CENAS DA VIDA PRIVADA DE UM PAÍS À BEIRA DO CAOS.
Em
Abnegação II, as cenas dividiam-se em
públicas (extremamente dinâmicas) e privadas (semi-estáticas). Nesta Abnegação III que trata basicamente da vida privada, os encenadores Clayton
Mariano e Alexandre Dal Farra resolveram radicalizar optando por deixar os atores
sentados com os braços estendidos ao longo do corpo, dando vida às falas das
personagens apenas com suas expressões faciais e vocais. Pouquíssimas vezes e
em momentos necessários para o desenvolvimento da ação eles se debruçam para
frente, ficam em pé ou caem no chão. Há de se convir que tal solução cênica
poderia resultar em espetáculo, no mínimo cansativo, mas os diretores, sabedores
da força e do talento do seu elenco, apostaram e o resultado é surpreendentemente
dinâmico e envolvente. Um emblemático panô vermelho cobre todo o fundo do palco.
O
texto de Alexandre Dal Farra, dividido em nove cenas, visita cinco famílias de
várias classes econômico-sociais todas elas envolvidas, de alguma maneira, com
o PT. A partir da 6ª cena as quatro primeiras voltam a aparecer em momentos
diferentes, ficando a quinta (Na casa de um oficial) como um divisor entre os
dois tempos ocorridos. Diálogos ágeis entremeados com longas falas (“bifões”,
como se diz, na gíria teatral) dão vigoroso painel da situação do Brasil no
momento em que se preconizava a agonia do PT (2014). Curiosamente, se na
leitura do texto os “bifões” chegavam a incomodar, na encenação eles funcionam
muito bem em função da maneira como são interpretados pelos atores.
Poucas
vezes temos a oportunidade de ver em nossos palcos elenco tão homogêneo, coeso e
talentoso. Os seis atores, utilizando-se quase que apenas de seus recursos
faciais e vocais passam para o público toda a emoção e o ridículo de certas
situações. A ironia presente é responsável por risos nervosos e também irônicos
do público.
Ligia
Oliveira tem seu melhor momento como a patética Adriana, empregada de uma
família de herdeiros ricos. É difícil acreditar que seja a mesma pessoa que
encarnou a espevitada perua de peruca longa em Abnegação II.
Antonio
Salvador entra para a trilogia apenas nesta última e empresta todo seu talento
para as várias personagens que interpreta.
André
Capuano despoja-se das interpretações exageradas das duas primeiras “abnegações”
e usa máscaras variadas para dar vida a seus personagens.
Alexandra
Tavares, parecendo muito mais jovem, com seu cabelo cortado rente, tem dicção
clara e consegue parecer uma menina ou uma velha (a mãe de uma das cenas) com
igual desenvoltura.
Amanda
Lyra é um vulcão em cena, sendo responsável pela maior parte das falas
engraçadas da peça.
E
finalmente Vitor Vieira, ator que confirma mais uma vez (se isso fosse
necessário!) seu grande talento e versatilidade.
Muitos
elogios? Pode ser, mas todos verdadeiros e muito necessários. Se houvesse algum
prêmio dedicado a elenco o meu voto iria com certeza para este trabalho onde
predomina a ideia de coletivo.
Com
15 anos de existência, só tomei contacto com a Tablado de Arruar em 2012
quando assisti ao impactante Mateus 10.
A partir daí surgiu Abnegação que deu
origem à trilogia que ora se encerra. Trilogia corajosa onde um grupo
nitidamente de esquerda faz crítica feroz do partido de esquerda que levou o
país à situação ora vivida por todos nós.
Antes
do início do espetáculo, um amigo e eu comentávamos a situação dramática que
ora vivemos, pelo fato de não haver perspectivas de luz no fim do túnel, pois
este túnel só tem políticos corruptos e arrivistas. E essa falta de luz é muito
bem metaforizada ao final do espetáculo com o black out que ocorre na casa pobre e com a ausência dos atores no
palco. Soco no estômago, como Alexandre Dal Farra e Clayton Mariano sabem muito
bem dar!
ABNEGAÇÃO
III está em cartaz no Sesc Ipiranga só até o dia 17/07. De quinta a sábado às
21h e aos domingos às 18h. IMPERDÍVEL PARA QUEM ESTÁ INTERESSADO EM REFLETIR
SOBRE A SITUAÇÂO DO NOSSO PAÍS.
08/07/2016
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