Este texto foi escrito após a leitura
da matéria “Já não era mais terça-feira, mas também não era quarta” de Tiago
Ferro, publicada no número 119 da revista Piauí.
Rua Palmari, Vila Ipojuca. Década de
1960.
Nessa época eram muito comuns os
bailinhos de fim de semana sempre na casa de uma das garotas do colégio onde as
meninas bebiam refrigerantes e os garbosos rapazes tomavam Cuba Libre, Hi-Fi e
aqueles mais ousados iam de Gin Tônica. Elvis Presley, Bill Halley e Ray Conniff
rodavam na vitrola sem parar enquanto os pares dançavam e trocavam juras de
amor que quase sempre duravam só até o próximo baile. Ninguém “ficava”, nem ia
para motel. Eram só alguns beijinhos e mesmo assim sem abrir a boca!
Foi num desses bailes que eu conheci
uma garotinha graciosa e bonita com imensos olhos claros. De Sandra Regina
Ferro, ela logo virou a minha amiga Sandrinha.
Sandrinha morava numa bela casa na Rua
Palmari e logo eu e meus amigos conhecemos a Dona Fernanda e o Seu Anacleto,
seus pais, que sempre nos recebiam de braços abertos. Era muito comum dar um
pulo por lá durante a semana à tarde para papear com a Sandrinha e degustarmos
o café e os bolos da sorridente e gentil Dona Fernanda. No último dia do ano eu
passava a passagem em casa e depois ia curtir o réveillon na deliciosa festa
organizada pelos Ferro. Uma lembrança traumática dessa época é a tragédia de
uma família que depois de estar conosco na festa sofreu um acidente fatal onde
todos morreram. A alegria da festa foi subitamente torpedeada com a fatal
notícia.
O tempo passou e minha amizade com
Sandrinha se estreitou, sendo que no seu baile de formatura do ginásio fui seu
padrinho e agraciado com uma das valsas. Sim! Naquela época tinha valsa de
formatura.
Cheguei a conhecer alguns namorados
dela e ela também conheceu minhas namoradinhas, sendo que sempre que nos
encontrávamos eram aqueles papos, aquelas risadas e aquelas fofocas. Vestibular,
faculdade, namoros mais sérios e fomos perdendo contato. Cheguei a conhecer o
Antonio Carlos e ela também conheceu a Vera, que viriam a ser as pessoas com
quem cada um de nós se casou. Depois disso o contato rareou.
Tempos depois eu estava com a minha
filha Mariana no Ibirapuera e acidentalmente cruzei com a Sandra que passeava
com seu moleque, o Tiago. Encontro feliz, apresentamos as crianças que na época
deviam ter cerca de três anos (eles têm mais ou menos a mesma idade).
Vamos nos ver, vamos marcar um
jantar... Foram os desejos trocados, mas nunca realizados. Passaram-se quase
trinta anos sem a gente se encontrar.
O acaso fez com que voltássemos a nos
encontrar em um feirão de DVDs usados na locadora 2001 da Avenida Sumaré. Uma
alegria enorme tomou conta de nós e prometemos não mais perder o contato e é o
que temos feito até hoje.
Filhos casados e netos fizeram nossas
duas famílias aumentarem.
Em 2012 eu defendi a minha dissertação
de mestrado e tinha intenção de transformá-la em um livro. Tempos depois Sandra
me deu dicas preciosas do que eu devia reordenar/excluir/incluir para que o
texto se tornasse um livro atraente. Nessa ocasião fui carinhosamente acolhido
em sua casa retomando o contato com o Antonio Carlos e conhecendo a Bionda e a
adorável netinha Manu. (Isa, a netinha menor eu não cheguei a encontrar)
A terra girou várias vezes, eu também
ganhei a netinha Laura, lancei o meu livro e esporadicamente tinha contato com
o casal Espilotro. Acompanhei a doença da Bionda e acompanhei de longe a
tristeza deles com a sua morte.
Em março deste ano fui cobrir o
Festival de Curitiba. No dia 31 de março participei de coletivas de imprensa
pela manhã e após o almoço voltei para o hotel para escrever matérias sobre o
Festival. Quando abri o notebook me deparei com a terrível notícia da morte da
Manu e a partir daquele momento meu pensamento não saiu mais do Tiago, da Mika
(que eu não conheço), da Isa, do Antonio Carlos e da minha querida Sandra, ao
lado de quem eu queria tanto estar, mas a distância e os compromissos me
impediam.
Cinco meses se passaram. Até hoje não
me senti à vontade de fazer uma visita aos meus amigos. Limitei-me a longo papo
telefônico com o Antonio Carlos logo que voltei de Curitiba. Respeitando ao
máximo o processo de luto da família, mantive-me à distância.
Hoje, dia 09 de agosto de 2016, caiu-
me nas mãos a revista Piauí e li a emocionada matéria que o Tiago escreveu
sobre a construção do luto pela morte da Manu. Em vários momentos da leitura me
vieram lágrimas aos olhos e voltei a me irmanar na dor tão intensa vivida pela
família e mais ainda na força que todos estão tirando dessa dor. Foi então que
resolvi escrever este texto.
Muitos anos se passaram e outros vão se
passar com altos e baixos para todos nós. Alguns chegaram, alguns se foram e eu
que por enquanto aqui estou, quero deixar um carinho para a Manu com essas palavras
do poeta espanhol Juan Ramón Jiménez (1881-1958) que encontrei nas páginas
amareladas de um velho caderno:
“...E
eu partirei. Os pássaros continuaram cantando e meu jardim ficará com suas
árvores verdejantes e com seu poço d’água. Em muitas tardes os céus serão azuis
e os sinos da torre repicarão, como repicam esta tarde. Aqueles que me amaram,
passarão, e a cidade explodirá de novo a cada ano. Mas meu espírito para sempre
vagará nostálgico no mesmo recanto escondido de meu jardim florido”
08/08/2016
Bela homenagem à menininha que voltou a ser anjo. Sua missão seria curta e as saudades imensas.
ResponderExcluirBela homenagem à menininha que voltou a ser anjo. Sua missão seria curta e as saudades imensas.
ResponderExcluirEste comentário foi removido pelo autor.
ResponderExcluirCetra querido de sempre... Eu também faço parte desses dias de tempos atrás, da casa dos Ferro, de uma convivência contínua dos adolescentes que o tempo e os atalhos distanciaram... Com você o reencontro no Festival de Teatro do SESC dos 80 e contato retomado... Com a mana Sandra, jamais interrompido.. Na alegria, nos festejos, nos velórios, nos sorrisos e nas despedidas... Delas e meus. Somos irmanados, sempre. Manu virou estrela. E brilhou feliz com esse teu texto. Beijos, querido.
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