Estive
em Rio Preto para o lançamento do meu livro no dia 29 de julho e aproveitei
para assistir a algumas peças do 15º Festival Internacional de Teatro,
popularmente chamado de FIT. O sentimento presente naquelas pessoas que
testemunharam os bons tempos do evento era um misto de melancolia, tristeza e
revolta ao constatar aonde o FIT chegou: verba restrita ocasionando o
cancelamento de vários espetáculos previamente programados, muita
desorganização para administrar essa verba (teatros desaparelhados
tecnicamente, inadequação na escolha dos teatros para determinados espetáculos,
despreparo dos técnicos), política de caráter populista com a gratuidade de
ingressos que gerou o paradoxo de sessões com ingressos esgotados e muitas
poltronas vazias. Exemplos dessas constatações surgirão nos comentários das
peças a que assisti.
Foram
dez espetáculos que comento abaixo na ordem de minha preferência:
TCHEKHOV
– Ave Lola Espaço de Criação (Curitiba) - Este belo espetáculo é um hino de
amor ao teatro. Apresentação sempre esmerada que ficou bem acomodada no amplo
espaço do Teatro Municipal Humberto Sinibaldi Neto.
TRAVESSIA
– Grupo Tecelagem (São Paulo) – Baseado na obra de Guimarães Rosa o solo de
Paulo Williams recria cinco travessias do universo do autor mineiro com muita
criatividade e o apoio de dois excelentes músicos. Uma grata surpresa.
ACORDES
– Cia. Cênica (Rio Preto) – “Prepare seu coração pras coisas que eu vou
contar...”, esse começo da canção de Geraldo Vandré também poderia dar início a
este belo e forte espetáculo de Fagner Rodrigues que versa sobre os desmandos e
torturas praticados durante os anos de chumbo da ditadura militar brasileira,
permeado por canções da época. O grupo teve problemas na noite da estreia, pois
o teatro não dispunha dos recursos de iluminação necessários para a encenação.
Na segunda noite a atriz Beta Cunha fez um corajoso discurso em protesto ao
descaso da organização do festival.
MINHA
ALMA É NADA DEPOIS DESSA HISTÓRIA – Os Ciclomáticos (Rio de Janeiro) –
Um pequeno tesouro encenado numa tarde ensolarada em frente à igreja da pequena
cidade de Eng]º Schimitt, famosa por seus doces caseiros. Um homem se apaixona
perdidamente pela bela cigana Cleide que pertence ao mundo e não a uma só
pessoa. A bela coreografia das três atrizes que vivem Cleide “abrasileira” os
passos da dança flamenca.
CÍRCULO
DAS BALEIAS – Pia Fraus (São Paulo) – Peça dirigida com criatividade e
inteligência ao público infantil que também encanta os adultos. Quatro ótimos
atores num cenário simples e criativo se revezam na interpretação e na
manipulação dos animais marítimos. A criançada presente reagiu lindamente.
TRINIDAD
GUEVARA – Teatro de la Morena (Uruguai) – Não há como avaliar este
espetáculo que ao que tudo indica deve ser muito interessante e com um belo e
desafiante solo de Cecília Cosero ( a atriz permanece praticamente imóvel
mexendo apenas os braços durante todo o
espetáculo que dura cerca de uma hora). Inadequação do teatro (um teatro de
quase 1000 lugares), público não preparado para esse tipo de trabalho (a
maioria desconhecia o teor da peça e não houve publicação de catálogo com dados
básicos sobre os espetáculos) e um injustificável despreparo do técnico que
operou a legendagem, provocando a incompreensão do texto (item fundamental para
a fruição) foram alguns dos itens que provocaram a reação do público que a um
grito de comando vaiou a situação. Esse mesmo público foi extremamente
respeitoso ao assistir em silêncio a peça mesmo com os descalabros da técnica e
aplaudir a atriz ao final. Mais um gol contra do FIT: desrespeito à atriz, ao
público e ao pobre técnico que a estas alturas é o crucificado da hora.
UMA
FLOR DE DAMA – As Travestidas (Salvador) – Outro monólogo apresentado
em espaço inadequado (o imenso Teatro Paulo Moura). Pelas características da
peça e do ator (o ótimo Silvero Pereira) a peça rendeu bem mais do que Trinidad Guevara. O monólogo sobre o
cotidiano de um travesti emocionou e divertiu o público.
MONÓCULO
– Grupo Tecelagem (São Paulo) – Espetáculo sem palavras mostrando a rotina
tediosa de um casal, ambos usando enormes máscaras. Ideia interessante baseada,
segundo o grupo, na obra de Bachelard, mas que cenicamente revela-se tão
tediosa como a vida do casal.
AMÉM
– Cia. Teatral Um e Outro (Araçatuba) – Um ator travestido e careca conta a sua
história desde a infância. O espetáculo é repetitivo e não define claramente a
sua posição em relação à igreja.
HOJE É DIA
DE ROCK – Minha Nossa Companhia (Rio Preto) – Se em 1971 o texto de
José Vicente que mistura uma saga familiar com realismo fantástico já se
mostrava problemático, em 2015 revela-se datado e ultrapassado. Por que
montá-lo então? A encenação de Fabiano Amigucci e o elenco semi amador não
contribuem para uma melhoria do texto resultando num espetáculo bastante
equivocado.
Esses
foram os espetáculos a que assisti neste, repito, melancólico FIT, onde
predominaram os espetáculos de produção barata (grande quantidade de monólogos
sem cenário) o que não seria por si motivo de baixa qualidade. O problema está na
falta de organização e no desconhecimento e falta de sensibilidade para o
universo do teatro dos (des) organizadores. Mas há de chegar o dia que este
FÊNIX vai ressurgir das cinzas. Torcida não falta. O que talvez faça falta é
uma maior união da classe teatral riopretense e do público que ama o teatro na
luta por esse renascimento.
05/08/2015
Este comentário foi removido pelo autor.
ResponderExcluirTomara que a crítica faça ressurgir o bom senso. E, sim, mais comprometimento da classe artística, que não deveria se submeter a situações como esta. Nadya Milano
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