Foto de Lenise Pinheiro
O
teatro do absurdo surgiu na Europa após a segunda guerra mundial quando o mundo
ainda estava boquiaberto com aquilo que o homem era capaz de fazer com seu
semelhante. Os teatros de Ionesco e, principalmente, de Beckett retratam essa
época sombria e sem perspectivas de forma exemplar.
Falta
de perspectiva é talvez o maior problema do caos que tomou conta do Brasil nos
últimos tempos. Some-se a isso o aquecimento global, as mudanças climáticas, a
falta d’água. Acrescente-se ainda a falta de comunicação entre as pessoas e o
tédio imposto por uma vida monótona a dois. Sergio Roveri deve ter pensado em
tudo isso ao escrever Não Contém Glúten,
simples - só na aparência! - história de um casal que recebe outro casal “no
dia mais quente do ano”. O texto é preciso e enxuto mostrando tudo o que existe de absurdo nas
situações mais cotidianas.
A
tradução cênica de José Roberto Jardim é excelente e criativa colocando os dois
atores praticamente imóveis em cena circunscritos à área de um tapete redondo
branco, sendo que suas ações (aquelas que no texto escrito correspondem às
rubricas) são descritas em legendas no fundo do palco. Essa imobilidade física
exterioriza de forma exemplar a monotonia daquela vida a dois. A chegada do
casal amigo Dorothy e Henry (que não aparece em cena) escancara os traumas dos
protagonistas Sue e Michael. A iluminação do espetáculo, assinada por
Jardim e por Paula Hemsi, é peça fundamental para ilustrar a ação e o que vai pela cabeça do
casal.
Montagem
com esse minimalismo exige a presença de grandes atores: Pascoal da Conceição
com sua habitual competência compõe à perfeição o elegante e empertigado
Michael, em papel bastante diverso daqueles que costuma fazer. O trabalho de
Bia Seidl é uma obra de ourivesaria composta de filigranas faciais e vocais uma
vez que ela pouco se mexe, isso resulta numa das interpretações femininas mais significativas
que se tem presenciado em nossos palcos nos últimos tempos. Um privilegiado
assento na terceira fileira me permitiu apreciar em detalhes todas as nuances
desse trabalho.
NÃO CONTÉM GLÚTEN não é obra para se
assistir às pressas. São apenas 55 minutos do mais puro teatro e joias desse
tipo necessitam de espectadores sensíveis e abertos para o novo. A peça está em
cartaz no Sesc Santana às sextas e sábados (21h) e domingos (18h) apenas até o
próximo fim de semana (12/06).
Afinal...
O suflê contém ou não contém glúten?
05/06/2016
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