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quarta-feira, 6 de abril de 2016

FESTIVAL DE CURITIBA 2016 - BALANÇO PESSOAL E AFETIVO

         Como sempre acontece, as primeiras verbas cortadas em tempos de crise são aquelas para as ironicamente chamadas inutilidades (educação e cultura). Foi assim com a Mostra Internacional de Teatro de São Paulo (MITsp) e com o Festival de Curitiba que , se não fosse a garra de seus organizadores, teriam deixado de acontecer neste conturbado ano de 2016.
         O Festival de Curitiba encerrado no último domingo foi um verdadeiro sucesso artístico e de publico tendo recebido cerca de 180 mil pessoas para assistir aos 34 espetáculos da Mostra Oficial (curadoria de Guilherme Weber e Márcio Abreu) e àqueles 312 do Fringe (sem curadoria).
         Mais da metade dos títulos da Mostra Oficial constou de espetáculos já testados no Rio de Janeiro e/ou em São Paulo, mas houve algumas estreias nacionais e até uma corajosa Mostra IliadaHomero com 24 atores paranaenses apresentando em monólogos os 24 cantos da Ilíada de Homero sob a direção de Octavio Camargo.
         As grandes surpresas (boas e más) sempre ficam por conta do Fringe com espetáculos altamente sofisticados como Artista de Fuga até aqueles cujos títulos já revelam seu teor (Homem Casado Com Mulher Feia Não Gosta de Finais de Semana Nem Feriados / A Tarada do Boqueirão).
         Minha opção durante a estadia em Curitiba na segunda semana do Festival foi pelo Fringe e em especial pelas montagens curitibanas. Assisti a 13 espetáculos, sendo cinco da Mostra e oito do Fringe e dentre eles nove de Curitiba. Abri e fechei essa jornada curitibana com chaves de ouro: Cidade Sem Mar na primeira noite e O Causo É o Seguinte na última manhã.

Claudete Pereira Jorge - Canto 1 da Ilíada de Homero

         Dentro da Mostra assisti ao belíssimo Nuon que já foi alvo de matéria publicada neste blog; o Canto 1 da Ilíada numa interpretação espantosa da grande atriz Claudete Pereira Jorge, inexplicavelmente desconhecida em São Paulo; Mamãe, solo do ator carioca Álamo Facó sobre a doença e a morte de sua mãe; Quem Tem Medo de Travesti, montagem cearense bastante digna sobre o mundo de discriminação e preconceitos em que vivem os travestis, com direção de Jezebel De Carli e Silvero Pereira que já nos deram o memorável BRTrans e Tebas Land, original exercício de meta linguagem vindo do Uruguai com autoria e direção de Sergio Blanco versando sobre as entrevistas que um dramaturgo realiza com um parricida e  com o ator que irá interpretar o assassino em uma peça escrita pelo entrevistador, a relação entre os três resulta em um espetáculo intimista e provocador.
         No Fringe assisti apenas a um espetáculo não curitibano (O Encontro das Águas, montagem carioca dirigida por Leonardo Miggiorin) e as gratíssimas surpresas ficaram por conta dos trabalhos locais.
         Não é sempre que se tem a chance de se descobrir autores, encenadores, companhias e atores de uma cidade. A Curitiba Mostra idealizada pela atriz Nena Inoue realizou essa tarefa de forma exemplar com a apresentação de cinco espetáculos de grupos locais com textos de autores curitibanos. Tive a oportunidade de assistir a quatro desses trabalhos, todos eles transgressores e inovadores. No meu modo de ver o mais bem realizado foi A Cidade Sem Mar inspirado na obra de Manoel Carlos Karam com direção de Giovana Soar e Nadja Naira da Companhia Brasileira de Teatro, mas as performances Pinheiros e Precipícios (Wilson Bueno) e Autoras Curitibanas também se revelaram provocativas além da primeira me surpreender com o carisma de Claudete Pereira Jorge que posteriormente me deixaria de boca aberta no já citado Canto 1 da Ilíada. O mais convencional, mas não menos interessante, Paranã é formado por três monólogos pontuados por pequenos textos de Dalton Trevisan interpretados por Nena Inoue; excelentes atores com destaque para Rafael Camargo numa divertida interpretação de texto de Domingos Pellegrini. Deixei de ver o trabalho sobre a obra de Dalton Trevisan.
         Uma curiosidade é a adaptação de parte da casa de atores/encenadores como espaço teatral. As casas do encenador Marcos Damaceno e do autor/ator/diretor Edson Bueno são exemplos disso e nesses espaços tive a chance de ver dois importantes trabalhos:

Casa do Damaceno
         Artista de Fuga tem dramaturgia do diretor Marcos Damaceno a partir de texto de Guto Gevaerd e trata da crise existencial e artística (Ah! O tormento da página em branco!) de um escritor à beira de um ataque de loucura. A encenação de Damaceno é contemporânea e criativa tendo como pontos fortes a instigante cenografia de autoria do diretor e de André Coelho e as poderosas interpretações de Rosana Stavis, Paulo Alves e Eliane Campelli (dona de voz bela e exuberante). A cena final é um surpreendente soco no estômago!

Estúdio Delírio (Residência de Edson Bueno)

         Se Eu Morresse Amanhã de autoria de Edson Bueno é teatro convencional muito bem feito. Trama bem contada sobre um homem que recebe a visita da morte que diverte e comove na medida certa. Excelentes interpretações do autor/encenador e de Ricardo Westphalen.

Ave Lola Espaço de Criação

         Domingo ensolarado pela manhã, horas antes de regressar a São Paulo volto ao Ave Lola Espaço de Criação para fechar lindamente a estadia em Curitiba: no paradisíaco jardim do espaço; belamente adornado pelo sol, pelas plantas e pelas crianças; apresentaram-se Richard Rebelo e o Trio Caipora em O Causo é o Seguinte , contação de causos deste vasto Brasil por Rebelo, mesclada com canções interpretadas pelo grupo. Espetáculo que contagiou com alegria e emoção o grande público presente.




         E para encerrar esta matéria nada melhor do que um texto de Guimarães Rosa dito por Richard Rebelo em O Causo É o Seguinte que ele graciosamente transcreveu para mim:

         “Ando com fome de coisas sólidas e ânsia de viver só o essencial. Penso que chega um momento na vida da gente em que o nosso único dever é lutar ferozmente para introduzir no tempo de cada dia o máximo de eternidade”.

FALTA DE EDUCAÇÃO E FALTA DE CULTURA OS MALES DO BRASIL SÃO.

VIVA MÁRIO DE ANDRADE!


06/04/2016

4 comentários:

  1. Parabens José Cetra! Bons comentários. V. se desdobrou e com certeza aproveitou bem o tempo! Espero poder ver pelo menos alguns desses espetáculos aqui em Sampa!

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  2. Parabéns pelo texto, José Cetra. Foi muito bom ter a sua companhia em alguns dos espetáculos citados. Daqueles que vi com você, minha avaliação é muito semelhante a sua. Que venham sempre muitas peças boas de ver, em Curitiba, em São Paulo, em toda parte e muitos festivais para que possamos ver todas juntas.

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  3. Lindas palavras Cetra. Muito feliz em conhece-lo. Um domingo de sol brilhante. Que os encontros sejam sempre cheios de luz, e que possamos nos encontrar num futuro breve em palcos ou jardins paulistanos.

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  4. muito obrigada, Cetra e muito feliz em te conhecer e proporcionar momentos especiais neste Festival de Teatro. E, principalmente pela fundamental e indispensável citação sobre a educação e cultura. Viva mesmo Mario de Andrade!!

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