domingo, 21 de agosto de 2016

OS ARQUEÓLOGOS


O FUTURO DIRÁ...



         No calor da hora, em função de nosso estado de espírito e da resposta que uma obra nos dá em determinado momento, podemos elogiar a mesma com os maiores adjetivos. Passado algum tempo e analisando friamente notamos que não era bem assim e que a obra é razoavelmente boa, mas envelheceu. O dicionário Aurélio define clássico como “aquele cujo valor foi posto à prova do tempo”. Que tempo é esse? Uma década? Um século? Um milênio? Os clássicos gregos atravessaram dois mil anos e continuam frescos como a jabuticaba colhida no pé. Shakespeare está mais próximo, mas também é um clássico. A lista dos mais jovens poderia incluir Beckett, Brecht e o nosso Nelson Rodrigues. As Águas de Março do Tom Jobim começaram a correr há apenas 44 anos e o que dizer de Cais ou da Indiferença das Embarcações de Kiko Marques que tem somente quatro anos de vida?
         Todo esse preâmbulo é para escrever sobre Os Arqueólogos de Vinicius Calderoni que, ao meu modo de ver, já nasce clássico. A bela e poética carta de Silvia Gomez que introduz o texto no livreto (*) que acompanha o programa cita trecho de La Universidad Desconocida de Roberto Bolaño que começa assim: “Dentro de mil anos não restará nada de tudo o que se escreveu neste século...”. Será? As obras e os autores citados acima querem provar o contrário. O futuro, que nós não veremos, o dirá.
         Vinicius Calderoni tem facilidade enorme para falar das coisas corriqueiras de maneira original e criativa (sua primeira peça Não Nem Nada de 2014 já demonstrava isso). Aqui ele se vale de dois extrovertidos locutores esportivos que narram de modo espetacular as cenas mais comuns do cotidiano: a travessia em uma faixa de pedestres, um filho tirando fotos do pai, um parto, um casal discutindo a relação e assim por diante. Muito tempo depois (séculos? milênios?) esses fatos servirão como prova de idoneidade moral para um arqueólogo jovem diante de um arqueólogo velho. Vive-se numa sociedade inóspita onde foram banidos a poesia e os sentimentos. No programa da peça o autor alerta: “Tomem Os Arqueólogos como um abraço. Porque não é nada mais do que isso.” O pensamento do dramaturgo fica patente na emocionante cena final da peça que com certeza vai se perpetuar através dos tempos e seu recado humanista vai sensibilizar de maneira revolucionária os arqueólogos do futuro.
         A direção de Rafael Gomes traduz cenicamente de maneira muito clara as intenções do texto fazendo os dois atores circularem pelo cenário formado por caixas de papelão onde a iluminação tem papel importantíssimo. Ambos, cenário e iluminação, são assinados por Marisa Bentivegna. Destaque também para os figurinos de Daniel Infantini e para a sugestiva trilha sonora de Miguel Caldas.


         Cabe a Vinicius Calderoni e Guilherme Magon darem vida à dezena de personagens requeridas pela peça (os dois locutores narradores, as diversas figuras por eles narradas e os dois arqueólogos) e os dois atores o fazem com muita versatilidade mudando apenas de lugar e do foco de luz.
         A peça encerra de maneira brilhante a II Mostra de dramaturgia em pequenos formatos cênicos do CCSP, evento criado por Kil Abreu, que já revelou seis importantes textos da dramaturgia brasileira. Agora é aguardar a III Mostra que já tem edital publicado para 2017. Mãos à obra, dramaturgos!
         OS ARQUEÓLOGOS está em cartaz no Centro Cultural São Paulo só até 04/09/2016. Sextas e sábados às 21h e domingos às 20h. IMPERDÍVEL.

         (*) Os programas da Mostra são acompanhados de um livreto com o texto integral da peça em cartaz. Procedimento altamente elogiável e importante para a difusão da dramaturgia brasileira.

21/08/2016

          

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