O FUTURO DIRÁ...
No calor da hora, em função de nosso
estado de espírito e da resposta que uma obra nos dá em determinado momento,
podemos elogiar a mesma com os maiores adjetivos. Passado algum tempo e
analisando friamente notamos que não era bem assim e que a obra é razoavelmente
boa, mas envelheceu. O dicionário Aurélio define clássico como “aquele cujo valor foi posto à prova do tempo”.
Que tempo é esse? Uma década? Um século? Um milênio? Os clássicos gregos
atravessaram dois mil anos e continuam frescos como a jabuticaba colhida no pé.
Shakespeare está mais próximo, mas também é um clássico. A lista dos mais
jovens poderia incluir Beckett, Brecht e o nosso Nelson Rodrigues. As Águas de Março do Tom Jobim começaram a
correr há apenas 44 anos e o que dizer de Cais
ou da Indiferença das Embarcações
de Kiko Marques que tem somente quatro anos de vida?
Todo esse preâmbulo é para escrever
sobre Os Arqueólogos de Vinicius
Calderoni que, ao meu modo de ver, já nasce clássico. A bela e poética carta de
Silvia Gomez que introduz o texto no livreto (*) que acompanha o programa cita
trecho de La Universidad Desconocida de Roberto Bolaño que começa assim: “Dentro
de mil anos não restará nada de tudo o que se escreveu neste século...”. Será?
As obras e os autores citados acima querem provar o contrário. O futuro, que
nós não veremos, o dirá.
Vinicius Calderoni tem facilidade
enorme para falar das coisas corriqueiras de maneira original e criativa (sua
primeira peça Não Nem Nada de 2014 já
demonstrava isso). Aqui ele se vale de dois extrovertidos locutores esportivos
que narram de modo espetacular as cenas mais comuns do cotidiano: a travessia
em uma faixa de pedestres, um filho tirando fotos do pai, um parto, um casal
discutindo a relação e assim por diante. Muito tempo depois (séculos?
milênios?) esses fatos servirão como prova de idoneidade moral para um
arqueólogo jovem diante de um arqueólogo velho. Vive-se numa sociedade inóspita
onde foram banidos a poesia e os sentimentos. No programa da peça o autor
alerta: “Tomem Os Arqueólogos como um
abraço. Porque não é nada mais do que
isso.” O pensamento do dramaturgo fica patente na emocionante cena final da
peça que com certeza vai se perpetuar através dos tempos e seu recado humanista
vai sensibilizar de maneira revolucionária os arqueólogos do futuro.
A direção de Rafael Gomes traduz
cenicamente de maneira muito clara as intenções do texto fazendo os dois atores
circularem pelo cenário formado por caixas de papelão onde a iluminação tem
papel importantíssimo. Ambos, cenário e iluminação, são assinados por Marisa Bentivegna. Destaque também para os figurinos de Daniel Infantini e para a sugestiva trilha sonora de Miguel Caldas.
Cabe a Vinicius Calderoni e Guilherme
Magon darem vida à dezena de personagens requeridas pela peça (os dois
locutores narradores, as diversas figuras por eles narradas e os dois
arqueólogos) e os dois atores o fazem com muita versatilidade mudando apenas de
lugar e do foco de luz.
A peça encerra de maneira brilhante a II Mostra de dramaturgia em pequenos formatos cênicos do CCSP,
evento criado por Kil Abreu, que já revelou seis importantes textos da
dramaturgia brasileira. Agora é aguardar a III Mostra que já tem edital
publicado para 2017. Mãos à obra, dramaturgos!
OS ARQUEÓLOGOS está em cartaz no Centro
Cultural São Paulo só até 04/09/2016. Sextas e sábados às 21h e domingos às
20h. IMPERDÍVEL.
(*) Os programas da Mostra são
acompanhados de um livreto com o texto integral da peça em cartaz. Procedimento
altamente elogiável e importante para a difusão da dramaturgia brasileira.
21/08/2016
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