SERIA CURIOSO, SE NÃO FOSSE TÃO SÉRIO!
Ao
se assistir a este espetáculo tem-se a impressão que ele foi criado a partir de
uma encomenda dos organizadores da MITsp com o intuito de mostrar o Brasil de
hoje: a situação econômica crítica; as falcatruas e incompetências dos que
estão no poder; idem, idem, daqueles que querem tomá-lo; o radicalismo e o ódio
crescente entre posições políticas diferentes e até mesmo dentro do mesmo
partido, haja vista as brigas dentro da Assembleia Nacional. Não chegamos ao
caos da Paris de 1789, mas estamos à beira do precipício. Essa constatação é
assustadora, mas vamos ao espetáculo da Compagnie
Louis Brouillard dirigido por Joël Pommerat que é um dos grandes momentos
de minha jornada de mais de meio século como espectador de teatro.
O
texto inspira-se na revolução francesa, mas se passa na contemporaneidade.
Realizada em processo colaborativo entre encenador e elenco a escritura é tão
bem construída e isenta de maniqueísmo que o público é surpreendido ora concordando
com os argumentos de uma personagem para, a seguir, concordar com aqueles de
seu antagonista. Assim, ali mesmo, durante o embate, o espectador tem que
refletir e tomar partido de que lado está. Dialética em estado puro. Quando
toma partido o texto torna-se irônico e engraçado como na cena em que a
deputada contra revolucionária recebe banhos de água e de creme enquanto faz
seu ridículo discurso na Assembleia Nacional.
A
encenação, na sua aparente simplicidade, é arrebatadora. Boa parte da ação se
passa na plateia e o público sente-se envolvido nas inflamadas discussões tendo
a vontade de participar das mesmas. No palco os adereços de cena são mínimos,
ao contrário de Cinderela, do mesmo
diretor também apresentada nesta mostra, que prima pela sofisticação tanto no
cenário como na iluminação.
Trata-se
de espetáculo onde o verbo é essencial e a compreensão das palavras,
fundamental. Atores excelentes na postura cênica e na dicção dão plena conta de
realizar a tarefa de tornar compreensível texto de tal complexidade. As
discussões ocorrem em ritmo vertiginoso e louve-se o trabalho do operador de
legendas que conseguiu acompanhar quase na totalidade a velocidade do texto
dito pelos atores.
Ça Ira
(Agora a coisa vai, numa tradução livre) dura 4h20 e somando-se os intervalos
nos faz permanecer no teatro por mais de cinco horas, fato irrelevante perante
a grandiosidade e a importância do espetáculo. A cena final com os
revolucionários tomando posse da mesa de bilhar do rei é um achado dramatúrgico
de mestre.
Muito
já se escreveu sobre a revolução francesa. No teatro, desde os fundamentais 1789 criado por Ariane Mnouchkine para o
Théâtre du Soleil e Marat-Sade de Peter Weiss na encenação
de Peter Brook (que no Brasil teve uma histórica montagem de Ademar Guerra em
1967), passando pela ópera Ça Ira de Roger Waters, até o edulcorado
musical Les Misérables de Alain Boubill e Claude-Michel Schönberg, mesmos
autores da anterior (e superior) ópera rock La
Révolution Française. No meu modo de ver, entre os espetáculos a que tive a
oportunidade de assistir, a encenação de Pommerat junto com 1789 e Marat-Sade é o que melhor se criou em teatro sobre esse momento
tão importante para a história da humanidade.
ÇA
IRA integrou a programação da 3ª Mostra Internacional de Teatro de São Paulo
(MITsp) de 2016.
QUEM
VIU, VIU. QUEM NÃO VIU, NÃO VERÁ JAMAIS!
08/03/2016
Aí, que pena que perdi. A sua frase final me deixou arrasada, mas jamais não existe. Fiquei com uma vontade de ver.
ResponderExcluirAí, que pena que perdi. A sua frase final me deixou arrasada, mas jamais não existe. Fiquei com uma vontade de ver.
ResponderExcluirÓtimo texto! Concordo 100%
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