UM SOCO NO ESTÔMAGO!
Assisti a Abnegação 2 pela primeira vez em um dia particularmente infeliz
para o público (um sério problema na linha azul do metrô por volta das 19h
deixou toda a cidade congestionada) e também para o grupo Tablado de Arruar (um refletor foi danificado e todas as cenas
de fundo foram prejudicadas). Isso aconteceu no dia 30 de abril de 2015 na Oficina
Cultural Oswald de Andrade e quando não acontece a esperada comunhão entre espectador
e ator algo sai fora dos eixos. Saí do espetáculo sem confirmar as boas expectativas que
tinha em relação a esse novo trabalho de Alexandre Dal Farra (Abnegação 1 foi
para mim um dos melhores textos brasileiros da temporada de 2014), mas sentindo
que ele tinha potencial para dar bons resultados.
Na última semana revi o espetáculo
agora no simpático Armazém Cultural e o que vi foi, no meu ponto de vista, uma
outra peça.
Abnegação
2 tem o subtítulo de O Começo do Fim
e declara-se inspirada no caso do assassinato em 2002 de Celso Daniel que foi
prefeito de Santo André. É dividida em dois planos: a vida pública e a vida
privada (as cenas deste plano é que ficaram prejudicadas na primeira vez a que
assisti a montagem). Tudo é corrupção, conchavo político e muita libertinagem
(drogas, traições públicas e privadas). Enquanto as podridões do plano público
são apresentadas em tom histérico, aquelas do plano privado são ditas à meia
voz com os atores semiestáticos, mas em ambas fica patente a sordidez de que é
capaz o ser humano em busca de poder e privilégios. A peça é um soco no
estômago e não deixa pedra sobre pedra. O ser humano é tratado como mera
mercadoria a base de troca tanto no sexo como na aquisição de valores e na luta
pelo poder. Com a situação política atual creio que já estamos não mais no
começo, mas a meio caminho do fim.
Há quem diga que o espetáculo é uma
virulenta crítica ao PT, o que não deixa de ser verdade, mas a sua abrangência
é muito mais ampla: as intrigas palacianas apresentadas fazem parte de toda a
política brasileira.
Os diretores Alexandre Dal Farra e
Clayton Mariano optaram por uma montagem literalmente suja: Jorge (a personagem
que vai ser assassinada) cobre-se de cerveja para depois bêbado ser “lavado”
com detergente; José (um dos articuladores do crime) banha-se em cocaína e por
aí a fora. Tudo é muito exteriorizado nas cenas do plano público levando os
espectadores a um proposital incômodo enquanto a pior forma de sedução é
mostrada nas cenas do plano privado, o que também não deixa de provocar um mal
estar. Neste plano os dois papeis femininos têm alta importância, algo que havia
me escapado na primeira vez e as atrizes Ligia Oliveira e Alexandra Tavares
desempenham seus papeis com garra e coragem. Vinicius Meloni sai-se bem,
principalmente, no seu monólogo final, mas sua dicção em certos momentos
dificulta a compreensão do texto. André Capuano é um ótimo ator, mas sua
interpretação over over para uma
personagem que já é over perde
impacto no decorrer da ação. Vitor Vieira brilha no papel de Jorge; ele é um
ator de forte presença cênica e suas atuações junto ao Tablado de Arruar tornam-se cada vez mais poderosas. Sua
interpretação em Abnegação 2 vem
juntar-se a outros notáveis trabalhos masculinos deste ano : Chico Carvalho (Consertando Frank), Daniel Costa (Urinal), Danilo Grangheia (Krum), Eduardo Mossri (Cartas Libanesas) Gustavo Gasparani (Ricardo III), Jarbas Homem de Mello (Chaplin) e Marcos Breda (Oleanna).
Segundo o dicionário “abnegação”
significa “desinteresse, renúncia, desprendimento, devotamento”. Esta aí mais
uma ironia do dramaturgo ao dar esse título à peça.
Abnegação
2 junta-se a Abnegação 1 e a Os Collegas (peça do
ano 2003 da Bendita Trupe injustamente esquecida) na denúncia das intrigas e
sujeiras da política brasileira (curiosamente um tema pouco tratado pelos
nossos dramaturgos) e precisa ser vista por quem acredita que tomando
conhecimento e refletindo sobre o assunto possa contribuir para mudar esse
lamentável estado de coisas.
O fôlego de Alexandre Dal Farra é
bastante forte e como ainda há muita sujeira a ser mostrada ele já tem Abnegação 3 em preparo.
ABNEGAÇÃO
2 está em cartaz no Armazém Cultural (Rua dos Cariris, 48 – próximo ao
metrô Faria Lima) às quartas e quintas às 21h, só até o dia 10/09.
01/09/2015
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