Literatura
e teatro. Quando duas artes se encontram
Foto de João Caldas
É
muito comum a adaptação de obras literárias para a linguagem teatral, algumas
muito bem sucedidas, outras nem tanto. A transposição integral de um conto ou
romance para o palco já é fato menos comum e com maior possibilidade de
resultar em algo indigesto e tedioso.
Espelhos, encenação de Vivien Buckup com
Ney Piacentini contraria o escrito acima resultando em um dos mais harmoniosos
encontros entre literatura e teatro a que se tem assistido em nossos palcos.
Ao
adentrar o espaço cênico reservado para a montagem já respiramos certo ar machadiano:
servindo-se muito bem do ambiente da sala com suas grandes janelas abertas e
paredes revestidas de madeira escura e introduzindo apenas três lustres
iluminados à luz de velas, Marisa Bentivegna cria o clima propício para a
entrada do ator com um livro na mão. Ney inicia o espetáculo lendo as primeiras
sentenças do conto O Espelho de
Machado de Assis que no subtítulo Esboço
de Uma Nova Teoria da Alma Humana revela a trama básica do conto que versa sobre
a existência de duas almas: a externa (como nos vêm) e a interna (como nos
vemos). A seguir o intérprete larga o livro e interpreta com precisão as
aventuras do alferes Jacobina que vai passar temporada na casa da tia Marcolina
e que, por circunstâncias diversas, descobre a dualidade de sua alma. O conto é
sintético e a encenação de Vivien Buckup é fiel às intenções do texto usando
para isso a elegância interpretativa de Ney e a discreta, mas fundamental,
iluminação de Marisa Bentivegna.
A
passagem do universo machadiano para aquele de Rosa se dá com o apagar das
velas dos lustres e com a desconstrução de todos os objetos de cena, inclusive do
solene terno vestido pelo ator (criação de Fabio Namatame). Nesse espaço vazio
e despido da formalidade do autor fluminense Ney Piacentini nos revela os
meandros do conto homônimo de Rosa, algo mais complexo e nada linear que exige
atenção redobrada do espectador. Não se pode afirmar, mas tudo indica que
Guimarães Rosa conhecia o conto de Machado de Assis dada a semelhança no
conteúdo, apesar de tão diverso na forma.
Espetáculo
de alta classe com grau de erudição sofisticado, Espelhos é exemplo do bom uso da nobre literatura brasileira no
teatro, além de oferecer digníssimo trabalho de ator de Ney Piacentini. A ser
assistido pelo público em geral e, em especial, pelos estudantes interessados em
conhecer algo de nossas artes.
ESPELHOS
está em cartaz na Oficina Cultural Oswald de Andrade às quintas e sextas (20h)
e aos sábados (18h) somente até o dia 19/11. Entrada gratuita. CORRA PARA VER.
14/11/2016
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