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sexta-feira, 8 de julho de 2016

ABNEGAÇÃO III



CENAS DA VIDA PRIVADA DE UM PAÍS À BEIRA DO CAOS.


        Em Abnegação II, as cenas dividiam-se em públicas (extremamente dinâmicas) e privadas (semi-estáticas). Nesta Abnegação III que trata basicamente da vida privada, os encenadores Clayton Mariano e Alexandre Dal Farra resolveram radicalizar optando por deixar os atores sentados com os braços estendidos ao longo do corpo, dando vida às falas das personagens apenas com suas expressões faciais e vocais. Pouquíssimas vezes e em momentos necessários para o desenvolvimento da ação eles se debruçam para frente, ficam em pé ou caem no chão. Há de se convir que tal solução cênica poderia resultar em espetáculo, no mínimo cansativo, mas os diretores, sabedores da força e do talento do seu elenco, apostaram e o resultado é surpreendentemente dinâmico e envolvente. Um emblemático panô vermelho cobre todo o fundo do palco.
        O texto de Alexandre Dal Farra, dividido em nove cenas, visita cinco famílias de várias classes econômico-sociais todas elas envolvidas, de alguma maneira, com o PT. A partir da 6ª cena as quatro primeiras voltam a aparecer em momentos diferentes, ficando a quinta (Na casa de um oficial) como um divisor entre os dois tempos ocorridos. Diálogos ágeis entremeados com longas falas (“bifões”, como se diz, na gíria teatral) dão vigoroso painel da situação do Brasil no momento em que se preconizava a agonia do PT (2014). Curiosamente, se na leitura do texto os “bifões” chegavam a incomodar, na encenação eles funcionam muito bem em função da maneira como são interpretados pelos atores.
        Poucas vezes temos a oportunidade de ver em nossos palcos elenco tão homogêneo, coeso e talentoso. Os seis atores, utilizando-se quase que apenas de seus recursos faciais e vocais passam para o público toda a emoção e o ridículo de certas situações. A ironia presente é responsável por risos nervosos e também irônicos do público.


        Ligia Oliveira tem seu melhor momento como a patética Adriana, empregada de uma família de herdeiros ricos. É difícil acreditar que seja a mesma pessoa que encarnou a espevitada perua de peruca longa em Abnegação II.
        Antonio Salvador entra para a trilogia apenas nesta última e empresta todo seu talento para as várias personagens que interpreta.
        André Capuano despoja-se das interpretações exageradas das duas primeiras “abnegações” e usa máscaras variadas para dar vida a seus personagens.
        Alexandra Tavares, parecendo muito mais jovem, com seu cabelo cortado rente, tem dicção clara e consegue parecer uma menina ou uma velha (a mãe de uma das cenas) com igual desenvoltura.
        Amanda Lyra é um vulcão em cena, sendo responsável pela maior parte das falas engraçadas da peça.
        E finalmente Vitor Vieira, ator que confirma mais uma vez (se isso fosse necessário!) seu grande talento e versatilidade.
        Muitos elogios? Pode ser, mas todos verdadeiros e muito necessários. Se houvesse algum prêmio dedicado a elenco o meu voto iria com certeza para este trabalho onde predomina a ideia de coletivo.
        Com 15 anos de existência, só tomei contacto com a Tablado de Arruar em 2012 quando assisti ao impactante Mateus 10. A partir daí surgiu Abnegação que deu origem à trilogia que ora se encerra. Trilogia corajosa onde um grupo nitidamente de esquerda faz crítica feroz do partido de esquerda que levou o país à situação ora vivida por todos nós.
        Antes do início do espetáculo, um amigo e eu comentávamos a situação dramática que ora vivemos, pelo fato de não haver perspectivas de luz no fim do túnel, pois este túnel só tem políticos corruptos e arrivistas. E essa falta de luz é muito bem metaforizada ao final do espetáculo com o black out que ocorre na casa pobre e com a ausência dos atores no palco. Soco no estômago, como Alexandre Dal Farra e Clayton Mariano sabem muito bem dar!

        ABNEGAÇÃO III está em cartaz no Sesc Ipiranga só até o dia 17/07. De quinta a sábado às 21h e aos domingos às 18h. IMPERDÍVEL PARA QUEM ESTÁ INTERESSADO EM REFLETIR SOBRE A SITUAÇÂO DO NOSSO PAÍS.

08/07/2016
       



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