo Oe, a belíssima iluminação de Márcio Aurélio e a interpretação minimalista de Eduardo Okamoto que uma vez entrelaçados e “soldados” pelo encenador/ourives Marcio Aurélio formam a preciosa filigrana OE oferecida ao público.
 
Foto de Fernando Stankuns
 
        Eduardo Okamoto tem raro domínio do espaço cênico e dos poucos objetos de cena que manipula durante o espetáculo (uma faca, um pequeno banco e alguns panôs). Mínimos gestos como um abrir de mão para definir um rio (auxiliado pela delicada iluminação) ou um estalar de dedos mesclam-se com gestos mais largos criando um todo harmonioso com forte influência do butoh. Outro componente importante da atuação do ator é sua perfeita dicção (não se perde uma sílaba do que ele fala) e a versatilidade da voz criando tons bastante distintos para o pai e para o filho deficiente. Numa temporada de excelentes interpretações solos (vide Gustavo Gasparani em Ricardo III e Eduardo Mossri em Cartas Libanesas), some-se este brilhante trabalho de Okamoto.
        Digno trabalho de ourivesaria é o texto de Cássio Pires. Partindo de um volumoso romance (Jovens de Um Novo Tempo, Despertai) o dramaturgo criou este monólogo misto de narração e interpretação onde o pai tenta definir o mundo para seu filho deficiente em 28 mini cenas. O resultado é poético e emocionante, sem nunca cair no melodramático.
        Por último, mas não menos importante, o entrelaçador Marcio Aurélio que com sua sensibilidade de iluminador e encenador junta os outros fios soldando-os e lhes dando unidade.
 
Foto de Fernando Stankuns

        Após o espetáculo Okamoto comentou comigo que iniciou o trabalho pensando em seu pai, mas durante o processo de criação soube que ia ser papai e isso de alguma maneira alterou a sua visão do trabalho. Caetano, um lindo garotinho de oito meses, filho dele com a querida produtora Daniele Sampaio estava presente na estreia  para prestigiar o sucesso do pai.

        Momentos de rara poesia aguardam por aqueles que pretendem assistir a este imperdível espetáculo.

        OE está em cartaz no Espaço Beta do Sesc Consolação de 04 de maio a 03 de junho às segundas, terças e quartas sempre às 20h.

05-05-2015