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terça-feira, 1 de setembro de 2015

ABNEGAÇÃO 2


UM SOCO NO ESTÔMAGO!
 
         Assisti a Abnegação 2 pela primeira vez em um dia particularmente infeliz para o público (um sério problema na linha azul do metrô por volta das 19h deixou toda a cidade congestionada) e também para o grupo Tablado de Arruar  (um refletor foi danificado e todas as cenas de fundo foram prejudicadas). Isso aconteceu no dia 30 de abril de 2015 na Oficina Cultural Oswald de Andrade e quando não acontece a esperada comunhão entre espectador e ator algo sai fora dos eixos. Saí do espetáculo sem confirmar as boas expectativas que tinha em relação a esse novo trabalho de Alexandre Dal Farra (Abnegação 1 foi para mim um dos melhores textos brasileiros da temporada de 2014), mas sentindo que ele tinha potencial para dar bons resultados.
         Na última semana revi o espetáculo agora no simpático Armazém Cultural e o que vi foi, no meu ponto de vista, uma outra peça.
 
 
         Abnegação 2 tem o subtítulo de O Começo do Fim e declara-se inspirada no caso do assassinato em 2002 de Celso Daniel que foi prefeito de Santo André. É dividida em dois planos: a vida pública e a vida privada (as cenas deste plano é que ficaram prejudicadas na primeira vez a que assisti a montagem). Tudo é corrupção, conchavo político e muita libertinagem (drogas, traições públicas e privadas). Enquanto as podridões do plano público são apresentadas em tom histérico, aquelas do plano privado são ditas à meia voz com os atores semiestáticos, mas em ambas fica patente a sordidez de que é capaz o ser humano em busca de poder e privilégios. A peça é um soco no estômago e não deixa pedra sobre pedra. O ser humano é tratado como mera mercadoria a base de troca tanto no sexo como na aquisição de valores e na luta pelo poder. Com a situação política atual creio que já estamos não mais no começo, mas a meio caminho do fim.
         Há quem diga que o espetáculo é uma virulenta crítica ao PT, o que não deixa de ser verdade, mas a sua abrangência é muito mais ampla: as intrigas palacianas apresentadas fazem parte de toda a política brasileira.
         Os diretores Alexandre Dal Farra e Clayton Mariano optaram por uma montagem literalmente suja: Jorge (a personagem que vai ser assassinada) cobre-se de cerveja para depois bêbado ser “lavado” com detergente; José (um dos articuladores do crime) banha-se em cocaína e por aí a fora. Tudo é muito exteriorizado nas cenas do plano público levando os espectadores a um proposital incômodo enquanto a pior forma de sedução é mostrada nas cenas do plano privado, o que também não deixa de provocar um mal estar. Neste plano os dois papeis femininos têm alta importância, algo que havia me escapado na primeira vez e as atrizes Ligia Oliveira e Alexandra Tavares desempenham seus papeis com garra e coragem. Vinicius Meloni sai-se bem, principalmente, no seu monólogo final, mas sua dicção em certos momentos dificulta a compreensão do texto. André Capuano é um ótimo ator, mas sua interpretação over over para uma personagem que já é over perde impacto no decorrer da ação. Vitor Vieira brilha no papel de Jorge; ele é um ator de forte presença cênica e suas atuações junto ao Tablado de Arruar tornam-se cada vez mais poderosas. Sua interpretação em Abnegação 2 vem juntar-se a outros notáveis trabalhos masculinos deste ano : Chico Carvalho (Consertando Frank), Daniel Costa (Urinal), Danilo Grangheia (Krum), Eduardo Mossri (Cartas Libanesas) Gustavo Gasparani (Ricardo III), Jarbas Homem de Mello (Chaplin) e Marcos Breda (Oleanna).
 
 
         Segundo o dicionário “abnegação” significa “desinteresse, renúncia, desprendimento, devotamento”. Esta aí mais uma ironia do dramaturgo ao dar esse título à peça.
         Abnegação  2  junta-se a Abnegação 1 e a Os Collegas (peça do ano 2003 da Bendita Trupe injustamente esquecida) na denúncia das intrigas e sujeiras da política brasileira (curiosamente um tema pouco tratado pelos nossos dramaturgos) e precisa ser vista por quem acredita que tomando conhecimento e refletindo sobre o assunto possa contribuir para mudar esse lamentável estado de coisas.
         O fôlego de Alexandre Dal Farra é bastante forte e como ainda há muita sujeira a ser mostrada ele já tem Abnegação 3 em preparo.

         ABNEGAÇÃO 2 está em cartaz no Armazém Cultural (Rua dos Cariris, 48 – próximo ao metrô Faria Lima) às quartas e quintas às 21h, só até o dia 10/09.


01/09/2015

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